sábado, 17 de outubro de 2020

Consolidação das Leis Civis - introdução

 

Informações relevantes aos integrantes do Grupo de estudos Augusto Teixeira de Freitas

Sobre a atualizaçãoo da linguagem do texto

 

A linguagem do texto da Consolidação das Leis Civis está em processo de atualização. Por isso, eventuais inconsistências precisam de correção. Essa obra, produzida entre 1855 e 1857, é um dos mais interessantes textos jurídicos já produzidos no Brasil.

Na leitura, é importante atentar para o fato de que a classificação da legislação civil em uma parte geral, tratando das pessoas e das coisas, e outra especial, disciplinando os direitos reais e pessoais, é criação original de Teixeira de Freitas (que influenciou a codificação do direito civil no mundo todo).

Trata-se de um avanço extraordinário para essa época, pois, até então, o sistema vigente de “jurisprudência” era pautado por relações entre pessoas e entre pessoas e coisas. Tanto que o código napoleônico, de 1804, embora acrescentando uma parte referente à aquisição de propriedade, continuava estruturado nos molde do direito antigo (sem distinguir direitos reais e direitos pessoais do modo feito por Freitas).

Outra questão importante é entender o sistema desenvolvido pelos jurisconsultos romanos. O “direito” romano (jurisprudentiae) é, antes de tudo, um sistema cujo propósito é organizar a inteligência humana no exame das relações que se estabelecem entre pessoas e entre pessoas e coisas e, por consequência, ordenar, entre outras questões o uso e a propriedade de pessoas sobre coisas. Nesse sistema, ter “ação” significa, da maneira que tratamos hoje, o mesmo de ter “direito”. Por isso, a revolução que operou o Código de Napoleão ao organizar um corpo legislativo a partir da ideia de direitos subjetivos.

Para esta atualização está sendo utilizada a publicação oficial do governo imperial, de 1857. Ele é anterior à aprovação da comissão revisora composta por Visconde de Uruguay, Nabuco de Araújo e Caetano Alberto Soares, em 1858. Para fins de elaboração deste texto, utilizou-se um PDF da 3ª edição, de 1875, com objetivo de comparar as modificações que a Consolidação sofreu nos dezoito anos que separam a primeira e a terceira edições.

Portanto, sugere-se que o leitor preste atenção sobre algumas questões relevantes em relação às atualizações feitas por Freitas:

a) entre a primeira e a terceira edições, é visível a dificuldade que ele teve em resolver o problema da classificação dos direitos relativos e direitos absolutos em face dos direitos reais e pessoais. Na primeira edição, ele classificava todos os direitos pessoais como relativos, e todos os reais como absolutos. No entanto, como não conseguiu inserir o direito de personalidade nesse critério (que é absoluto), acabou mudando na terceira edição. É possível que isso tenha ocorrido em razão dos debates, à época, sobre direitos civis e políticos, confundidos com os da personalidade, que não o permitiu colocar o direito de personalidade como um direito real (de domínio do homem sobre si mesmo).

b) é interessante observar que o direito absoluto e distingue do relativo em razão da ideia relação jurídica: Nos direitos absolutos só o titular do direito é previamente identificado, já que a obrigação se dirige a todas as demais pessoas e não apenas a determinados sujeitos, como nos direitos pessoais.

c) outra questão interessante é a revelação da influência das ideias de Leibniz sobre as origens do direito: na natureza, nas convenções, no transcurso do tempo, nas sucessões e nos ilícitos, buscadas da ora "Nova Methodus Discendae Docendaeque Jurisprudentiae" (Um novo método de aprendizagem e ensino de direito).

De agora em diante é preciso atualizar as 1333 disposições legais da Consolidação. Na medida em que for sendo concluída, será postada neste espaço.

                                                                 Saudações e avante!

Paulo JB Leal



Augusto Teixeira de Freitas

(Consolidação das Leis Civis – 1857)

 

 


INTRODUÇÃO

 

A presente publicação é a última parte dos trabalhos preparatórios, que para a reforma da Legislação Civil empreendera o Governo Imperial. Examinadas as Leis da nossa extensa Coleção, distribuídas em suas divisões naturais, explorou-se particularmente a classe das - Leis Civis -, e delas se apresenta um extrato fiel. É um trabalho de simplificação, que, destinado à grande obra do Código Civil Brasileiro, mal aspira o merecimento de uma codificação provisória[1].

Consolidará (tal foi o programa do Governo) toda a Legislação Civil Pátria com as mesmas condições da Classificação[2]. - Consiste a consolidação em mostrar o último estado da legislação. - A Consolidação será feita por títulos, e artigos, em os quais serão reduzidas à proposições claras e suscinta as disposições em vigor. - Em notas correspondentes deverá citar a lei, que autoriza a disposição; e declarar o costume, que está estabelecido contra, ou além do texto.

Está assim traçada a natureza e marcha do trabalho, deixando-se porém grande arbítrio. Quais os verdadeiros limites da Legislação Civil? Quais as disposições atualmente em vigor? Qual o teor de sua coordenação própria? Os entendedores da matéria, aqueles que conhecem o estado da nossa Legislação, sua incerteza, seus elementos heterogêneos, podem bem avaliar a dificuldade e importância destas questões.

Nunca tivemos Código Civil, e se por tal reputássemos o corpo das ordenações Filipinas, ou antes o 4º livro delas, que mais se dedicou aos contratos e sucessões, estaríamos ainda assim envolvidos na imensa teia das leis extravagantes, que se tem acumulado no decurso de mais de dois séculos e meio. Também não existe um escritor, antigo ou moderno, que puramente se limitasse à coligir e ordenar o Direito Pátrio.

Aquelas Ordenações, que são pobríssimas, reclamavam copioso suplemento. Seus colaboradores, ou pela escassez de luzes de que têm sido acusados[3], ou por fugirem a maior trabalho, reportaram-se muitas vezes ao Direito Romano, e mesmo geralmente o autorizaram o mandando até guardar as glosas de Acursio, e as opiniões de Bartolo e mais Doutores.

Essa franqueza, que a Ord. L. T. 64 igualmente estendera ao Direito Canônico; a famosa Lei de 18 de agosto de 1769, que  deu largas ao arbítrio com o  título - de boa  razão -; o outro subsídio dos - estilos, e costumes -; tudo concorreu, para que os nossos juristas carregassem suas Obras de materiais estranhos, ultrapassando mesmo as raias dos casos omissos. As coisas têm chegado à tal ponto, que menos se conhece, e estuda, nosso Direito pelas leis, que o constituem; do que pelos praxistas que as invadiram. Outras causas ainda contribuem para tão desagradável situação.

A legislação civil é sempre dominada pela organização política. Uma legislação moldada para uma Monarquia absoluta, sob o predomínio de outras ideias, deve em muitos casos repugnar as condições do sistema representativo.

Quantas leis entre nós não incorreram desde logo em virtual e necessária revogação, por se tornarem incompatíveis com as bases da Carta Constitucional?[4] Quantas outras não se acham inutilizadas, ou modificadas, por efeito das leis novas? A força do hábito, entretanto, as tem perpetuado, o que para muitos é sempre grande argumento a falta de disposições designadamente revogatórias.

Ainda se pensa (por exemplo), com o apoio da Ord. L. 4º, T. 81 § 6°, que temos - servos da pena -, e que os condenados à morte não podem fazer testamento[5]. O Código do Comércio no art. 157 ainda fala da - morte civil -[6]. A sanção da Ord. L. 2º T. 18 contra corporações de mão-morta possuidoras de bens de raiz ainda se aplica, como se o commissio não for a uma confiscação[7]. Também crê-se, que os serviços feitos ao Estado são artigos de propriedade, que se pode ceder e legar na forma do caduco Regimento das Mercê, de 19 de Janeiro de 1671[8]. A separação dos poderes políticos, não impede que os Magistrados exerçam funções que lhes são estranhas[9].

Examinar as leis em seus próprios textos sem influência de alheias opiniões, comparar atentamente as leis novas com as antigas medir com precisão o alcance e as consequências de umas e outras; eis o laborioso processo que empregado temos para conhecer a substância viva da Legislação.

Para achar, porém; os limites do Direito Civil; e a norma da exposição das matérias, que lhe pertencem; recorremos à estudos de outra natureza, consultamos os monumentos. legislativo, revimos e meditamos as tradições da ciência; e com livre espírito procuramos essa unidade superior, que concentra verdades isoladas, penetra as mais recônditas relações, e dá esperanças de um trabalho consciencioso.

