Requisito da petição inicial
trabalhista
na lei 13.467/2017
a) Considerações
iniciais
Promulgada a lei 13.467,
de 13 de julho de 2017, que promoveu profundas modificações no direito e no
processo do trabalho, nenhuma alteração na legislativa impactou tanto o
processo do trabalho quanto a parte que trata dos requisitos da petição
inicial.
Com efeito, a
alteração promovida no § 1º do art. 840 da CLT, dispondo que o pedido “deverá ser certo,
determinado e com indicação de seu valor”,
representa radical mudança no sistema que vem sendo construído desde o Decreto nº 22.132, de 25 de novembro de 1932,
quando foram criadas, no Brasil, as Juntas de Conciliação e Julgamento “para dirimirem os litígios oriundos de questões
de trabalho”[1].
O objetivo do
presente estudo, então, será examinar se o novo sistema está de acordo com os
princípios informadores do direito processual e, igualmente, se foram ou não
violadas as garantidas asseguradas na Constituição Federal aos litigantes do
processo judicial.
Para isso, é da
maior relevância verificar os antecedentes históricos do processo trabalhista, objetivando
entender as razões de natureza técnica, política, social e jurídica que levaram
o legislador a efetuar tal mudança. Esses diferentes enfoques permitem verificar
se a reforma está de acordo com o mandamento constitucional que assegura aos
litigantes do processo judicial a garantia de acesso ao Poder Judiciário contra
ameaça ou violação a direito. Se ainda continuam vigentes os propósitos dessa
instituição, como registrado por Waldemar Martins Ferreira, relator do
anteprojeto que serviu de base ao Decreto-lei que criou a Justiça do Trabalho,
em aparte concedido a Levi Carneiro durante debates na comissão de Constituição
e Justiça da Câmara dos Deputados. Segundo Waldemar Ferreira, não seria
possível “...permitir, com a responsabilidade de
meu nome, de minha consciência de jurista e do meu mandado de deputado, é que
se fosse dar ao trabalhador do Brasil a ilusão de uma justiça que não pudesse
funcionar eficientemente[2].”
Para isso, não há
outro percurso a ser cumprido que não seja o de verificar a forma pela qual foi
tratado essa questão no Decreto nº
22.132, de 25 de novembro de
1932; posteriormente, no Decreto-lei 1237, de 02 de maio de 1939; a seguir, no
Decreto-lei 5452, de 1º de maio de 1943 e, por fim, na Lei 13.467, de 13 de
julho de 2017, para verificar se as alterações são realmente uma reforma, ou
simplesmente do desmonte do mais antigo e duradouro corpo de leis processuais
vigentes no Brasil, desde a proclamação da República.
Como registra Souza Netto[3],
na coletânea de legislação laboral que organizou antes da promulgação da CLT,
praticamente não havia, até 1931, leis que tratassem do direito do trabalho no
Brasil. Mas, com a mudança que se operou com o governo revolucionário de 1930,
em sete anos, mais de cento e cinquenta normas foram editadas. Entre elas, o Decreto
nº 22.132, de 25 de novembro de 1932, que instituiu as “Juntas de Conciliação e Julgamento
(...) creadas pelo Ministerio do Trabalho, Industria e Comércio, a requerimento
de qualquer sindicato interessado...”
As Juntas de
Conciliação e Julgamento tinham por finalidade resolver conflitos entre
empregados e empregadores. O procedimento era absolutamente simples. As
reclamações eram “...dirigidas pelos interessados ou seus
representantes legais (...) por escrito ou verbalmente, sendo neste último caso
reduzidas a termo, assinado pelo reclamante ou alguém a seu rogo.” Além dessas disposições, não havia nenhuma
outra exigência para que a demanda fosse recebida e processada perante a Junta.
Posteriormente,
criada a Justiça do Trabalho pelo Decreto-lei 1237, de 02 de maio de 1939, o
tema continuou sendo tratado sem nenhuma exigência formal. Nesse período, era por
demais singela: “A instância será instaurada mediante
representação escrita ao presidente do tribunal, ou por ato deste, sempre que
ocorrer suspensão do trabalho”.
A representação deveria conter “a designação e qualificação dos
reclamantes e a natureza do estabelecimento ou do serviço, os motivos do
dissídio e as bases da conciliação”
(art. 57, § 1º).
