sábado, 21 de março de 2020

João Bonumá



João Bonumá

Filho de pai francês, Marcel Bonumá e de mãe brasileira, Numeralda Geiger, João Geiger Bonumá nasceu em Uruguaiana, em 21 de fevereiro de 1890, e faleceu em Júlio de Castilhos, no dia 15 de junho de 1953, foi um dos mais importantes juristas gaúchos do século XX.
Com apenas 15 anos de idade, um discurso que fez em saudação ao inspetor geral das ferrovias do país, Gahance Custin, rendeu-lhe apoio para estudar na Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, onde se formou em 1911.
Em sua obra sobre menores abandonados, ele registra que, em 1909, quando ainda estudava na Faculdade Nacional do Rio de Janeiro, para atender suas necessidades financeiras, foi trabalhar na polícia carioca, convivendo de perto com o problema da infância delinquente, tema que seria objeto de seu primeiro estudo, “Menores abandonados e criminosos” (1913, 131p, Officinas grafhicas da “Papelaria União”- S. Maria).
O livro nasceu da tormentosa experiência vivida já no primeiro dia de seu trabalho, quando encontrou “...em uma sala sujíssima e humida quatorze crianças, enlameadas e esfarrapadas que dormiam sob o assoalho, aconchegadas umas sobre as outras, n’um somno a todo instante cortado por estremecimentos de frio.”
Essa obra, dedicada ao Ministro Leoni Ramos (chefe de polícia na época em que trabalhou no Rio de Janeiro), inicia com uma frase de Jesus Cristo, “Sinite parvulos venire ad me” (vinde a mim as criancinhas), é publicada quando tinha apenas 23 anos, revelando sua sensibilidade e preocupação social.
Foi um trabalho, como ele mesmo registra, feito com muito amor, na melhor quadra de sua mocidade. Para escrevê-lo, entrevistou menores que viviam nas ruas do Rio de Janeiro (Bernardina Estella, Luiz de Oliveira, Manoel José Batista, João Lucas, Francisco Tito Nogueira e Arthur Joaquim de Almeida) com o objetivo de traçar o perfil psicológico desses menores abandonados, visitando também, e pessoalmente, todas as instituições encarregadas de atendê-los, como a Escola de Menores Abandonados (“...uma vergonha para nossos fóros de civilisados; antes não existisse”) - , o Instituto Profissional e a Escola de São José, a Colônia Correicional de Dous Rios e a Casa de Detenção.
A obra é de grande atualidade. Passados noventa anos de sua edição, se apenas mudássemos os nomes da Escola de Menores Abandonados para FEBEM ou outras instituições do gênero hoje, com certeza, o leitor não notaria que o trabalho foi escrito em 1913. São interessantes as informações trazidas em seus estudos, especialmente no que diz respeito à legislação francesa vigente entre 1830 e 1905, que optou pelo recrudescimento da pena, comparado com o sistema adotado na Suíça, cuja escolha se deu por um sistema de assistência aos menores. Considerando a realidade desses dois países, enquanto na França a criminalidade quintuplicou, na Suíça, de 1270 menores assistidos, apenas 33 voltaram a delinqüir.
Ao ler o livro é impossível deixar de concordar quando, manifestando-se contra a imputação criminal, em razão de atos praticados por menores, ele afirma: “O que cumpre à sociedade è lançar a taboa de salvação a esses desgraçados e não mergulhal-os mais na miséria em que elles de debatem; não é de cadeia que elles carecem, mas de proteção e auxílio.”
João Bonumá também estudou o “Regimem da Soldada” em artigo publicado em um jornal em 24 de maio de 1912, provavelmente em Santa Maria, cujo sistema, ainda baseado nas Ordenações Filipinas, permitia que pessoas participassem de um pregão realizado depois das audiências, em que crianças com mais de sete anos eram levadas por famílias “per soldada”, para serem educadas.
Ao exercer a função de juiz de órfãos, descobriu “escabrosidades” cometidas contra os pequeninos através desse instituto. Segundo ele, “famílias ha, (...) que timbram em procurar orfhãs ainda na primeira infância, que ellas criam em casa como amas seccas, desmoralizando as com a pratica de todas as baixezas e reservando-as para, quando chegarem ao raiar da puberdade, servirem de amantes, de borregas de seus filhos, evitando assim que estes se entreguem á prática de actos, que a medicina diz serem nocivos e communs nos rapazes, ou então que se pervertam na immundicie dos prostíbulos, onde a sua natural inexperiencia os leva a serem fatalmente victimas das molestias venereas mais atrozes.”
A mesma sociedade que recorrentemente busca saída para a delinqüência infantil no aumento do rigor do direito penal, em torno desse artigo fez, “...um silêncio gelado, um mutismo sepulchral.. Não despertou um commentario siquer, nenhuma objeção lhe foi alevantada.”
Esse estudo, praticamente desconhecido, revela o espírito magnânimo de Bonumá e precisa ser revisitado, se não para resolver os problemas que aí estão, ao menos para que possamos constatar que eles ainda hoje são os mesmos.
Mas foi no estudo do Direito que ele haveria de dar a sua maior contribuição ao país, lamentavelmente interrompido pela ingrata fatalidade de sua precoce morte, na melhor fase de sua produção intelectual. João Bonumá foi um grande processualista e o que escreveu na única edição de sua obra em 1946 é um verdadeiro monumento à ciência do processo. “Se a sentença pudesse ser proferida logo após a solicitação da parte interessada...”, dizia ele, “...não haveria necessidade de processo. As coisas se passariam sumariamente, com a instantânea declaração e aplicação do direito. Mas isso nunca foi possível, a não ser em casos perfeitamente excepcionais. A provisão é sempre o resultado final de uma longa série de atos que se sucedem uns aos outros, formando um complexo de atividades dos interessados, do órgão jurisdicional e de terceiros (...) formando todos uma unidade em relação ao fim que se tem em vista conseguir.”