A parte prática, e, por assim dizer, material do trabalho, terá em si mesma a prova de sua boa, ou infeliz, execução, já quanto às disposições adotadas e substanciadas, já quanto à fidelidade e exatidão do transunto, já quanto às qualidades do estilo. Os legistas limitar-se-ão a comparar o texto de cada um dos artigos com a lei, ou leis, que o abonam em suas respectivas notas. Os jurisperitos irão mais longe, e nessas mesmas notas a acharão fecundos traços, proposições suscetíveis dos mais ricos desenvolvimentos. A natureza do trabalho não consentia demonstrações.

Cumpre advertir, que não há um só lugar do nosso texto, onde se trata de escravos. Temos, é verdade, a escravidão entre nós; mas, se esse mal é uma exceção, que lamentamos; condenado à extinguir-se em época mais, ou menos, remota; façamos também uma exceção, um capítulo avulso, na reforma das nossas Leis Civis;  não as maculemos com disposições vergonhosas, que não podem servir para a posteridade: fique o estado de liberdade sem o seu correlativo odioso. As Leis concernentes à escravidão (que não são muitas) serão pois classificadas à parte, e formarão nosso Código Negro[10].[11]

A parte teórica, ou científica, demanda algumas explicações, tendentes sobretudo a justificar o método seguido; e a fornecer  esclarecimentos tanto mais necessários, quanto independentes foram as ideias que o  determinaram.

A demarcação dos limites da Legislação Civil é assunto, que não se pode separar do exame geral as outras divisões, que compõem a tábua sintética da Classificação das Leis[12]. Basta saber por ora, que tomamos o Direito Civil em sua acepção mais estrita, excluídas as leis do processo, as da respectiva organização judiciária; e também as disposições excepcionais, cujo complexo forma hoje o Direito Comercial[13].

Conhecido o quadro da legislação Civil, era de mister conhecer suas divisões peculiares, e destas trataremos agora ocupar. Principiaremos pelo atual sistema do Direito Civil, fixaremos depois algumas noções fundamentais, investigando  a teoria dos - direitos reais - e dos - direitos pessoais - ; e indicaremos por último a aplicação que se pode fazer dos princípios. Dispor elementos para a projetada reforma, tal é o pensamento, que nos domina.

ATUAL SISTEMA DO DIREITO CIVIL

Como se fosse possível dar força de lei à proposições científicas, vê-se escrito nas Pandectas, que todo o direito refere-se às pessoas, coisas, e ações.- Omne jus vel ad personas pertinet, vel ad res, vel ad actiones[14]

Este enunciado foi aceito pelos Comentadores como uma regra de divisão para as matérias do Direito Civil, foi considerado um princípio classificador das Leis Romanas. O que há, porém, de comum entre a suposta regra e a ordem seguida naquelas Leis? O Código e o Digesto tratam do Direito Privado, e também do Direito Público; e a série de seus Livros é tão destituída de nexo, que não denota observância de método algum[15].

Nas Institutas, destinadas ao ensino, a pretendida norma devera ter sido rigorosamente observada. Também isto não se confirma. Se o Livro tem no Tit. 3º a inscrição - de jure personarum -, se o 2º Livro intitula-se-de divisione rerum et qualitate - rematando pela sucessão testamentaria; o 3º Livro começa pela herança ab intestato, como se fora matéria distinta do Livro antecedente, e termina com uma parte da matéria de obrigações. As obrigações ex delito acham-se desligadas no Livro, que acaba pelas ações e ordem do Juízo.

Essa incoerente distribuição de matérias foi regularizada por alguns escritores com a divisão em três Livros, que correspondessem à tríplice distinção; porém a primeira dificuldade estava em bem entendê-la. Os Jurisconsultos não estão de acordo sobre o que deva conter a primeira parte - de personis -, e a dúvida renasce no limite das outras duas partes - derebus - e - de actionibus -.A significação destas palavras tem sido diferentemente entendida, querendo uns que as - obrigações - no Tratado das ações, como uma introdução às ações que delas derivam; e mesmo porque todas as ações, inclusive a - actio in rem -, apresentam-se sob a forma de crédito contra aquele, que tem lesado nossos direitos[16].

Tal foi o expediente, que tomaram, Mello Freire[17], e Borges Carneiro[18], na exposição do nosso Direito Civil, comum a Portugal e ao Brasil. Um primeiro Livro para as - pessoas -, o segundo para as - coisas -, compreendendo assim a sucessão testamentaria, como a sucessão ab intestato: e o terceiro Livro para as - obrigações - e - ações -. As doações inter vivos, e causa mortis, que por motivo peculiar estavam no Livro das Institutas - de divisione rerum -[19], foram transportadas para o Tratado das obrigações, à par dos outros Contratos benéficos.

Melhorou-se destarte o arranjamento das Institutas, mas não se aplicou o tipo adotado. O terceiro membro da divisão compreende as obrigações e as ações, quando só devesse conter as ações. Confundiu-se além disto matérias, que são essencialmente distintas.

Sem dúvida há um ponto de semelhança entre as - obrigações -[20], e as - ações -[21]; pois que estas, ainda mesmo motivadas pela violação de direitos absolutos, tem sempre um caráter relativo. Ninguém desconhece, entretanto, que a obrigação preexiste independente da ação; e que a ação é a via comum, tanto para fazer valer em Juízo o direito das obrigações (direitos pessoais), como para restabelecer o direito sobre as coisas (direitos reais).

Não sendo possível harmonizar por este meio a realidade das coisas com o imaginado tipo, recorreu-se à outros expedientes. Alguns consideram as - obrigações - como matéria pertencente ao primeiro ramo da divisão - pessoas -[22]; e também entendeu-se, que a palavra - ações -, empregada no fragmento de Gaio, designava, como na acepção vulgar, o mesmo que -fatos -, capazes de produzir, ou de fazer cessar, direitos ou obrigações[23].

A opinião mais geral[24] separa o terceiro ramo da divisão relativo às - ações - como uma classe de - direitos particulares -, estabelecidos para segurança dos outros direitos; e que os supõem violados, ou ameaçados de violação[25]. Sob o nome de - pessoas - compreende unicamente as diversas espécies de - poder -, que uns podem ter sobre outros - jura potestatis -. Sob o nome de - coisas - abrange, não só o direito real, pelo qual uma coisa nos pertence; senão também o vínculo especial, que obriga uma pessoa à dar, fazer, ou não fazer. É fácil conhecer o que há de vicioso, e arbitrário, em semelhante nomenclatura, e nas suas distinções.

Se começamos pelas - pessoas -, e descrevermos todos os seus direitos; nada mais teremos à fazer, e torna-se portanto inútil a divisão. Que razão (a não dar-se um ponto de vista especial) para, tratando-se dos direitos das pessoas, indicar tão somente os - jura potestatis -, e excluir todo, os outros? Todo o direito pertence às pessoas, todo o direito é - poder efetuado -, embora exercível com mais ou menos intensidade. As diferentes espécies desse - poder efetuado - são os direitos considerados em sua extensão. Daí dimanam as distinções, e as divisões.

Se começamos pelas - coisas -, no sentido amplo, também não podemos ir mais longe. As coisas, ou são de criação natural - res corporales -, ou de criação jurídica - res incorporales -. As coisas incorpóreas - quae tangi non possunt - compreendem todos os direitos - quae in jure consistunt -[26], e obrigações por qualquer modo contraídas - obligationes quoquo modo contractae -[27]; e admitida esta teoria, como judiciosamente pondera Ortolan, todos os direitos vêm sucessivamente acomodar-se na divisão das coisas incorpóreas[28].

Se tomamos as - coisas - no sentido estrito e natural, distribuindo-as para uma classe privativa, e reservada para outra classe - a das pessoas - as - prestações de fatos - ou - serviços[29], achar-nos-emos com os seguintes resultados:

As disposições concernentes ao domínio, às suas desmembrações, serão reunidas com a matéria de obrigações relativas à entrega e ao gozo das - coisas, - obligationes dandi -, quais as dos Contratos em sua maior parte:

2º Dessas obrigações relativas às coisas serão separadas todas as outras, que tendem ao cumprimento de serviços,- obligationes faciendi -, quais as dos contratos de mandato, locação de serviços; assim como as que respeitam à extensão do poder paternal, e do poder marital:

Desaparecerá desta sorte toda a diferença entre direitos reais, e direitos pessoais; diferença tão importante, que é a chave de todas as relações civis.

Eis o fruto da rigorosa aplicação de um enunciado equivoco, que não pode ser preceito de método. E como romper os laços naturais das relações jurídicas, envolvendo em fictícias combinação direitos, que derivam de princípios opostos; e desligando outros, que visivelmente funcionam com idênticos efeitos? Renda-se homenagem à sagacidade dos jurisconsultos Romanos, mas não se diga, que houve ideia normal de sistema nesse famoso texto, cuja importância se tem exagerado.