Como se lê, tanto
do decreto 22.132/32, como do decreto-lei 1237/39, não haviam exigências formais
estabelecendo requisitos de admissibilidade para a demanda trabalhista. Bastava
a apresentação da reclamação para que o processo tivesse início. E assim o
sistema vigeu no curso do tempo até a promulgação da Consolidação das Leis do
Trabalho, por meio do decreto-lei 5452, de 1º de maio de 1943, quando essa
matéria foi inserida no art. art. 840, §
1º, com a seguinte redação: “sendo escrita, a reclamação deverá
conter a designação do Presidente da Junta, ou do juiz de direito a quem for
dirigida, a qualificação do reclamante e do reclamado, uma breve exposição dos
fatos de que resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante
ou de seu representante”.
Passados mais de
oitenta anos de vigência desse sistema simplificado de apresentação de demandas
trabalhistas, a grande mudança veio a ocorrer por meio da lei 13.467, de 13 de
julho de 2017, quando foi incluído no §1º, do art. 840 da CLT, a exigência de
que “Sendo escrita, a
reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a
breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá
ser certo, determinado e com indicação de seu valor...” (sem grifo no original). Além disso, foi acrescentado
mais um parágrafo no art. 840 estabelecendo que “os
pedidos que não atendam ao disposto no § 1o deste artigo
serão julgados extintos sem resolução do mérito.”
O impacto
dessa exigência na formalização e no encaminhamento das demandas contra
violação de direitos não foi ainda suficientemente dimensionado pelos
principais atores do mundo do trabalho. Ao que tudo indica, nem mesmo os
participantes do sistema organizado para a resolução dos conflitos conseguiu
compreender corretamente o real conteúdo das proposições que entraram em vigência
no dia 11 de novembro de 2017. O certo é que os ideólogos do novo sistema,
aproveitando de momento sui generis da disputa política e, pautando
temas periféricos, e de forte apelo social, foram totalmente exitosos no
propósito de desviar a atenção dos reais objetivos da proposta para aprovar, em
apenas uma semana na Câmara dos Deputados e pouco mais de um mês no Senado da
República, um sistema que coloca pá de cal em princípios e normas legais que
sempre foram extremamente caros ao Processo e à Justiça do Trabalho no Brasil.
Em razão disso, o presente texto, antes de ter
pretensão de fazer exegese da lei aprovada, tem unicamente o escopo de examinar
as implicações da exigência de inicial líquida e real significado que terá, sob
o ponto de vista dos ideais de acesso à justiça, para o futuro do judiciário trabalhista
que, ao que tudo está a indicar, passa hoje pela fase terminal de sua rica
experiência histórica.
b) Justiça do
trabalho
Depois de criadas as Juntas de Conciliação e
Julgamento pelo Decreto nº 22.132,
de 25 de novembro de 1932, que já
funcionavam sob a supervisão do Ministério do Trabalho, o judiciário
trabalhista foi instituído por meio de proposta elaborada pela comissão de
juristas presidida por Oliveira Viana, nomeada pelo Ministro do Trabalho de
Getúlio Vargas, Marcondes Filho, em cumprimento às diretrizes estabelecidas pelas
constituições de 1934 e de 1937[4].
A Constituição de 1934, em seu art.
122, estabelecia que “Para dirimir
questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica
instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo
IV do Título I”[5].
A Constituição de 1937, da mesma forma: “Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre
empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a
Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as
disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às
prerrogativas da Justiça comum” (art. 139). Ambas as constituições desse
período determinavam ao Estado Brasileiro a criação da Justiça do Trabalho e,
igualmente, de que não se aplicasse a ela as regras de organização relativas ao
Poder Judiciário, estabelecidas na própria Constituição.
Em face disso, obedecendo a esse mandamento e inspirada
pelos tribunais rurais de São Paulo, de 1922[6],
que já haviam servido de modelo na criação das Juntas de Conciliação e
Julgamento, a comissão propôs um sistema para resolução de conflitos, regido
pela oralidade, gratuito, com tramitação e julgamento de reclamações com um
rito procedimental de apenas sete dias[7], a
cargo de um colegiado composto por representantes de empregados e de
empregadores e com a execução de suas decisões extremamente célere, conduzida
de ofício pelo juízo que presidiu o julgamento da ação de conhecimento[8].