A referida obra, de profunda maturidade intelectual, saudada na Argentina por Santiago Sentis Melendo como “um tratado completo de la materia sobre la base legislativa del derecho brasileño y la base científica de las modernas corrientes doctrinales...” (Revista de Derecho Procesal, 1947, 1a parte, p. 50), foi haurida num período cujo início dos estudos datam de 1935, quando escreveu “Do juízo arbitral”. Nele é examinado o Código de Processo Civil e Commercial do Estado do Rio Grande do Sul (lei 65, de 15 de janeiro de 1908), cujos primeiros 36 artigos são destinados à regulação da solução privada dos conflitos e de outro importante estudo dado conhecimento em 1936, quando publicou o artigo “O Processo e seu Conceito”.
Nesse estudo com verdadeiro tom profético, ao discorrer sobre a função do processo, relembra o ensinamento de Ihering à época, ao afirmar que “Julgar um direito como se faria com um sistema filosófico, seria um erro profundo. O direito não deve ser considerado sob o ponto de vista de seu mérito intelectual, de ordenação lógica de seus membros e de sua unidade. Pouco importa que, sob êsse aspecto, êle pareça uma obra de arte, porque não é aí que reside o seu valor. Êste se encontra inteiro nas suas funções, isto é, na possibilidade de sua realização prática. Que importa que uma máquina apresente o aspecto de uma obra de arte, se, como máquina, ela é imprópria para o uso.”
João Bonumá foi genial e quando editou sua mais importante obra já dominava, com profundidade, as modernas doutrinas processuais, como pode ser percebido pela leitura do seu trabalho, editado pela Saraiva, em 1946, e que chegou à mão de seus alunos no início de 1947, sem ficar devendo absolutamente nada aos demais estudos conhecidos à sua época nessa área.
Mas não produziu somente essa obra. Também desenvolveu trabalhos noutras áreas, entre os quais se destaca a tese de cátedra “O Bloqueio Marítimo e o Direito Internacional” (Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1936, 191p). Nesse trabalho ele tratou de temas ainda incipientes sob o ponto de vista dessa disciplina, que somente viria a desenvolver-se verdadeiramente na década seguinte, após findada a Segunda Guerra Mundial.
Além de serem examinados os principais tratados sobre o assunto, foram estudadas situações interessantes, como a do bloqueio promovido pela Inglaterra contra a Grécia em 1850, para que ela desse satisfação sobre uma dívida de 21.925 libras esterlinas a um cidadão Inglês. O bloqueio foi cessado após quase deflagrado uma guerra com a Rússia, pelo pagamento de uma indenização de 150 libras esterlinas.
O referido trabalho tem hoje, entre tantas outras, a virtude de demonstrar quanto evoluiu nosso Direito Internacional, especialmente ao dar conhecimento de situações em que o bloqueio marítimo era utilizado para resolver problemas privados dos governantes.
João Bonumá também levou a cabo outras investigações, como o “O crime do sono” (1933), estudo de Direito Penal, tendo ido buscar na cultura Grega e na psicologia, os fundamentos para demonstrar que os atos praticados durante o sono não constituem matéria criminal.
Ele também foi Juiz de Órfãos (registrado em uma passagem do livro sobre menores), professor do que hoje seria o ensino médio e Juiz Distrital (Municipal) em Santa Maria. Ainda desempenhou as funções de Subchefe de Polícia no governo de Borges de Medeiros (1925/28). Em 1935, transferiu-se para Porto Alegre, tendo sido aprovado em concurso para a Faculdade de Direito onde lecionou “Direito Judiciário Civil” até o ano de 1951, quando se aposentou por motivos de saúde, sendo substituído por Galeno de Lacerda, seu professor assistente.
Exerceu também o cargo de Procurador Geral do Estado no Governo de Walter Jobim (1946 a 1950), tendo redigido uma série de célebres pareceres. Também foi vice-presidente do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, conselheiro da OAB e um atento observador dos acontecimentos de Porto Alegre, conforme registram os quatorze volumes encadernados de uma coletânea de matérias que organizou e anotou de próprio punho, entre 1938 e 1941, sobre os fatos jurídicos relevantes desse período, dentre os quais os debates a respeito do nosso primeiro código nacional processo.
Em 15 de junho de 1953, em sua fazenda em Júlio de Castilhos João Bonumá faleceu em decorrência de problemas cardíacos que o haviam obrigado a jubilar-se, tendo se dedicado aos estudos até seu último dia de vida.
Seu dileto e ex-aluno, Ministro Paulo Brossard, relata um fato ocorrido certo dia em que visitou o professor João Bonumá ainda em Porto Alegre. Nessa oportunidade, ter-lhe-ia dito: “veja só Brossard como são as coisas. Logo eu, que sempre tomei gosto pela literatura, ao aposentar-me imaginei poder me dedicar à leitura de nossos clássicos. Todavia fui proibido pelo meu médico. Não posso emocionar-me e, desde então, para passar o tempo, dedico-me à leitura do Direito Romano.”
Sua bisneta Lívia Bonumá, que atualmente reside em Tupanciretã, têm, entres outros livros importantes que pertenceram a João Bonumá, as obras completas de Nietzche traduzidas para o francês por Henri Albert Huitieme, em 1902, e os seis volumes sobre a teoria positivista de Augusto Comte lidas e notadas à mão por ele.
Que o cinquentenário da morte de João Bonumá sirva de motivo para que os cultores do direito em nosso país, especialmente o povo gaúcho que ele tanto honrou, revisitem sua obra.