Para evitar os indicados inconvenientes, várias classificações foram outrora propostas por alguns Jurisconsultos de espirito mais independente[30]. Entre eles sobressai o célebre Leibnitz, que com o poder de seu gênio censurou as Istitutas; e proclamou o supremo princípio, que deve dominar nestas matérias[31].

A divisão, disse ele, não foi deduzida da consideração, que só pode ervir de base a uma classificação jurídica; isto é, - da diferença, que se observa entre os direitos e as obrigações. Não são as pessoas, e as coisas, que se devem distinguir; mas suas obrigações, e seus direitos. O   terceiro membro - ações - é superabundante, porque as - ações -  nada mais são do que consequência dos direitos; e por ocasião destes devem ser explicadas[32], seguindo a importante distinção do - jus in re - e do - jus ad rem -, isto é, do - domínio - e da - obrigação -.

Sem dúvida, é impossível haver verdadeira classificação, sem que se a derive das diferenças e conformidades, que constituem a natureza das coisas; e tal foi o princípio diretor, que cuidamos de fixar logo ao começo dos nossos trabalhos. Leibnitz, porém, teve de aplicá-lo ao Direito Civil, procurando a diferença dos direitos na diferença das causas, que os fazem nascer, ou que os fazem cessar[33]. Ele distinguiu cinco causas de direitos: 1°, a natureza, 2º, a convenção, 3°, a posse, 4°, a sucessão, 5°, o delito.

Uma crítica bem fundada desta classificação lê-se no Prefácio, que serve de introdução à parte das Obras de Leibnitz relativa à jurisprudência. Transcreveremos o próprio texto:

É com razão, que Leibnitz procurou tirar da diferença dos direitos todas as divisões da ciência das leis. Mas os direitos não diferem somente sob o ponto de vista das causas, que os produzem. Direitos, que apresentam a maior semelhança, podem derivar de causas diferentes; ao passo que a mesma causa pode produzir direitos que não tem entre si a mesma analogia.

Além disto, acrescenta Blondeau[34], a palavra - natureza -, pela qual designa Leibnitz a primeira das causas, é extremamente vaga; e como ele entendia por convenção a própria lei, que considerou resultado do consentimento, ao menos tácito, de todos os membros da sociedade; poder-se-ia em rigor refundir nesta segunda causa quase todas as outras, e principalmente a sucessão e a posse.

Ao brilhante esforço de Leibnitz, que encerra uma verdade eterna, embora mal aplicada, não são comparáveis outras tentativas, que se fizeram até meados do século último. Domat foi pouco feliz na divisão do seu Tratado das Leis Civis em duas parte, - engajemens -[35] sucessions -, e o seu -  Delectus Legun - tem a mesma ordem dos cinquenta Livros do Digesto. Pothier nas suas Pandectas também não se desviou dessa ordem, e foi no Tit. Último - de diversis regulis juris antiqui - (uma espécie de recapitulação de todas as matérias), que ele adotou um novo plano, aproximado ao das lnstitutas[36].

A classificação de Pothier compreende o Direito Público, e inclui todo o Direito Privado, sem escapar as formas do - processo -, que não foram separadas das - ações - e exceções. - Seu defeito capital está na confusão dos direitos pessoais com - os direitos reais -, cuja diferença foi quase aniquilada; pois que são envolvidas as servidões, a hipoteca, a herança, e as obrigações, como espécies de coisas incorpóreas. Este vício tem sua origem nas ideias do próprio Direito Romano, que o insigne Jurisconsulto substanciara.

Mais tarde a necessidade de uma melhor classificação foi geralmente sentida, inúmeros ensaios sucederam-se rapidamente, o método antigo foi quase banido das escolas. Fal1amos, da Alemanha, o país da meditação, onde a ciência do Direito, associando-se à história, e à filosofia, tem alcançado os mais brilhantes triunfos. Não são em tudo concordes os jurisconsultos da nova escola, mas prenunciam-se com poucas exceções, contra a ininteligível divisão de - pessoas, coisas, e ações.

Quando começaram os trabalhos do Código Civil Francês em 1799, as novas ideias não tinham ainda tomado toda a sua ascendência. Dominava em França o Direito Romano, e o que mais, se conhecia, e estava em voga, quanto a inovações sobre o  método do Direito Civil, limitava-se aos sistemas de Domat, e de Despeisses, cuja simplicidade tem sido encarecida, e até pelo próprio Me1levile, um dos colaboradores do código, a ponto de lamentar que não se a houvesse adotado.

O que existia de codificação naquela época reduzia-se também ao Código de Baviera publicado em 1756, e                  ao da Prússia promulgado em 1794[37]. Esses Códigos extensos, o primeiro no sentido das ideias reinantes do Direito Romano[38], e o segundo delineado como parte de um plano geral, eram menos próprios para servir de modelo[39]. De resto pouca importância se deu em França à questão fundamental do método, e a prova esta em que o Código se foi decretando à retalhos; mandando-se depois incorporar as trinta e seis leis destacadas, que o compuseram.

Não se seguiu nem o método de Domat e de Despeisses, nem a ordem das Institutas; sem se perder contudo de vista a antiga divisão de pessoa e coisas. O Livro intitula-se - das pessoas -, e o 2º Livro - dos bens e das diferentes modificações da propriedade -. Se alguns vêm nisto um arremedo das Institutas, e fazem merecidas críticas em combinação com as matérias do Livro, que se inscreve - dos diversos modos de adquirir a propriedade -; outros, menos razoáveis, defendem à todo o transe o Código de seu país, explicando a divisão por um modo estudado, e proclamando sua excelência[40].

O que, porém, não se pode harmonizar é a inscrição do 3º Livro sobre os modos de aquisição da propriedade; inscrição que deu matéria para mais de dois terços dos artigos, de que se compõe o Código todo. Abandonou-se, é verdade, a máxima cardeal do Direito Romano, reguladora da transferência do domínio[41], passando o título a ser modo de adquirir. Mas quem quererá conceder, que sejam contratos translativos de propriedade o depósito, o mandato, e a locação de bens ou de serviços? Que analogia tem com o enunciado desse imenso Livro o pagamento, a novação, a compensação, a remissão, e até (contrainte par corps) a detenção pessoal?

Com muita razão se tem dito que a última divisão do Código Civil Francês poderia ter compreendido todas as leis civis, e que o tratado das pessoas e das coisas não passa de simples preliminar[42]. Que tanto é assim, que, para dar-se alguma consistência aos dois primeiros Livros, foi necessário inserir neles, muitas matérias, que poderiam entrar no Livro como relativas aos meios de adquirir. Tais são no Livro a ausência que dá lugar à sucessão provisória, o casamento, a filiação, a adoção, o pátrio poder; e no Livro a acessão, o usufruto, o uso, a habitação, e as servidões.

Não obstante seu método artificial, e com o mau princípio da transferência do domínio só por efeito dos Contratos, o Código Civil da França tem exercido poderosa influência. Ao tempo da sua promulgação (em 1804) deu-se a favorável circunstância de imperar logo como lei por toda a parte, onde se fez ouvir a voz do conquistador, que lhe impusera seu nome. Restaurada a Europa, o método conservou-se, e tem-se imitado, posto que as disposições constitutivas do direito de propriedade em relação à terceiros estejam profundamente alteradas.

As divisões gerais do Código Civil da França são as mesmas dos Códigos da Sardenha, Duas-Sicilias, Luisiana, Ducado de Baden, dos Cantões de Vaud e de Friburgo. Todos esses Códigos formam um só grupo.

Fazem grupo diverso o Código Civil Austríaco de 1811, o do Cantão de Berne de 1831, e o da Holanda de 1838. Não seguiram a ordem do Código Francês, e exigindo, além do título, um ato exterior para regular a transmissão da propriedade, guardam a antiga classificação geral, mais ou menos modificada.

No da Holanda acha-se precisamente a tríplice divisão de pessoas, coisas, e obrigações,que acresceu um Livro que se intitula - da prova e da prescrição - . Declarou-se categoricamente na Memória Justificativa do primordial Projeto desse Código[43], que rejeitava-se o plano e a teoria do Código Francês.

Admitindo-se a distinção das leis romanas (dizia o autor da citada Memória) entre o direito na coisa, e o direito contra as pessoas, - jus in re - e - jus ad rem - não hesitou-se em adotar a ordem das Institutas, que por sua clareza e simplicidade excede à todas as outras, e que está confirmada pela experiência dos séculos; e consagrada pela autoridade de quase todos os filósofos, e dos mais notáveis jurisconsultos.

Este rasgo de elogio ao inculcado método das Institutas  foi um anacronismo, porque em 1819 (data da Memória) já se havia convindo quase geralmente em abandonar a divisão antiga, já o Direito Romano era lecionado por ordem diversa, e circulavam as Obras de Hugo, Mackeldey, e outros, onde domina a ideia capital do Leibnitz sobre a diferença dos direitos.