A Justiça do Trabalho talvez tenha sido a única
experiência verdadeiramente republicana no judiciário brasileiro[9]. A
não ser no caso dos juízes municipais de paz, na época do império, não há, ao
que se sabe, nenhum outro exemplo, em nossa história, no qual a sociedade organizada
tenha tido oportunidade de indicar juízes para cumprir mandato junto a órgão
judicial.
Por essa razão e também pela forma de ordenação do procedimento,
a Justiça do Trabalho foi, e ainda é, uma das mais interessantes criações da
genialidade dos nossos antepassados. Passa por mudanças que tiveram início em
1999, com a extinção dos juízes classistas; avançou no ano de 2000, com a
instituição do procedimento sumaríssimo[10]; transformou-se radicalmente no ano de 2013,
com a implantação do PJE e que, agora, com o advento da Lei 13.467/2017, sofre descaracterização
de tal ordem que não é nenhum exagero afirmar que o judiciário trabalhista está
com os dias contados até a data de sua total extinção.
c) Exigência
da inicial líquida e o processo do trabalho
A Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, da mesma forma que realizou
a mais profunda e radical mudança no âmbito do direito laboral desde a edição
da CLT, ao revogar princípios como o da aplicação da norma mais benéfica na
interpretação do contrato de trabalho, também promoveu imensa, excessiva e
desmedida alteração processual ao introduzir exigências quase impossíveis de
serem cumpridas no ajuizamento de ações, como a feita no § 1º do art. 840 da
CLT, ao modificar requisitos formais da petição inicial. Até então, a
Consolidação das Leis do Trabalho exigia apenas “breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio” e, a seguir, “o pedido”, sem fazer qualquer referência
à sua prévia liquidação. A contar da promulgação da lei 13.467/17, foi acrescida
a exigência de que o pedido fosse “certo,
determinado e com a indicação de seu valor”. Essa exigência, além de
empeçar o exercício de uma garantia constitucional, tem o indisfarçável
propósito de viabilizar voraz sistema de sucumbência[11] no
processo do trabalho ao pôr fim ao princípio da gratuidade que, junto com a
oralidade e celeridade, sempre presidiu o sistema de solução de conflitos
trabalhistas no Brasil desde a década de trinta, do século XX.
Embora
a exigência de que o pedido deva ser “certo,
determinado e com indicação de seu valor” possa parecer ter o objetivo de
apenas quantificar a pretensão do reclamante, ela vai muito além disso, ou
seja, altera completamente o sistema lógico instituído para o conhecimento e
resolução dos conflitos. Ao invés de o processo ter seu foco dirigido ao exame dos
fatos que deram origem e que fundamentam a ação, traz para resolução judicial,
na fase de conhecimento, problemas aritméticos que pouco ou nada têm a ver com
um conflito laboral. Isso, sem considerar que essa exigência praticamente
impede o ajuizamento de reclamações, ao impor ao Reclamante a produção de uma
narrativa que concorde previamente com os termos de uma sentença[12]
que ainda não foi dada.
Em face
a isso, resta por demais evidente que embora a justificativa dos autores da
proposta seja de que a alteração busca dar racionalidade processual, ela tem o
indisfarçável objetivo de viabilizar a aplicação do art. 791-A, § 4º da CLT,
de questionável conformidade com a Constituição da República, cujo conteúdo estabelece
que “vencido
o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda
que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações
decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade...”[13].
Parece não haver dúvidas, então, de que o novo ordenamento, a
pretexto de racionalizar o processo do trabalho, inverte completamente a lógica
do sistema de julgamentos ao trazer, para a fase de conhecimento da demanda,
matérias que somente teriam relevância nas fases de liquidação e de execução de
sentença. Por isso, é preciso examinar, ainda que perfunctoriamente, as
características dos temas e das matérias, objeto das ações trabalhistas, para
verificar se o legislador reformista atuou dentro dos limites estabelecidos
pelo direito constitucional ao modificar o sistema de resolução de conflitos no
âmbito das relações laborais.
d)
A
novação objetiva no contrato de trabalho
O trabalho humano é fato social que se renova permanentemente.