NOTA. Agradeço a Marco Verri, da Livraria Nova Roma, pelo auxílio na localização de suas obras, ao Ministro Paulo Brossard pela gentileza aceitar falar sobre ele, a Eduardo e Lívia Bonumá, seus netos, que guardaram nestes últimos anos importantes arquivos que servirão para ajudar, no futuro, a conhecer um pouco melhor a história do Direito em nosso Estado.

Observações a Respeito da Lei 13.015/14 sobre Recursos no Processo do Trabalho


Observações a Respeito da Lei 13.015/14 Sobre
Recursos no Processo do Trabalho[1]




O presente texto tem por objetivo examinar a Resolução Administrativa 1451, de 24 de maio de 2011, do Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, que resultou na Lei 13.015, de 21 de julho de 2014, com a finalidade de verificar se foram atingidos os propósitos da iniciativa e, também, tentar entender o estágio de desenvolvimento das instituições responsáveis pela formulação das políticas de Estado para o judiciário brasileiro.

 a)      Sobre o Anteprojeto

Em 24 de maio de 2011, depois de aprovado pelos integrantes do Órgão Especial, o Tribunal Superior do Trabalho encaminhou ao Ministério da Justiça anteprojeto dispondo sobre processamento de recursos trabalhistas, que foi encampado e levado à deliberação, no Congresso Nacional, pelo deputado Valtenir Pereira (PSB/MT).
Depois de o anteprojeto sofrer modificações por meio de diversas emendas da relatora Sandra Rosado (PSB/RN), na Comissão de Constituição e Justiça, foi aprovado e transformado na Lei 13.015, de 21 de julho de 2014.
O objetivo deste estudo é examinar a matéria aprovada no TST, as modificações feitas pela Câmara dos Deputados e o significado do novo ordenamento recursal para o judiciário trabalhista e para o processo do trabalho.
Inicialmente, é necessário registrar que a resolução do TST compunha proposta legislativa rigorosamente integrada com as demais disposições do processo do trabalho, colocava em ordem questões formais relativas à tramitação dos recursos de revista e de embargos, instituía penalidades aos recursos manifestamente infundados, além de dispor sobre a uniformização da jurisprudência nos Tribunais Regionais do Trabalho e estabelecer regras para julgamento de demandas repetitivas.
Não obstante ao rigor e clareza objetiva da resolução do TST, a passagem do anteprojeto pela Câmara dos Deputados trouxe uma série de questões que precisam de exame para que não se percam os objetivos buscados pelo Tribunal Superior do Trabalho, quando este reuniu a sua mais qualificada instância deliberativa para disciplinar essa matéria de fundamental relevância para a resolução de conflitos no âmbito das relações trabalhistas no país.
b)     Sobre a Tramitação Legislativa do Anteprojeto
Depois de o projeto tramitar na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, a relatora, na Câmara dos Deputados, apresentou uma série de emendas alterando o projeto original, que suprimiram o sancionamento dos recursos protelatórios, criaram a possibilidade da interposição de recurso de revista em execuções fiscais e em decorrência do fornecimento de Certidões Negativas de Débitos Trabalhistas e alteraram a redação original do projeto disciplinando o processamento dos recursos repetitivos.
Em face disso, examinam-se a resolução aprovada no Órgão Especial do TST e a Lei 13.015, aprovada pela Câmara dos Deputados, com a finalidade de dimensionar as repercussões do novo ordenamento que passará a viger a contar de 19 de setembro de 2014, no âmbito do processo do trabalho.
c)      Recurso de Embargos
O projeto do TST encaminhado ao Ministério da Justiça tinha por objetivo atualizar o texto do art. 894 da CLT para incluir, entre as hipóteses de cabimento do Recurso de Embargos, contrariedade à orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho e súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal.