O Código da Áustria trata no Livro dos - direitos reais -, e no 2º Livro dos - direitos pessoais -. O do Cantão de Berne segue a mesma divisão, porém ressentindo-se mais ostensivamente do vício da antiga classificação; porquanto os direitos reais e direitos pessoais são subdivisões do direito das coisas, sendo o outro ramo da divisão geral o direito das pessoas

 não aparecem as denominações - direito das coisas - e - direito das pessoas -; mas o fundo do pensamento é o mesmo, dizendo-se - direitos pessoais sobre as coisas -, e não simplesmente - direitos pessoais -. É na Introdução, ou Parte Geral, que se trata do - direito relativo às pessoas -, e do - direito relativo às coisas -; comparem-se porem essas duas seções, e ver-se-á que a das pessoas teve 284 artigos, e a das coisas 24 artigos somente. O motivo de tal desproporção? Ter-se tratado na Seção das pessoas de todos os direitos de família[44], o que por certo não está na ordem das disposições gerais ou preliminares.

O Código do Cantão de Argovia, cuja primeira parte somente nos é conhecida[45], parece querer tomar diferente direção. Começa pelos - direitos pessoais -, e sob esta inscrição trata primeiro dos direitos de família, compreendidos na denominação secundária de - direitos pessoais propriamente ditos -. Qual seja a marcha ulterior desse Código, não se pode prever; entretanto a divisão geral direitos pessoais, abrangendo os direitos de família, denota novidade de plano[46].

Na exposição do nosso Direito Civil, o que há de inovações no método antigo, atribuído às Institutas, não passa do Digesto Português de Corrêa Teles, e das Instituições de Coelho da Rocha, Professor na Universidade de Coimbra[47].

A primeira destas Obras, que seu autor considerou uma coleção de matérias para o Código Civil de Portugal, não apresenta na distribuição e série de seus artigos ordem alguma, que se possa racionalmente justificar. O ilustre Jurisconsulto renegou os precedentes da legislação do seu país, esposando as ideias do Código Civil Francês, dispensando a tradição para transferência do domínio, e quase destruindo a diferença dos direitos reais e direitos pessoais, cuja distinção estabelecera ao encetar sua codificação[48].

Envolveu com a matéria dos Contratos os modos originários de adquirir a propriedade, e bem assim o usufruto, o uso, a habitação, a hipoteca, e a sucessão testamentária. Tudo isto acha-se acumulado no Livro, e no Livro é que se trata dos direitos, que derivam da propriedade e da posse, assim como dos modos de fazer cessar as obrigações, e da prescrição. A sucessão a intestado está no Livro com os direitos de família, e em apêndice trata-se da locação de serviços, porque se diz - os criados são como acessórios de uma família[49].

O sistema inteiro de um Código depende muitas vezes de uma disposição[50]. Se o respeitável autor do Digesto Português, imbuído nos princípios de um falso Direito Natural[51] que não combina com os interesses da sociedade as relações entre as partes contratantes, resolveu adotar a disposição do Art. 1583 do Código Civil Francês, um dos corolários da outra disposição genérica do Art. 711; era necessário, que não tivesse omitido as diversas restrições desse Código, que serviram de corretivo (se bem que incompleto)[52] ao seu sistema espiritualista, e acautelaram funestos abusos[53].

Ao contrário, se por um lado foi indiferente à todas as exigências da sua inovação, tomando-a isoladamente, e não como aplicação de uma teoria, que substitui o pensamento ao fato; por outro lado foi contraditório, excluindo a tradição, e ao mesmo tempo conservando as regras do Direito Romano, e do Direito Português, à  respeito da tradição ficta, e simbólica, e dos  atos solenes da posse[54]. Se o simples consentimento dos contratantes basta para transferir a propriedade, sem dependência da posse; não há necessidade de ficções, nem de símbolos, que antecipem a tradição real; nem tão pouco de atos exteriores solenes, que a manifestem.

A segunda Obra (a do Professor Coelho da Rocha) anuncia no prefácio a escolha do método de Mackeldey, entretanto que a imitação muito discorda do modelo[55]. O que de semelhante é a Parte Geral, onde se estabelecem noções sobre os três - pessoas, coisas, e atos jurídicos; porém Mackeldey não dividia, nem podia dividir, em relação à esses três elementos, a Parte Especial, onde procurou expor as diversas espécies de direitos[56].

A exposição dos direitos, em simetria exterior com aquela divisão elementar, conduziu o distinto Professor à um desfecho, que não pode agradar. A sucessão a intestado foi separada da sucessão testamentária, e esta última espécie de sucessão veio unir-se aos contratos. E como perceber nesta repugnante junção a diferença dos direitos reais e dos direitos pessoais, que Mackeldey fizera tão sensível em dois livros distintos? O sistema do sábio Professor Alemão não pecou por este lado, mas pela abundância de divisões escusadas.

Tenham os professores liberdades na opção do método mais próprio para facilitar o ensino, porém não haja nisso puro arbítrio. O método influi na teoria, e a teoria, em matérias de direito positivo, nunca deve contrariar o pensamento legislativo, deve somente aplicá-lo. Para evitar desvios[57] e para ao mesmo tempo não constranger a doutrina, ou falsificar a ciência, o melhor é que, empreendendo-se uma legislação nova, muito se medite a respeitos do método conveniente.

Nós vamos ver como na distinção dos direitos pessoais, respousa todo o sistema do direito civil.

NOÇÕES FUNDAMENTAIS

As diferenças inalteráveis das relações jurídicas determinam as naturais divisões da legislação. A distinção das personalidades, e sua razão de existência, assinalam os limites do direito público, e do direito privado. A sanção da pena no direito privado extrema as Leis Criminais das Leis Civis[58].

Na esfera em que nos achamos, as personalidades estão no mesmo nível, ou sejam singulares, ou coletivas; a diferença de seus direitos só pode derivar das condições específicas, ou qualidades intrínsecas, que a análise houver de discernir. Pois bem, observai atentamente as variadas manifestações desses direitos, estudai a natureza do homem e suas necessidades; e não achareis outros caracteres mais importantes, donde possa resultar uma divisão ampla, dominante de todas as espécies, senão que distinguem os direitos absolutos dos direitos relativos[59].

A condição específica dos direitos absolutos é que a sua correspondente obrigação[60] afeta a massa inteira das personalidades, com as quais do agente do direito possa estar em contato. A qualidade própria dos direitos relativos, ao inverso, é recair sua peculiar obrigação sobre pessoas certas e determinadas.

No primeiro caso a obrigação é negativa, consiste na inação, isto é, na abstenção de qualquer ato, que possa estorvar o direito. No segundo caso a obrigação é positiva, e consistente na necessidade do um fato ou prestação da pessoa obrigada[61]. Esse fato ou prestação pode ser também, como no primeiro caso, uma abstenção, mas com uma diferença notável.

A inação indispensável para a efetividade dos direitos absolutos nunca induz a privação de um direito da parte daqueles, à quem a obrigação incumbe: essa inação é necessária para coexistência dos direitos de todos, ou, por outro modo, é o justo limite dos direitos de cada um. Quando, porém, o direito relativo corresponde a uma obrigação de não fazer, ou de abstenção, a pessoa obrigada priva-se do exercício de um direito que tinha, e que voluntariamente renunciou em favor do agente do direito.

Se por estes caracteres, verificados nos constantes efeitos das relações humanas, é patente a diferença dos direitos absolutos e direitos relativos, temos as noções radicais, de que devemos partir para exato conhecimento do quadro inteiro das Leis Civis. As tradições da ciência confundem não pouco esta matéria, as palavras nem sempre designam as mesmas ideias, e da análise e dedução filosóficas colhem-se os seguintes corolários.

Todos direitos absolutos - liberdade, segurança, e propriedade[62] -, entram na compreensão da Legislação Criminal, que os protege e assegura com a penalidade[63]. Desses direitos o de propriedade unicamente faz objeto da Legislação Civil[64]. É no direito de propriedade que havemos de achar os direitos reais.

Os direitos relativos, excetuados os da personalidade pública no círculo das Leis Orgânicas e Administrativas, de que agora não tratamos[65], pertencem em regra geral à Legislação Civil[66], que define e regula as obrigações dos indivíduos entre si. Eis os nossos direitos pessoais.

Direitos relativos - direitos pessoais - correspondem à mesma noção, a variedade de expressão não a especialista. São relativos esses direitos, em contraposição aos direitos absolutos, porque não recaem sobre todos. São pessoais, porque necessariamente dependem da intervenção de pessoas individualmente passivas.