Fatores físicos, psicológicos e sociológicos fazem com que nenhuma ação decorrente
do trabalho transcorra sempre da mesma forma. Essa é uma das razões pelas quais,
quando o trabalho é objeto de pactuação, é preciso sempre levar em consideração
esta particularidade: de ser praticamente impossível antever todas as situações
que podem ocorrer durante a execução do pacto laboral, pois, com o transcurso
do tempo, ele sempre está tendo modificadas as bases objetivas sobre as quais
foi celebrado.
A novação objetiva, fundamento do princípio da primazia da
realidade, compõe os elementos que informam as demais noções do direito do
trabalho e é ela o fato jurídico responsável pela mutação das obrigações estipuladas
pelas partes no momento em que é celebrado o contrato laboral. Vêm dela, também,
os fatores que extinguem direitos e obrigações com o tempo, como ocorre na prescrição
da possibilidade de pleitear nulidade de alterações contratuais levadas a efeito
sem a observância das regras estabelecidas no art. 468[14]
da CLT.
Considerando-se a mutação permanente, não há, destarte, como
os envolvidos na execução do contrato de trabalho estabelecer, com precisão, situações
que somente virão a ocorrer no futuro. É por isso que ele está sempre sendo
repactuado por força da realidade, que opera normativamente entre os envolvidos
na execução dos fatos trabalho e remuneração, elementos principais do contrato
de trabalho. Portanto, sempre que ocorrem conflitos decorrentes do contrato de
trabalho, a parte mais difícil a ser enfrentada será sempre a que busca
reconstituir, por meio de narrativas, os dados relativos à realidade natural a
ser tomada em consideração para a resolução do litígio.
e)
Resolução
de conflitos decorrentes do contrato de trabalho
Como visto, então, não há nada mais complexo no exame de um
conflito que tenha origem no contrato de trabalho quanto o que busca reconstituir,
por meio de relatos, os efetivos fatos ocorridos no curso de sua execução. Essa
é a principal razão pela qual o processo trabalhista, desde suas origens mais
remotas, tomou como bases ordenadoras de seu sistema processual, as noções
oriundas da oralidade e da simplicidade.
Em face disso, e tomando-se em consideração que as normas de
direito processual têm por escopo ordenar os atos da demanda para racionalizar
o procedimento das partes e assegurar o contraditório, exigir que alguém liquide
e antecipe, na petição inicial, somente a matéria que será obtida como resultado
final de provimento do juízo, é uma exigência que, antes de organizar e facilitar
o conhecimento do conflito, objetiva embaraçar o acesso ao Poder Judiciário.
E, sendo esse o objetivo da modificação legislativa, não
parece haver dúvida de que a exigência da reforma contraria o mandamento
dirigido ao legislador ordinário de que “a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Com efeito, o elemento racional compreendido no bojo de uma
demanda apresentada por meio de manifestação formal dirigida a um órgão de
Estado investido de jurisdição, por alguém que afirma encontrar-se em posição
subjetiva de titular de direitos em face de outro que resiste, dá início a um
procedimento que fundamenta sua juridicidade em enunciado lógico que contém a descrição
de fatos jurídicos, conexos com a realidade natural, cujo objetivo é permitir o
pronunciamento do Estado em relação a um pedido de tutela.
É assim que ocorre no processo civil, no processo penal e é
assim também que deve ocorrer no processo do trabalho. Em qualquer área do
direito em que a finalidade seja conhecer e resolver sobre fatos perturbadores das
relações humanas, não há outra forma a ser seguida a não ser a de submeter o
exame do litígio a um sistema procedimental ordenado por atos que permitam ao
autor demandar, ao réu defender-se e, assegurado o pleno contraditório, ao
Estado conhecer e decidir com imparcialidade sobre os fatos, atuando substitutivamente
aos sujeitos em contenda o direito violado.
É por isso que ao longo da história das instituições
jurídicas foram desenvolvidos sistemas mediados por diferentes procedimentos,
mas, em todos eles, sempre de maneira a compor um momento reservado ao
conhecimento e à deliberação a respeito do dissídio, e outro destinado ao cumprimento
do provimento emitido pelo Estado a respeito disso.
Essa é a razão pela qual nos processos ordinários de
conhecimento a petição inicial, depois de indicar a autoridade a quem é
dirigida, individualizar a posição subjetiva de cada litigante e expor, de
forma clara, a participação de cada um na conformação dos fatos que compõem os
elementos de juridicidade do processo, deve formular uma pretensão.