Além disso, o projeto atribuía ao relator a possibilidade de negar seguimento ao recurso e impor multa de até dez por cento do valor da causa quando a decisão estivesse de acordo com súmula do Tribunal Superior do Trabalho, do Supremo Tribunal Federal, notória jurisprudência do TST, ou lhe faltasse qualquer outro pressuposto formal de admissibilidade. E, no caso de ser interposto agravo dessa decisão, se julgado manifestamente inadmissível ou infundado, o agravante poderia novamente sofrer multa, desta vez entre dez e quinze por cento do valor da causa.
Com as emendas, a parte que disciplinava a imposição de multa foi suprimida, restando aprovado do texto original apenas a possibilidade de o relator negar seguimento ao recurso em decisão monocrática, antes de levá-lo a exame de conhecimento pelos integrantes da SDI. É importante registrar que essa possibilidade, mantida no recurso de embargos, foi suprimida em relação ao recurso de revista como será demonstrado a seguir.
d)     Recurso de Revista
A exemplo do que fora feito em relação ao recurso de embargos, o art. 896 da CLT teve nova redação para acrescentar, entre as hipóteses de cabimento do recurso de revista, contrariedade à jurisprudência uniforme do TST[2] ou à súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal.
Entre as modificações mais importantes nas disposições relativas ao Recurso de Revista, houve a inclusão, no texto da lei, das matérias tratadas na instrução normativa número 23, de 05 de agosto de 2003, do Tribunal Superior do Trabalho. Pela nova sistemática, a parte, ao recorrer da decisão proferida em julgamento de Recurso Ordinário, fica obrigada a fazer demonstração analítica de cada dispositivo de lei, da Constituição Federal, de súmula ou orientação jurisprudencial, que fundamente a impugnação da decisão[3].
Por fim, a relatora do projeto incluiu no texto a possibilidade da interposição de recurso de revista em execuções fiscais e em decorrência do fornecimento de Certidões Negativas de Débitos Trabalhistas e suprimiu a possibilidade de o relator negar seguimento ao apelo quando ausentes as hipóteses de sua admissibilidade.
e)      Incidente de Uniformização de Jurisprudência nos TRTs
Embora o incidente de uniformização de jurisprudência já estivesse previsto em legislação trabalhista desde 1998[4] e no processo civil desde 1973, o novo ordenamento disciplinou sistemática que viabiliza a aplicação desse procedimento, dando  eficácia legislativa a uma parte do art. 896 da CLT, que estabelecia a possibilidade de interposição de Recurso de Revista por divergência com decisões do pleno de outro Tribunal Regional do Trabalho. Embora a alínea “a” do art. 896 continue enumerando, entre as hipóteses de cabimento de recurso de revista, divergência entre turmas de diferentes Tribunais Regionais do Trabalho, com a introdução do incidente de uniformização de jurisprudência, passarão a ser as súmulas dos TRTs, e não mais as decisões de suas turmas, os principais instrumentos de fundamentação do recurso de revista por divergência pretoriana.
O aspecto mais relevante em relação a esse tema é que o incidente pode ser provocado pelas partes interessadas, pelo Ministério Público, pelo Ministro Relator perante o Tribunal Superior do Trabalho no julgamento do recurso de revista ou pelo presidente do Tribunal Regional do Trabalho ao examinar a admissibilidade do recurso de revista.
f)       Julgamento de Demandas Repetitivas
A admissão do incidente de julgamento de demandas repetitivas no processo do trabalho, com as modificações aprovadas pela Câmara dos Deputados, é, sem dúvida alguma, o tema que mais trará dificuldades para ser posto em prática em face do sistema normativo que entrará em vigência a contar de setembro do ano em curso.
E a razão é singela. A relatora, em confusa intervenção na redação da proposta original aprovada pelo Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, manteve a parte do projeto que remetia ao disciplinamento da matéria ao código de processo civil e, sem qualquer razão de natureza prática, incluiu uma série de disposições específicas para o tema que, embora inspirados no CPC, retirou toda a harmonia do projeto original.