Com os direitos reais não acontece o mesmo. Em primeiro lugar é preciso separar os direitos absolutos, que imediatamente concernem à personalidade do homem, que são alheios da Legislação Civil. Em segundo lugar, separados esses direitos absolutos da personalidade, a ideia geral da propriedade carece de limitações, sem as quais a noção dos direitos reais será inexata.

A ideia geral da propriedade é ampla, ela compreende a universalidade dos objetos exteriores, corpóreos e incorpóreos, que constituem a fortuna ou patrimônio de cada um[67]. Tanto fazem parte da nossa propriedade as coisas materiais, que nos pertencem de um modo mais ou menos completo, como os fatos ou prestações, que se  nos  devem, e que, à  semelhança das coisas materiais, tem um valor apreciável, promiscuamente representado pela moeda[68].

A noção dos direitos reais não é tão larga, ela está para a ideia geral da propriedade, como a parte está para o todo. A propriedade abrange os direitos reais, e também a maior parte dos direitos pessoais[69]; e não haveria diferença entre estes direitos, se o direito absoluto de propriedade fosse o mesmo direito real.

Afetar o objeto da propriedade sem consideração à pessoa alguma, segui-lo incessantemente em poder de todo e qualquer possuidor, eis o efeito constante do direito real, eis seu carácter distintivo. Este caráter é oposto ao do direito pessoal, que não adere ao objeto da propriedade, não o segue; mas prende-se exclusivamente à pessoa obrigada, - ejus ossibus adaeret ut lepra culí -.

Ora, que os direitos reais não são aplicáveis à todos os objetos, de que se compõem a propriedade; facilmente compreende-se, e a observação confirma.

A possibilidade do direito real, com o seu efeito essencialmentesico, concebe-se em relação aos objetos corpóreos - coisas- no sentido natural da palavra; e tal é a primeira limitação, que de necessidade restringe a ideia de propriedade em seu sentido mais extenso. Qs objetos incorpóreos, que são apreciáveis pelo denominador comum - moeda -, fazem parte do nosso patrimônio, mas não estão sob nosso domínio, não são suscetíveis de posse, nem dos efeitos do direito real[70].

Ainda mais, o direito real recai sobre objetos corpóreos, que existem imediatamente submetidos ao agente do direito - incidimus in eum -·, é afirmação do nosso poder sobre o objeto do direito; - in re potestas plena -, se se trata do domínio; - pro parte -, se se trata dos outros direitos reais; entretanto que os objetos, representados pelos fatos, ou prestações, que se nos devem, terão de existir, depois que esses fatos forem cumpridos por um intermediário passivo do direito - nulla in re potestas -.

Outra distinção ainda se faz necessária, para que a noção, que analisamos, fique precisamente em seu valor. As coisas objetos corpóreos são móveis, ou imóveis[71].

As coisas móveis, sujeitas à contrectação[72], sem assento fixo[73], suscetíveis de circulação rápida[74], de fácil deterioração[75], consumíveis algumas ao primeiro uso, consistindo muitas vezes em gênero e não em espécie, determinando-se por quantidades abstratas, e podendo ser substituídas por outras coisas homogêneas, que preenchem as mesmas funções[76], escapam em grande parte à afetação e sequela, e aos efeitos, dos direitos reais[77].

As segundas - solum et res solí -, pela sua natural consistência, por seus atributos peculiares, vantagens que oferecem, constituem a propriedade por excelência[78], são a verdadeira sede dos direitos reais. Verifiquemos esta conclusão.

O direito real tem duas manifestações, uma necessária, e a outra possível. Ou nos o exercemos sobre nossas próprias coisas - jus in re propria, ou sobre coisas de outros - jus in re aliena.

Em  relação às  nossas próprias coisas,  o direito real é o próprio domínio; e como seu objeto em tal caso é a propriedade plena, quando tal, com todos os direitos elementares, que a constituem, não podem haver espécies[79].

Em relação às coisas de outros, o direito real tem por objeto a propriedade limitada; e como a limitação pode ser realizada por vários modos, a diferença entre eles pode ocasionar outras tantas espécies de direitos reais[80].

Se o proprietário, para garantir o que deve, sujeita a propriedade ao credor, obrigando-se à não aliená-la - propriedade afetada -, dá-se o direito real de hipoteca. Se desmembra o domínio, perpétua ou temporariamente, transferindo a outro a utilidade da coisa, dá-se a enfiteuse. Se transfere o direito de posse, uso, ou gozo, mais ou menos completamente, - propriedade dividida, gravada, - dão-se os direitos reais das servidões, superfície, usufruto, uso,  e habitação.

Concebe-se, que o direito real do domínio recaia, e produza seus efeitos sobre uma certa classe de bens móveis[81]; entretanto, que possível é sempre sobre coisas imóveis. A usurpação das coisas móveis lugar à  ações criminais por furto, ou roubo; a sua restituição, ou a indenização do equivalente, consegue-se no juízo civil por uma ação pessoal ex delito[82]. As coisas imóveis não podem ser furtadas[83]. O proprietário excluído faz sempre valer seu direito real, demandando à todo e qualquer possuidor[84].

Quanto aos outros direitos reais - jura in re aliena -, concebe-se a aplicação da hipoteca aos bens móveis, e há disto exemplos[85]; também exemplos da aplicação do usufruto[86], especialmente aos móveis, que se não consomem ao primeiro uso[87]. Entretanto que, não só a hipoteca e o usufruto, como todas as outras espécies de direitos reais, são próprias dos imóveis. As servidões reais[88], a enfiteuse[89], os direitos aderentes ao interior e à superfície do solo, são direitos reais, que não podem recair senão sobre imóveis[90].

É portanto nas coisas imóveis que o direito real aparece em suas diversas manifestações, e acha a possibilidade de seu desenvolvimento completo. Poder-se-á, porém, pela observação de seus efeitos e caracteres remontar à causa que os produz? Haverá um princípio determinante dos direitos reais, que a priori se possa assinalar, e sirva de regra às legislações?

No domínio é o proprietário somente, que se acha em relação imediata com a coisa, e sem o direito real o domínio seria aniquilado. O direito real em tal caso é um poder inerente ao domínio, é o mesmo domínio, e com ele se confunde[91].

Nos outros direitos reais - Jura in re aliena - o agente do direito também está em relação imediata com a coisa. e sobre ela exerce, posto que parcialmente, ou até certo ponto, um poder tão independente, como o do domínio; mas esse direito não está só, ele coexiste com o do proprietário, de que foi uma emanação.

O domínio é a soma de todos os direitos possíveis, que pertencem ao proprietário sobre sua coisa, quais são os da posse, uso e gozo, e livre disposição[92]. Os outros direitos reais são parcelas daquela soma, são os próprios direitos constitutivos do domínio; são poderes, que sobre a coisa se atribuem a outras pessoas.

Se em todos os casos de atribuição desses poderes realizados víssemos nascer um direito real, haveria por certo um sinal indicador, uma causa eficiente dos direitos reais na coisa alheia. As Legislações, e a Historia do Direito, atestam o contrário.

As servidões, o usufruto, a enfiteuse, o direito de superfície, e outros direitos análogos, são faculdades de uso, e gozo, conferidos pelo proprietário da coisa; da mesma maneira que o são a locação, e o comodato. Entretanto, se das primeiras derivam direitos reais, não pela Legislação Romana, como por todas as legislações; o mesmo não acontece com as segundas.

A Legislação Francesa[93] em contrário à L. emptorem,[94], e à nossa Ord. L. 4º Tit. 9º[95], nega ao comprador da coisa  arrendada  o direito de despejar o  arrendatário;  e desta maneira elevou a locação à categoria de um direito real, transformando a natureza deste contrato. Muitos Jurisconsultos, como Delvincourt[96], Toullier[97], Duranton[98], Proudhon[99], e Duvergier[100], sustentam ainda assim, que a locação confere um direito pessoal; mas o sábio Troplong[101] os refuta tão vigorosamente, que nada deixa à desejar.Ora, o que é um direito (diz ele)[102], que da pessoa, recai sobre a coisa por uma afetação direta e incessante, que segue esta coisa de mão em mão, que sobrevive às alienações, e às mudanças de proprietários? Será um desconhecido em jurisprudência? Não. Os Jurisconsultos de todos os tempos o têm chamado - direito real -”.[103]

Ainda ha outro exemplo. Em Genebra, no projeto de Lei relativo à aquisição6, conservação, e publicidade, dos direitos reais sobre imóveis, organizado em 1827 por Girod, Rossi, e Bellot[104], foram submetidos os arrendamentos à inscrição como direitos restritivos do de propriedade. “Pela vez primeira talvez (disse a Comissão em sua Exposição de motivos)[105], os arrendamentos são colocados entre os direitos reais”.