Para tanto, o processo precisa ser ordenado de forma a
permitir que a atividade do juiz seja dirigida ao conhecimento dos dados
necessários para a resolução do conflito, sempre assegurando a mais absoluta
paridade entre as partes no curso do contraditório. É isso que permite ao
processo dar concretude à ação pacificadora do Estado e qualquer exigência que
desvie ou embarace a formação do silogismo lógico, composto pela exposição dos
fatos para o conhecimento do litígio e o pedido de tutela, contraria a natureza
do direito processual.
Basta examinar a história das instituições jurídicas para
constatar que, em todos os sistemas modernos, ressalvadas as hipóteses de
tutelas de urgência, somente depois de conhecido e resolvido definitivamente o
conflito é que têm início as fases de liquidação e de execução de sentença.
Nessa etapa, composta a demanda e definida a responsabilidade dos litigantes,
passa-se à sua liquidação com a apuração do montante de sua representação
econômica, dos critérios para incidência de juros e de correção monetária,
entre outras questões de igual relevância para dar cumprimento à decisão judicial.
Embora por razões políticas, o legislador ordinário tenha
instituído procedimentos de duvidosa conformação com o direito constitucional
para as causas de pequeno valor, não há, como regra, razões de natureza
jurídica para se abolir a separação entre processo de conhecimento e processo
de execução, no procedimento ordinário, sem violar as garantias do devido
processo legal, pois enquanto o primeiro tem por objetivo fornecer elementos
racionais para que o juiz entenda os fatos na sua atuação substitutiva aos
sujeitos recalcitrantes, o segundo objetiva única e exclusivamente delimitar o
alcance da sentença para atuar sobre o patrimônio da parte obrigada pela
decisão judicial.
Portanto, o legislador, ao introduzir o § 1o,
do art. 840 da CLT estabelecendo que, nas ações trabalhistas, o pedido “...deverá ser certo, determinado e com
indicação de seu valor...” e, igualmente, que os pedidos que não atenderem
a essa determinação serão extintos sem resolução do mérito não atuou dentro dos
limites do mandamento constante do art. 5º, XXXV da Constituição da República,
pois essa norma não tem por finalidade organizar ou racionalizar a prestação
jurisdicional, mas única e exclusivamente criar embaraços e impedir o
aforamento de ações.
Trazer para a fase de conhecimento matéria típica do processo
de execução, de interesse exclusivo dos trâmites finais, de cumprimento de
sentença, é uma atitude do legislador que não se adequa aos princípios que
emanam da Magna Carta. Qual a razão política, técnica ou econômica para que autor
de processo, que trata de contratos extremamente dinâmicos, relativo a fatos
que se modificam permanentemente e que envolvem matérias complexas que somente
o juiz, depois de colher provas técnicas (como a pericial), ouvir testemunhas e
empregar toda sua bagagem e experiência, consegue arbitrar como uma realidade
aceitável, seja obrigado a antecipar, no ajuizamento da ação, elementos que
somente serão obtidos na sentença?
Isso é impossível. E é bem provável que por isso mesmo que a
prévia liquidação esteja sendo exigido pelo legislador reformista, pois a
finalidade da modificação não é racionalizar os procedimentos ou facilitar o
julgamento de demandas, mas impedir e desviar o foco da atividade jurisdicional
do conhecimento da realidade para problemas alheios ao conflito.
Qual o motivo prático que justifica a introdução de problemas
da aritmética na fase de constituição do processo, a não ser dificultar e
impedir que os destinatários da legislação trabalhista possam buscar, no
judiciário, o que espontaneamente não ocorreu no âmbito da realidade natural? Veja-se
que, no processo do trabalho, a separação entre as fases de conhecimento e de
execução da sentença é da natureza do procedimento. Tanto que o art. 879 da
CLT, que ainda vige, dispõe expressamente que “sendo ilíquida a sentença exequenda,
ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo,
por arbitramento ou por artigos”.