Não bastando o estabelecimento de regras em conflito, a proposta aprovada na Câmara dos Deputados trata sob o mesmo tópico demandas repetitivas em julgamento de recursos de revista, com matéria em exame perante o Supremo Tribunal em que tenha havido declaração de repercussão geral.
Sem dúvida alguma, somente a intervenção supletiva do TST, por meio de resolução, haverá de pôr em ordem esse tema quando será possível dimensionar o grau de colidência entre o que legislou o parlamento brasileiro na lei específica e o que deverá ser aproveitado do que indica como fonte supletiva ao referir o Código de Processo Civil.
g)      Considerações Finais
As considerações feitas no presente exame têm por finalidade analisar tão-somente os objetivos buscados pelo Tribunal Superior do Trabalho quando elaborou primoroso texto legal com a finalidade de atualizar as disposições que tratam dos recursos trabalhistas e, também, do resultado final dessa iniciativa depois de submetido ao Congresso Nacional, por meio de suas casas legislativas.
Não restam dúvidas que cabe ao parlamento decidir se acolhe ou não o mérito de propostas como sancionamento de recursos protelatórios, pois é dele a legitimidade de representação política da sociedade brasileira. Todavia, parece ser de todo injustificável a promoção de intervenções em matérias técnicas sem a menor necessidade ou justificativa, especialmente em relação a temas que passaram pelo exame de instituições extremamente especializadas sobre eles, como é o caso do Tribunal Superior do Trabalho.
Embora seja legítima a supressão da pena para o litigante que age com má-fé, ou que comete erro grosseiro na interposição de apelos, em nada justifica a alteração da proposta para incluir, no texto final e de forma confusa[5], matérias que estavam previstas de maneira absolutamente clara no projeto, como feito em relação ao julgamento de demandas repetitivas[6].
Além disso, não bastassem as inadequadas transposições do Código de Processo Civil, ainda há a imprópria utilização da linguagem[7]-[8] técnica introduzida pelas emendas, vindo a ser um elemento a mais que contribuirá para aumento das dificuldades a serem resolvidas tão logo o projeto entre em vigência no âmbito da Justiça do Trabalho.
Observe-se que o texto determina, no inc. I, § 11, do art. 893-C, que os recursos de revista sobrestados na origem (TRT) terão “seguimento” denegado quando o “acórdão recorrido coincidir com a orientação a respeito da matéria no Tribunal Superior do Trabalho”. Ora, dar ou não “seguimento” é ato monocrático do relator quando o recurso já se encontra para julgamento junto ao TST e não quando o presidente do Tribunal Regional do Trabalho examina se deve ou não “recebê-lo” ou “admiti-lo”.
Poderiam ser citadas outras tantas passagens de inadequação do emprego da linguagem jurídica nas emendas apresentadas pela relatora na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, ou até mesmo a inadequação no uso da linguagem comum na lei, como suspender recursos de revista (art. 893-C, § 5º) ou suspender processos (art. 893-C, § 15º)[9], mas a redação dada ao § 13º, do art. 893-C, é de uma dificuldade interpretativa de tal ordem que nem deveria fazer parte do texto[10].
Derradeiramente não estão claras as razões pelas quais o novo ordenamento não permite mais ao relator negar seguimento ao recurso de revista[11] manifestamente incabível já que, desde 21 de dezembro de 1998, quando essa possibilidade foi introduzida no processo do trabalho pela Lei 7.701, foi aceita pacificamente no meio jurídico.
O certo é que essa modificação legislativa irá impactar diretamente na quantidade de recursos que obrigatoriamente deverão ser julgados pelas turmas no TST e não parece ter sido esse o objetivo buscado pelo Órgão Especial do TST quando aprovou a resolução 1451, de 24 de maio de 2011.