O nosso próprio Direito Pátrio oferece-nos à tal respeito uma prova, à que deve-se atender. A teoria das Ordenações Filipinas sobre arrendamento é a mesma da L. emptorem, a locação não engendra senão uma relação particular entre o locador e o locatário; entretanto cessava esta regra, se o arrendamento era  de dez anos, ou mais, nos termos da Ord. L. 4.º, T. [106], reputando-se o arrendamento em tal caso um contrato enfitêutico[107].

Sobrevieram o Alvará de 3 de Novembro de 1857, e a Lei de 4 de Julho de 1776, que reduziram a locação à sua natureza pessoal, ainda que fosse de cem anos, e até colônia perpétua[108]. E que diferença existe entre uma colônia perpétua, e um aforamento perpétuo? Não está o uso, e gozo, para sempre transferido no colono?[109].

Pelo lado da posse somente, ou detenção, da coisa, nós a vemos no penhor produzir um direito real[110], o que não acontece no depósito. Nem o credor pignoratício, nem o depositário, podem usar, e gozar, da coisa[111]. O Direito Romano admitiu o furto do uso da coisa em relação ao depositário, e credor pignoratício[112]; e essa disposição passou para o nosso Direito.[113]

No caso da anticrese há uma retenção da coisa, igual a do penhor[114]; mas, se o credor anticrético tinha um direito real pela Legislação Romana[115], e o tem por muitas legislações modernas[116], o Código Civil da França parece negar-lhe, conferindo-lhe tão somente direito de retenção, e gozo (Arts. 2085 e 2087), e não querendo que essas faculdades prejudiquem aos direitos, que terceiros possam ter adquirido sobre o imóvel (Art. 2091), ou esses direitos sejam anteriores, ou posteriores, ao estabelecimento da anticrese[117].

A hipoteca não confere ao credor, nem uso, e gozo, nem ao menos posse; e entretanto produz um direito real, que está para a coisa, do mesmo modo que o direito pessoal está para a obrigação - obligatio rei -[118]. Ela não desmembra a propriedade como o usufruto, não a transfere para o credor, e a deixa subsistir intacta; somente adstringe a coisa a fornecer ao credor seu pagamento pelo meio da venda[119] . O direito creditório pode existir sem hipoteca, porque, independentemente dela, os bens do devedor ficam na verdade geralmente afetados ao pagamento de suas dívidas[120]. Por sua própria natureza a hipoteca é um direito real simplesmente acessório, que não tem, como os principais, a estabilidade, que caracteriza o direito real de domínio[121].

Por toda a parte, onde a propriedade existe, diz Du-Roi[122], vê-se de um lado certos poderes atribuídos à uma pessoa sobre a coisa de outro por um contrato nominado, e enunciando-se pelo mesmo nome da convenção, que os tem feito nascer, como na locação, comodato, depósito; ao passo que do outro lado, a lei, ou um testamento, ou mesmo uma convenção, mas uma convenção inominada, estabelecem sobre as coisas outros poderes, que recebem uma denominação própria, e no todo independente do acontecimento, que os faz adquirir, por exemplo, o usufructo, o uso, a servidão[123].”

Para que esses poderes tivessem uma completa segurança, foi mister dar-lhes uma natureza absoluta, e geralmente obrigatória, como tem o direito real de domínio: porém bem se vê, que não é isto necessariamente de sua essência[124]. Não se pode dizer que existe uma causa determinante, um fato exclusivamente produtor desses direitos reais; não se pode dizer, que a teoria da ciência indica a  - priori - as diversas espécies de - jura in re -, fora das quais não possam haver outras espécies[125].

Quando as legislações não proíbem expressamente a criação de outros direitos reais, além dos que elas designam, e regulam, a doutrina, e a jurisprudência, inclinam-se, por deferência ao princípio da liberdade das convenções, a admitir combinações de todo o gênero, uma vez que nada tenham de contrário à ordem pública[126].

A perguntar-se, diz Toullier[127], quais são os direitos que se podem separar da propriedade perfeita, e de quantas maneiras se pode desmembrar, deve-se estabelecer como princípio, que cada um pode dispor de sua propriedade da maneira mais absoluta, que pode desligar os direitos que lhe parecer, estender ou limitar esses direitos, contanto que nada haja de contrario às leis, e à ordem pública; assim, nesta matéria, segue-se o princípio geral - tudo o que não é proibido é permitido -[128].”

Se, levando a questão mais longe, pergunta-se quais são os modos mais usados de desmembrar a propriedade, quais os direitos que separam mais ordinariamente, e sobre os quais as leis tem disposições para servir de regra em falta de título que as estabeleça, deve-se responder, que esses direitos não são os mesmos em todos os povos, e que no mesmo povo variam segundo os tempos, costumes, e legislação.[129]

O Direito Romano, no seu u1timo estado de desenvolvimento, admitiu quatro espécies de direitos reais na coisa alheia - jura in re aliena -[130]; mas a servidão, motivada pelas necessidades da agricultura, era delas a mais antiga, e originariamente o único - jus in re aliena -, denominado por excelência - jus in re -, em contraposição ao domínio. Foi ele o único, à que os Romanos aplicaram por analogia as regras da propriedade, a ponto, não obstante reputarem as servidões como coisas incorpóreas, de transportarem para elas a ideia de posse sob o nome de - quasi possessio -, com as consequências jurídicas da posse, os interditos, e a usucapião[131].

Do que precede resulta, que definir o - direito real - em relação ao domínio fora dar uma ideia falsa; pois a definição não compreenderia o definido. Defini-lo pelas faculdades de uso e gozo, como desmembradas do domínio, ou como copropriedade dividida quanto ao tempo e modo do uso e gozo, não seria melhor expediente; porquanto a hipoteca é um direito real, e não contém nenhuma dessas faculdades, nem opera desmembração ou divisão alguma[132].

Desta maneira, que os outros caracteres não são exclusivos, não pode haver definição que satisfaça, senão aquela que caracteriza o direito real pela ação in rem, que sempre produz, ação que nunca pode competir ao direito pessoal[133], e que destaca portanto de um modo sensível a diferença entre as duas espécies de direitos, de que se compõem toda a legislação civil. - Jus in re est jus homini in rem competens , sine respectu, ad certam personam, ex quo agi potest contra quemcumque possessorem. - Jus in personam (ad rem) est facultas competens in personam, ut aliquid dare, vel facere, teneatur [134].

Esta definição do - direito real - tem sido censurada. Alega-se -  que os direitos tem por si mesmos uma existência própria, que os caracteriza;  - que a distinção do direito real e do direito pessoal é independente da sua violação, e da natureza da sanção respectiva; - que nada importa, que os façamos valer em juízo, ou em outra qualquer circunstância, por meio de ação, ou de exceção, - nihil refert, an actione, an exceptione, persequamur.

Mas quem assinala o direito real pela sua ação correspondente, que em última análise é o que o caracteriza Thibaut em toda a escala de suas manifestações, nega por ventura sua existência antes da violação possível? Pelo contrário, toda a ação supõem um direito violado; a violação não se concebe, sem que o direito exista.

Não se confunda a ação - jus persequendi - com a sanção do direito, nem com o meio ou forma do processo. Entre o direito abstrato criado, ou declarado, pela lei, e a sanção do direito, um espaço imenso. Realizado o direito, quando impedido pela resistência, a ação, como medium persequendi, é o vínculo legítimo entre o direito e a sanção do direito. Para haver porém o meio, o direito deve existir antes. O direito, a ação, a forma da ação, são três fatos, que a análise distingue.

O direito não pode existir sem a ação, do mesmo modo que a ação não existe sem o direito. A forma da ação porém pode existir sem a ação, e sem o direito. Ter um direito, ter uma ação, não é o mesmo que formar uma ação, como diz Doncene[135], porque a ação muitas vezes se propõe sem direito. A ação é a faculdade complementar do direito, sem a qual o direito não existiria, ou fora ilusório[136].

É um erro pensar, diz outro Escritor[137], que se exerce o direito real, quando se intenta ação contra aquele que o viola, - ou ataca. O direito real se exerce, quando se usa da coisa, quando se percebe os frutos dela, quando dela se dispõem de um ou de outro modo. - O carácter distintivo do direito real é não haver em seu exercício, do agente para a coisa, algum intermediário individualmente passivo. - Quando intenta-se uma ação real contra todo o possuidor, não se exerce o direito, procura-se fazer reconhecê-lo.

