Observações a
Respeito da Lei 13.015/14 Sobre
Recursos no Processo
do Trabalho[1]
O presente texto tem por objetivo examinar
a Resolução Administrativa 1451, de 24 de maio de 2011, do Órgão Especial do
Tribunal Superior do Trabalho, que resultou na Lei 13.015, de 21 de julho de
2014, com a finalidade de verificar se foram atingidos os propósitos da
iniciativa e, também, tentar entender o estágio de desenvolvimento das
instituições responsáveis pela formulação das políticas de Estado para o
judiciário brasileiro.
a) Sobre o Anteprojeto
Em 24 de maio de 2011, depois de aprovado
pelos integrantes do Órgão Especial, o Tribunal Superior do Trabalho encaminhou
ao Ministério da Justiça anteprojeto dispondo sobre processamento de recursos
trabalhistas, que foi encampado e levado à deliberação, no Congresso Nacional,
pelo deputado Valtenir Pereira (PSB/MT).
Depois de o anteprojeto sofrer
modificações por meio de diversas emendas da relatora Sandra Rosado (PSB/RN),
na Comissão de Constituição e Justiça, foi aprovado e transformado na Lei
13.015, de 21 de julho de 2014.
O objetivo deste estudo é examinar a
matéria aprovada no TST, as modificações feitas pela Câmara dos Deputados e o
significado do novo ordenamento recursal para o judiciário trabalhista e para o
processo do trabalho.
Inicialmente, é necessário registrar que a
resolução do TST compunha proposta legislativa rigorosamente integrada com as
demais disposições do processo do trabalho, colocava em ordem questões formais
relativas à tramitação dos recursos de revista e de embargos, instituía
penalidades aos recursos manifestamente infundados, além de dispor sobre a
uniformização da jurisprudência nos Tribunais Regionais do Trabalho e
estabelecer regras para julgamento de demandas repetitivas.
Não obstante ao rigor e clareza objetiva
da resolução do TST, a passagem do anteprojeto pela Câmara dos Deputados trouxe
uma série de questões que precisam de exame para que não se percam os objetivos
buscados pelo Tribunal Superior do Trabalho, quando este reuniu a sua mais
qualificada instância deliberativa para disciplinar essa matéria de fundamental
relevância para a resolução de conflitos no âmbito das relações trabalhistas no
país.
b) Sobre a Tramitação Legislativa do
Anteprojeto
Depois de o projeto tramitar na Comissão de Trabalho, de Administração e
Serviço Público, a relatora, na Câmara dos Deputados, apresentou uma
série de emendas alterando o projeto original, que suprimiram o sancionamento
dos recursos protelatórios, criaram a possibilidade da interposição de recurso
de revista em execuções fiscais e em decorrência do fornecimento de Certidões
Negativas de Débitos Trabalhistas e alteraram a redação original do projeto
disciplinando o processamento dos recursos repetitivos.
Em face disso, examinam-se a resolução
aprovada no Órgão Especial do TST e a Lei 13.015, aprovada pela Câmara dos
Deputados, com a finalidade de dimensionar as repercussões do novo ordenamento
que passará a viger a contar de 19 de setembro de 2014, no âmbito do processo
do trabalho.
c) Recurso de Embargos
O projeto do TST encaminhado ao Ministério
da Justiça tinha por objetivo atualizar o texto do art. 894 da CLT para
incluir, entre as hipóteses de cabimento do Recurso de Embargos, contrariedade
à orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho e súmula
vinculante do Supremo Tribunal Federal.
Além disso, o projeto atribuía ao relator
a possibilidade de negar seguimento ao recurso e impor multa de até dez por
cento do valor da causa quando a decisão estivesse de acordo com súmula do
Tribunal Superior do Trabalho, do Supremo Tribunal Federal,
notória jurisprudência do TST, ou lhe faltasse qualquer outro pressuposto
formal de admissibilidade. E, no caso de ser interposto agravo dessa decisão,
se julgado manifestamente inadmissível ou infundado, o agravante poderia
novamente sofrer multa, desta vez entre dez e quinze por cento do valor da
causa.
Com as emendas, a parte que disciplinava a
imposição de multa foi suprimida, restando aprovado do texto original apenas a
possibilidade de o relator negar seguimento ao recurso em decisão monocrática,
antes de levá-lo a exame de conhecimento pelos integrantes da SDI. É importante
registrar que essa possibilidade, mantida no recurso de embargos, foi suprimida
em relação ao recurso de revista como será demonstrado a seguir.
d) Recurso de Revista
A exemplo do que fora feito em relação ao
recurso de embargos, o art. 896 da CLT teve nova redação para acrescentar, entre
as hipóteses de cabimento do recurso de revista, contrariedade à jurisprudência
uniforme do TST[2]
ou à súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal.