Por tais considerações, especialmente tomando-se em conta a
forma de encaminhamento das propostas e da tramitação no Congresso Nacional das
alterações feitas no processo do trabalho, é inarredável concluir-se que a
exigência expressa no § 1º do art. 840 da Consolidação das Leis do Trabalho e a
consequência imposta no § 3º do mesmo artigo
têm única e exclusivamente, por fim, impedir que o judiciário conheça,
de forma adequada, os conflitos trabalhistas e que, por isso, viola o art. 5º,
XXXV da Magna Carta, devendo, essa exigência, ser afastada do processo do
trabalho por flagrante inconstitucionalidade.
[1]
“Art.
3º As Juntas serão formadas por dois vogais, que terão dois suplentes,
indicados, respectivamente, por empregadores e empregados, e por um presidente,
que também terá um suplente, nomeados pelo Ministro do Trabalho, Industria e
Comércio, ou por autoridade que o represente, devendo a escolha recair em
terceiros, estranhos aos interesses profissionais, de preferência membros da
Ordem dos Advogados, magistrados, funcionários federais, estaduais ou
municipais.”
[2]
Waldemar Martins Ferreira. “in” A
Justiça do Trabalho, São Paulo Editora Ltda, 1938, t. II, p. 10
[3] F.
de A. Souza Netto, “in” Legislação
Trabalhista, 2ª Ed. Livraria Acadêmica, São Paulo, 1939. 1276p
[4]
As
constituições determinavam
que, ao ser criada, não se aplicasse à Justiça do Trabalho as regras
constitucionais relativas ao Poder Judiciário. Por essa razão, ela inicia
funcionando junto ao Ministério do Trabalho, sendo integrada ao Poder
Judiciário somente na constituição de 1946.
[5]
“Art.
122 (...)Parágrafo único - A constituição dos Tribunais do Trabalho e das
Comissões de Conciliação obedecerá sempre ao princípio da eleição de membros,
metade pelas associações representativas dos empregados, e metade pelas dos
empregadores, sendo o presidente de livre nomeação do Governo, escolhido entre
pessoas de experiência e notória capacidade moral e intelectual.”
[6] Vale a pena ler o texto dessa norma. Nos tribunais
rurais, o autor e o réu indicavam juízes leigos para tentar solução consensual para
o processo.
[7]
Conforme art. 841 da CLT, recebida
e protocolada a reclamação, o secretário, dentro de quarenta e oito horas, deve
remeter a segunda via da reclamação ao reclamado, notificando-o para comparecer
à audiência de instrução e julgamento, que será a primeira desimpedida depois
de 5 (cinco) dias. Como se vê, entre o ajuizamento e o julgamento da reclamação
trabalhista, são necessários apenas sete dias. Nenhum outro procedimento no
sistema processual brasileiro é mais célere do que esse.
[8] A execução “ex-oficio” pelo juízo trabalhista, entre
tantas importantes contribuições, talvez tenha sido uma das que até hoje não tenha
sido suficientemente compreendida pelos processualistas brasileiros. Tanto que,
por mal compreenderem a natureza do processo executivo, promoveram verdadeiro
ataque ao que parecia ser a mais sólida contribuição dos processualistas
italianos quando alteraram o conceito de sentença no art. 162 do CPC de 1973,
para introduzir o que passaram designar de “fase” de cumprimento da decisão, no
art. 475-J ainda na vigência do código de Buzaid.
[9]
O mais incrível de tudo é que o sistema foi extinto
sob os aplausos de lideranças de “esquerda” do movimento sindical que viam na
representação classista instrumento de “cooptação”.
[10]
Nunca foi bem explicado como seria possível a
instituição de um procedimento sumaríssimo cujo julgamento deveria ocorrer em quinze
dias (art. 852-B,III), para ser mais célere do que outro, ordinário, cujo
procedimento permite julgamento em sete dias.
[11]
Um sistema que funciona tal e qual a espada de Dâmocles,
a alertar o Reclamante dos riscos no caso de se aventurar a buscar em juízo os
precários direitos trabalhistas que ainda restaram depois da reforma.
[12]
Sentença como provimento final do juiz, que encerra um
conjunto de atividades realizadas pelas partes, em contraditório, com a
participação de peritos, testemunhas, entre outros (por isso é que a sentença põe
fim a essa atividade - ao “processo”).
[13]
Disposição totalmente antinômica com o que dispõe a
Constituição da República, art. 5º, “LXXIV -
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recurso”
[14] Nos contratos individuais de trabalho, só é lícita a
alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim
desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob
pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
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