Não será isto encarar o direito real somente em relação ao domínio? Não será confundir um direito necessário com direitos continentes? Não será desconhecer, que o meio ou a forma de ação não é o mesmo, que o direito de ação? direitos naturais, que a razão concebe antes da lei, e neste caso está o domínio, ou a propriedade, com as justas faculdade que lhe são inerentes. direitos possíveis, criados pelas convenções, pelos atos de última vontade, pela lei[138]; e tais são os direito, reais na coisa alheia - jura in re aliena -. Para que existam esses últimos direitos, não basta, que se use da coisa alheia, que se perceba os frutos dela. observamos que essas faculdades se exercem nas coisas de outrem sem haver direito real.[139].

Também já observamos, que no domínio é o proprietário somente, que se acha em relação com a coisa; e portanto a ação real não pode deixar de existir, e de pertencer-lhe. Nas faculdades de uso, e gozo, das coisas de outrem a ação real pode deixar de existir para o agente, visto que já existe para o proprietário. O agente pode usar, e gozar, da coisa, mas somente com uma ação pessoal contra o proprietário, ficando neste a ação real - adversus omnes.

Não se diz, que o direito real é a ação real; ou que ele só existe quando a ação se propõe; mas diz-se, que é direito armado com a ação real[140]. Ora, esse direito assim provido, assim qualificado na legislação, existe independente de sua violação, independente da ação, que esta possa motivar; ele faz-se valer em toda a circunstância, e por uma exceção, mas com seu predicado o determina.

Estão assim caracterizados os direitos reais, recaindo sempre imediatamente - reta via - sobre as coisas (coisas materiais), ou integralmente, ou parcialmente, por variados motivos, mas tendo invariavelmente a ação real, que é o atributo inerente a todos os existentes, e possíveis. Coisa é tudo que se distingue da pessoa[141] separados os direitos sobre coisas, não podem existir outros direitos senão os relativos à pessoas, que são os direitos pessoais.

Engendrem-se todas as combinações possíveis, investiguem-se as variadas relações da vida civil, e não achar-se-ão outros direitos que não sejam os reais e os pessoais. A noção nada tem de arbitrário, dimana necessariamente da natureza das coisas, é imutável, e se reproduz inevitavelmente em toda a legislação. Todos os direitos sem exceção, qualquer que seja o modo de sua aquisição, exercício, e ação judiciária, qualquer que seja seu objeto, vem a entrar em uma, ou na outra categoria.[142]

A confusão dos direitos absolutos em sua generalidade com os direitos reais, os diferentes aspectos em que os direitos são considerados, a flexível significação das palavras - propriedade - e - coisa -, explicam nessa matéria a divergência de opiniões, e aparente variedade do doutrina[143]. Diremos com o citado Ortolan, que a divisão dos direitos em reais e pessoais é exata, contanto que seja bem definida[144].

Para identificar os direitos absolutos com os direitos reais, como tom feito alguns escritores alemães[145], é preciso ser infiel ao natural sentido das palavras; e além disto ficarão obscurecidas as noções de uma teoria racional, impossibilitando-se a demarcação exata dos verdadeiros limites do Direito Civil. São considerados, por exemplo, direitos reais os direitos concernentes ao estado civil, à família, e à individualidadesica e moral do homem, à pretexto de que esses direitos nos pertencem diretamente, imediatamente, e não dependem da obrigação ou intervenção de sujeito individualmente passivo[146].

Certamente o caráter comum dos direitos reais, e de todos os direitos absolutos, é sua existência independente de qualquer vínculo pessoal; porém, se os direitos reais são absolutos (152), não se segue que os direitos absolutos sejam reais[147]. A espécie está compreendida no gênero, mas o gênero não é a espécie (suprimido na 3ed)[148].

Já se disse, que a divisão dos direitos em - absolutos - e - relativos - é feita no ponto de vista da sua - extensão -[149]; e ponto de vista da divisão dos direitos em - reais - e - pessoais - é o do - objeto dos direitos -[150]. Não há direitos sem pessoas, não há direitos sem objeto; e nesta primeira face, antes do trabalho analítico, os direitos absolutos são semelhantes entre si, e até nem se distinguem dos direitos relativos. Examine-se porém quais são os objetos dos direitos, e parecem logo diferenças essenciais.

1.º 0s objetos são corpóreos, ou incorpóreos; isto é, caem debaixo dos sentidos, ou podem ser percebido pelo entendimento.

2º Os objetos incorpóreos, em um caso, não se manifestam exteriormente, porque representam mentalmente o estado de inação necessário pra o livre desenvolvimento dos direitos de cada um. Em outro caso, são exteriores, isto é, condições fornecidas pela pessoa passiva do direito, e consistentes na prestação de objetos corpóreos, ou na prestação de serviços pessoais.

Quando o objeto do direito é incorpóreo sem manifestação exterior, pode-se dizer, que o direito não tem objeto; pois só aparece o sujeito ativo do direito, que livremente o exerce, sem observar-se mais nada. Por causa disso, os escritores que temos examinado, ou não falam do objeto do direito em tal caso[151] ou dizem que ele se confunde com a existência da pessoa[152] ou que são direitos sobre nossa própria pessoa[153].

Quando o objeto do direito é corpóreos, já não aparece somente o sujeito ativo do direito, senão também o objeto corpóreo, que lhe está imediatamente submetido de um modo mais ou menos completo.

Quando o objeto do direito é incorpóreo, mas com manifestação exterior da parte do sujeito passivo do direito, o que se observa é o sujeito ativo de um lado, e o sujeito passivo do outro lado; abstração feita da qualidade da prestação, a que o sujeito passivo esteja obrigado.

O que resulta desta análise é, que, fazendo-se a divisão dos direitos no ponto de vista de seus objeto, os direitos na primeira espécie, isto é os que se confundem com a existência do sujeito ativo, não podem entrar na divisão; mas somente os direitos das outras duas espécies, tendo uns por objeto as coisas corpóreas, e os outros as pessoas. No primeiro caso não há objeto, porque só aparece a pessoa ativa. No segundo caso existe a pessoa ativa e o objeto corpóreo, mas só se olha a este. No terceiro caso existe a pessoa ativa, existe o objeto incorpóreo, mas só se olha a pessoa passiva, cujo fato é o mesmo objeto.

Ora, os direitos da primeira classe são os direitos absolutos da personalidade, que desde o princípio excluímos da Legislação Civil[154]. Os da segunda são os direitos reais. Os da terceira são os direitos pessoais.

Os da primeira classe não são os da segunda, conquanto uns e outros sejam absolutos, isto é, tenham a mesma extensão; porque os da segunda olham ao objeto - res -, entretanto que os da primeira não tem objeto exterior.

Os da primeira classe, por isso que não tem objeto exterior, são inapreciáveis, não tem valor ou preço venal, tem apenas utilidade; porque neles funda-se o bem - ser moral e material, do homem. Os da segunda classe tem sempre um valor venal, apreciável, em dinheiro. Os da terceira ou tem um valor apreciável, que faz parte da nossa fortuna; ou deixam de tê-lo, e não entram no nosso patrimônio, sendo todavia vantagens que contribuem ao mesmo bem - ser do homem.

Bem se vê, que as noções de - direitos reais - e - pessoais - está subordinada à dos - direitos absolutos - e - relativos -, suposto o ponto de vista da primeira seja a extensão, e na  da segunda o objeto. 1º Para o direito ser relativo, isto é, para estender-se somente à pessoa, segue-se que deve ser pessoal. 2º Se o direito real não é pessoal se é a ideia oposta, segue-se que é um direito absoluto; porque a ideia oposta ao direito relativo é o direito absoluto. 3º Também o direito não podia ser real, isto é, não podia dar um poder exclusivo sobre a coisa, se não fosse - adversus omnes -, se todos não se abstiverem de impedir, se não fosse um suma um direito absoluto.

Entretanto, se o direito real é absoluto, o direito absoluto pode não ser real, porque não carece da existência de uma coisa.

Não são, portanto, direitos reais os direitos absolutos concernentes à individualidade física, e moral do homem, e ao estado civil, e de família. Esses direitos podem motivar relações positivas, e desenvolver direitos relativos ou pessoais; mas é somente com este caráter de direitos pessoais, que eles entram na esfera da legislação civil. Isto se verifica em dois casos:

Em sua generalidade, como os direitos absolutos da personalidade não manifestam ativamente, senão no caso de terem sido violados ou ofendidos em consequência de um delito, ou quase delito; eles dão lugar à obrigação de satisfação ou indenização de dano causado. Neste sentido, pode-se dizer, que se resolvem em direitos sobre objetos exteriores incorpóreos, isto é, - a prestação necessária para satisfação do dano.

Como o Estado é uma reunião de famílias, como os homens estão ao mesmo tempo na grande associação civil, e na associação familiar; esta segunda associação tem suas relações privativas, que produzem uma certa classe de obrigações, consistentes, em prestações ou fatos, que não fazem parte do nosso patrimônio, nem se confundem com as outras obrigações[155]; já em outras prestações. que tem valor apreciável[156].