Entre as modificações mais importantes nas
disposições relativas ao Recurso de Revista, houve a inclusão, no texto da lei,
das matérias tratadas na instrução normativa número 23, de 05 de agosto de
2003, do Tribunal Superior do Trabalho. Pela nova sistemática, a parte, ao
recorrer da decisão proferida em julgamento de Recurso Ordinário, fica obrigada
a fazer demonstração analítica de cada dispositivo de
lei, da Constituição Federal, de súmula ou orientação jurisprudencial, que
fundamente a impugnação da decisão[3].
Por fim, a relatora do projeto incluiu no
texto a possibilidade da interposição de recurso de revista em execuções
fiscais e em decorrência do fornecimento de Certidões Negativas de Débitos
Trabalhistas e suprimiu a possibilidade de o relator negar seguimento ao apelo
quando ausentes as hipóteses de sua admissibilidade.
e) Incidente de Uniformização de Jurisprudência
nos TRTs
Embora o incidente de uniformização de
jurisprudência já estivesse previsto em legislação trabalhista desde 1998[4]
e no processo civil desde 1973, o novo ordenamento disciplinou sistemática que
viabiliza a aplicação desse procedimento, dando
eficácia
legislativa a uma parte do art. 896 da CLT, que estabelecia a possibilidade de
interposição de Recurso de Revista por divergência com decisões do pleno de
outro Tribunal Regional do Trabalho. Embora a alínea “a” do art. 896 continue
enumerando, entre as hipóteses de cabimento de recurso de revista, divergência
entre turmas de diferentes Tribunais Regionais do Trabalho, com a introdução do
incidente de uniformização de jurisprudência, passarão a ser as súmulas dos
TRTs, e não mais as decisões de suas turmas, os principais instrumentos de
fundamentação do recurso de revista por divergência pretoriana.
O aspecto mais relevante em relação a esse tema é
que o incidente pode ser provocado pelas partes interessadas, pelo Ministério
Público, pelo Ministro Relator perante o Tribunal Superior do Trabalho no
julgamento do recurso de revista ou pelo presidente do Tribunal Regional do
Trabalho ao examinar a admissibilidade do recurso de revista.
f) Julgamento de Demandas Repetitivas
A admissão do incidente de julgamento de demandas
repetitivas no processo do trabalho, com as modificações
aprovadas pela Câmara dos Deputados, é, sem dúvida alguma, o tema que
mais trará dificuldades para ser posto em prática em face do sistema normativo
que entrará em vigência a contar de setembro do ano em curso.
E a razão é singela. A relatora, em confusa
intervenção na redação da proposta original aprovada pelo Órgão Especial do
Tribunal Superior do Trabalho, manteve a parte do projeto que remetia ao
disciplinamento da matéria ao código de processo civil e, sem qualquer razão de
natureza prática, incluiu uma série de disposições específicas para o tema que,
embora inspirados no CPC, retirou toda a harmonia do projeto original.
Não bastando o estabelecimento de regras em conflito,
a proposta aprovada na Câmara dos Deputados trata sob o mesmo tópico demandas
repetitivas em julgamento de recursos de revista, com matéria em exame perante
o Supremo Tribunal em que tenha havido declaração de repercussão geral.
Sem dúvida alguma, somente a intervenção supletiva
do TST, por meio de resolução, haverá de pôr em ordem esse tema quando será
possível dimensionar o grau de colidência entre o que legislou o parlamento
brasileiro na lei específica e o que deverá ser aproveitado do que indica como
fonte supletiva ao referir o Código de Processo Civil.
g) Considerações Finais
As considerações feitas no presente exame têm por
finalidade analisar tão-somente os objetivos buscados pelo Tribunal Superior do
Trabalho quando elaborou primoroso texto legal com a finalidade de atualizar as
disposições que tratam dos recursos trabalhistas e, também, do resultado final
dessa iniciativa depois de submetido ao Congresso Nacional, por meio de suas
casas legislativas.
Não restam dúvidas que cabe ao parlamento decidir
se acolhe ou não o mérito de propostas como sancionamento de recursos
protelatórios, pois é dele a legitimidade de representação política da
sociedade brasileira. Todavia, parece ser de todo injustificável a promoção de
intervenções em matérias técnicas sem a menor necessidade ou justificativa,
especialmente em relação a temas que passaram pelo exame de instituições
extremamente especializadas sobre eles, como é o caso do Tribunal Superior do
Trabalho.
Embora seja legítima a supressão da pena para o litigante
que age com má-fé, ou que comete erro grosseiro na interposição de apelos, em
nada justifica a alteração da proposta para incluir, no texto final e de forma
confusa[5],
matérias que estavam previstas de maneira absolutamente clara no projeto, como
feito em relação ao julgamento de demandas repetitivas[6].