[1] Dedico este estudo a Carlos Maximiliano Pereira dos Santos para que seu espírito, ainda presente entre nós nas folhas de seus livros amareladas pelo tempo, nos inspire a encaminhar as grandes questões que precisam ser resolvidas no âmbito da administração da justiça brasileira.
[2] A redação antiga fazia menção à súmula, que foi agora substituída pela expressão mais ampla “jurisprudência uniforme”.
[3] Se não fosse a crise acadêmica vigente, nem seria necessária. Os termos da resolução, e agora da lei, são resultado de esforço do TST para suprir o que deveria ser ensinado nos cursos de direito, pois, ao esclarecer como se faz a demonstração analítica do cabimento de recurso não ordinário, a norma nada mais faz que ensinar ao recorrente encaminhar seu apelo para que ele possa ser conhecido perante o TST.
[4] Com a inclusão do § 3o  no art. 896 da CLT pela  Lei nº 9.756, de 17 de dezembro de 1998.
  
[5] Observe-se que o texto aprovado insere o § 2º no art. 894 sem que tenha o § 1º incluiu no texto na lei o seguinte conteúdo “parágrafo único. (revogado)”.
[6] As emendas da relatora foram transposições malfeitas do que já estava disciplinado nos arts. 543-B e 543-C, do Código de Processo Civil, aos quais o projeto remetia.
[7] O grau de desenvolvimento de qualquer ciência está diretamente relacionado com o nível de aprimoramento no uso de linguagem técnica específica.
[8] O uso de linguagem típica do direito imobiliário para referir às matérias prejudicadas pelas decisões em processos repetitivos e em recursos é inaceitável no atual estágio de desenvolvimento do direito processual.
[9] Suspende-se a tramitação do processo, suspende-se o processamento do recurso. Da mesma forma, quando provido o agravo de instrumento o que o tribunal faz é mandar processar, admitir o recurso de revista, jamaisdestrancar”.
[10] O texto dispõe: “caso a questão afetada e julgada sob o rito dos recursos repetitivos também contenha questão constitucional, a decisão proferida pelo Tribunal Pleno não obstará o conhecimento de eventuais recursos extraordinários sobre a questão constitucional.” Ora, convenhamos. Quem conhece – ou não - o recurso extraordinário são os integrantes das turmas ou do tribunal pleno no STF, que jamais ficariam vinculados a uma decisão do TST. O objetivo da emenda parece ser de fazer um alerta (de todo modo desnecessário) ao TST, de que o julgamento não obstaria o “recebimento” de eventual Recurso Extraordinário sobre o tema examinado no incidente de solução de demanda repetitiva.
[11] Além de ter sido suprimido do texto original o § 1º-A é taxativo ao determinar que “sob pena de não conhecimento, é ônus da parte:” Quem conhece – ou não - o recurso de revista são os membros da turma no TST. Logo, a contar da entrada em vigência dessa lei, não há mais como os relatores de recursos de revista negarem seguimento a apelo.