Além disso, não bastassem as inadequadas
transposições do Código de Processo Civil, ainda há a imprópria utilização da
linguagem[7]-[8] técnica
introduzida pelas emendas, vindo a ser um elemento a mais que contribuirá para
aumento das dificuldades a serem resolvidas tão logo o projeto entre em
vigência no âmbito da Justiça do Trabalho.
Observe-se que o texto determina, no inc. I, § 11,
do art. 893-C, que os recursos de revista sobrestados na origem (TRT) terão “seguimento” denegado quando o “acórdão recorrido coincidir com a orientação a respeito da matéria no
Tribunal Superior do Trabalho”. Ora, dar
ou não “seguimento” é ato monocrático
do relator quando o recurso já se encontra para julgamento junto ao TST e não
quando o presidente do Tribunal Regional do Trabalho examina se deve ou não
“recebê-lo” ou “admiti-lo”.
Poderiam ser citadas outras
tantas passagens de inadequação do emprego da linguagem jurídica nas emendas
apresentadas pela relatora na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados, ou até mesmo a inadequação no uso da linguagem comum na lei, como suspender
recursos de revista (art. 893-C, § 5º) ou suspender processos (art. 893-C,
§ 15º)[9], mas a
redação dada ao § 13º, do art. 893-C, é de uma
dificuldade interpretativa de tal ordem que nem deveria fazer parte do texto[10].
Derradeiramente não estão claras as
razões pelas quais o novo ordenamento não permite mais ao relator negar
seguimento ao recurso de revista[11] manifestamente incabível já que, desde 21 de dezembro de 1998, quando
essa possibilidade foi introduzida no processo do trabalho pela Lei 7.701, foi
aceita pacificamente no meio jurídico.
O certo é que essa modificação
legislativa irá impactar diretamente na quantidade de recursos que
obrigatoriamente deverão ser julgados pelas turmas no TST e não parece ter sido
esse o objetivo buscado pelo Órgão Especial do TST quando aprovou a resolução
1451, de 24 de maio de 2011.
[1] Dedico este
estudo a Carlos
Maximiliano Pereira dos Santos para que seu espírito, ainda presente entre nós
nas folhas de seus livros amareladas pelo tempo, nos inspire a encaminhar as
grandes questões que precisam ser resolvidas no âmbito da administração da
justiça brasileira.
[2] A redação antiga
fazia menção à súmula, que foi agora substituída pela expressão mais ampla
“jurisprudência uniforme”.
[3] Se não fosse a
crise acadêmica vigente, nem seria necessária. Os termos da resolução, e agora
da lei, são resultado de esforço do TST para suprir o que deveria ser ensinado
nos cursos de direito, pois, ao esclarecer como se faz a demonstração analítica
do cabimento de recurso não ordinário, a norma nada mais faz que ensinar ao
recorrente encaminhar seu apelo para que ele possa ser conhecido perante o TST.
[5] Observe-se que o
texto aprovado insere o § 2º no art. 894 sem que tenha o § 1º incluiu no texto
na lei o seguinte conteúdo “parágrafo único. (revogado)”.
[6] As emendas da
relatora foram
transposições malfeitas do que já estava disciplinado nos arts. 543-B e 543-C,
do Código de Processo Civil, aos quais o projeto remetia.
[7] O grau de desenvolvimento de
qualquer ciência está diretamente relacionado com o nível de aprimoramento no
uso de linguagem técnica específica.
[8] O uso de
linguagem típica do direito imobiliário para referir às matérias prejudicadas
pelas decisões em processos repetitivos e em recursos é inaceitável no atual
estágio de desenvolvimento do direito processual.
[9] Suspende-se a
tramitação do processo, suspende-se o processamento do recurso. Da mesma forma,
quando provido o agravo de instrumento o que o
tribunal faz é mandar processar, admitir o recurso de revista, jamais “destrancar”.
[10] O
texto dispõe: “caso a questão afetada e julgada sob o rito dos recursos
repetitivos também contenha questão constitucional, a decisão proferida pelo
Tribunal Pleno não obstará o conhecimento de eventuais recursos
extraordinários sobre a questão constitucional.” Ora, convenhamos. Quem conhece
– ou não - o recurso extraordinário são os integrantes das turmas ou do
tribunal pleno no STF, que jamais ficariam vinculados a uma decisão do TST. O
objetivo da emenda parece ser de fazer um alerta (de todo modo desnecessário)
ao TST, de que o julgamento não obstaria o “recebimento” de eventual Recurso
Extraordinário sobre o tema examinado no incidente de solução de demanda
repetitiva.
[11] Além de ter sido
suprimido do texto original o § 1º-A é taxativo ao determinar que “sob pena de
não conhecimento, é ônus da parte:” Quem conhece – ou não - o recurso de
revista são os membros da turma no TST. Logo, a contar da entrada em vigência
dessa lei, não há mais como os relatores de recursos de revista negarem
seguimento a apelo.
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