Também se costuma identificar os direitos reais com os pessoais, dizendo-se - que os direitos pessoais existem na sociedade à respeito de todos, do mesmo modo que os direitos reais; - que não há um direito mais absoluto que outro, - que a sociedade inteira, a massa de todas as pessoas, está sempre obrigada à não embaraçar o gozo e exercício do direito[157]. Temos aqui um falso aspecto que também confunde a matéria.

Quando os direitos pessoais não são encarados em relação à  pessoa individualmente obrigada, mas em relação aos outros homens - adversus omnes -, eles já não exprimem a mesma relação, a mesma obrigação. Eles são absolutos, exprimem relação diversa, já como direitos de personalidade, como direitos de propriedade[158]. De personalidade, se os direitos pessoais tem somente uma utilidade, mas não um preço venal. De propriedade no outro caso, porque dissemos que a ideia de propriedade é larga, e abrange assim os direitos reais, como os pessoais, que fazem parte do nosso patrimônio[159]. Os direitos pessoais desta última espécie, considerados como absolutos, são inte­grantes do direito de propriedade. Os direitos pessoais desta última espécie, considerados como absoluto, são uma parte do direito absoluto de propriedade.

Por falta desta análise, sem a qual não é possível fixar o verdadeiro valor dos sinais da linguagem, e sondar as ideias que eles designam, e podem designar, segundo o aspecto psicológico,  comete-se o erro de alargar a esfera do Direito Civil propriamente dito, deduzindo-se consequências deploráveis[160].

Propõe-se, por exemplo, que hajam no Código Civil títulos especiais para os direitos de - liberdade -, de - segurança pessoal -, e de - reputação -; arguindo-se que não basta para justificar a omissão, existirem no Código Penal as penas, que a violação desses direitos faz nascer. Não seria o mesmo, se-diz, dispensar a explicação da - propriedade -; porque no Código Penal penas estabelecidas para os delitos, que a violam?[161]

A censura é pouco refletida, porquanto, além dos delitos, que violam a propriedade reprimidos na legislação penal, muitas outras violações da propriedade (a maior parte delas), que não são punidas criminalmente, que tem somente sua sanção na legislação civil, e que portanto somente à legislação civil pertencem.

A violação de quase todos os direitos pessoais - objetos incorpóreos exteriores -, que fazem parte do nosso patrimônio, dão lugar à ações civis, e não à ações criminais. Essa violação só pode partir da pessoa individualmente obrigada[162]. Quanto aos - objetos corpóreos -, outra parte da propriedade, a violação dos direitos que sobre elas recaem, produz ações civis no maior número de casos[163]. Quando produz ações criminais, a sanção não fica completa com a aplicação da pena, falta ou a restituição da coisa, ou a indenização do dano causado, o que consegue-se por ações civis[164].

Esses efeitos dimanam da natureza das coisas, já que os delitos contra a propriedade corpórea necessariamente o objeto corpóreo está entre o agente e o paciente do delito; entretanto que a sanção penal é estranha ao destino desse objeto, afetando só a pessoa. Ao contrário, nos delitos contra a personalidade, não há nada de permeio entre o agente e o paciente do delito. Nestes delitos a ação imputável, que os constitui, só pode ser atribuída à uma intenção malévola; ao passo que os direitos de propriedade podem ser violados por ignorância, por simples erro[165], e mesmo por impossibilidade da parte da pessoa obrigada.[166]

A sanção dos delitos contra a personalidade, - contra os direitos de liberdade e segurança - [167], fica preenchida em muitos casos com a aplicação da pena somente. Quando não fica preenchida, por haver dano resultante, cuja reparação é necessária, a legislação civil tem providenciado para a satisfação desse dano. Resulta pois, que os direitos de personalidade entram na legislação civil, tanto quanto se faz preciso que entrem, segundo a natureza das coisas.

Sem dúvida, os direitos absolutos de personalidade, quais são todos os que resultam do desenvolvimento de nossa liberdade, e que tem hoje tantas denominações, carecem de explicações ou restrições, como carecem o direito de propriedade, restrições que os harmonizam com as exigências do bem social; mas se as explicações da propriedade pertencem em regra à Legislação Civil; as outras entram na esfera das leis Administrativas, e particularmente das Leis de Policia[168].

Que razão há para confundi-las? E como se pode confundir , se a respeito da propriedade, o poder público desce à arena da individualidade, como pessoa coletiva[169]; quando aliás, à respeito dos outros direitos procede sempre ativamente, independente da intervenção do poder judicial?[170] Se se deseja o reconhecimento legal dos direitos individuais de personalidade, tão, invioláveis como o de propriedade, é coisa que se tem feito, e que se deve fazer, por meio de simples enunciações nas Constituições Políticas[171].

Não haja distinção entre as relações jurídicas, já do poder público com os indivíduos, já dos indivíduos entre si; não haja distinção entre os direitos da personalidade, e os da propriedade; não se restrinja também a significação da palavra delito; e será impossível marcar a linha de separação entre o Direito Civil e o Direito Administrativo, e entre o Direito Civil e o Direito Criminal.

Se, no sentido mais filosófico, os direitos da personalidade forem considerados de propriedade[172], seguir-se-á fazê-los entrar na órbita da Legislação Civil.

A. palavra delito é tomada em sentido tão largo, que Bentham, por exemplo, cujos escritos abundam em ideias tão luminosas, entendeu, que toda a legislação civil rolava sobre delitos, direitos, obrigações, serviços, noções congênitas[173]. Em seu ensaio para distinção do penal e do civil, a mesma ideia ampla do - delito - o induziu à reputar à lei penal como uma consequência, continuação, e terminação da lei civil[174].

Não sendo a nossa distinção de direitos reais, e direitos pessoais, deduzida em consideração da personalidade ativa do direito, nenhuma consistência tem a censura de impropriedade de expressão que se lê em alguns Escritores[175]. A personalidade ativa é inseparável de todos os diretos, e portanto está entendido, que a denominação - direitos pessoais - só pode referir-se à personalidade passiva. Neste aspecto objetivo o que não se pode negar é, que a personalidade passiva aparece imediatamente nos direitos pessoais, ligada por um vínculo especial; e isto não acontece nos direitos reais, cujos efeitos imediatos não se exercem sobre pessoas, mas sobre coisas.

A aplicação das palavras - direitos pessoais -, referindo-se à personalidade ativa do direito, em contraposição aos direitos que referem-se a um objeto qualquer para o qual nossa vontade se dirige[176], tem o inconveniente já notado da confusão dos direitos absolutos, e até dos direitos políticos, alheios da Legislação Civil, com os direitos pessoais que respeitam à família. Ainda mais, ela separa esses direitos pessoais nas relações de família dos outros direitos pessoais, que são denominados direitos das obrigações, quando uns e outros, considerados em seu objeto, e em sua extensão, tem precisamente o mesmo caráter[177].

Também se usa da qualificação - direitos e obrigações pessoais - para distinguir aqueles direitos e obrigações, que autorizam, ou ligam, certa pessoa sem respeito à posse de alguma coisa; e neste caso a qualificação opõe-se à dos - direitos e obrigações reais -, quando a faculdade de os exercer, ou as obrigações, são anexas à certa coisa, e posse dela, sem respeito à pessoa que possui[178]. Esta distinção tem um aspecto particular, e de valor prático, porque tende à fazer conhecer, que as obrigações reais transferem-se, ainda que o possuidor ou o credor não consinta, transferidas que sejam as coisas à que elas são conexas; ao passo que o devedor da obrigação pessoal, ainda que transfira a coisa, não se livra, se o credor não consentiu.

Igualmente, sob aspectos particulares, os direitos são chamados pessoais, - 1º por terem sido concedidos à pessoa designada para pessoalmente os exercitar[179]; 2º por serem inerentes à pessoa, que tenha uma certa qualidade[180]; 3º por não serem transmissíveis hereditariamente[181]; 4º por não poderem ser exercidos por credores em nome do devedor[182]. Ora, em todos esses aspectos, é claro, que as palavras - direitos pessoais - são empregadas em acepção muito diferente daquela lhes pertence na classificação, em que elas figuram por oposição aos direitos reais[183].

Aplicadas finalmente as palavras - direitos pessoais - para designar direitos, que resultam do que chama-se - estatuto pessoal - leis pessoais -, opostos aos do - estatuto real - leis reais -[184], aludem às tradições feudais, e atualmente à uma distinção do Direito Internacional Privado, que não pode servir para dividir direitos no Direito Civil[185]. Essa distinção é feita em relação à estatutos[186], em relação às leis privadas de um país, que podem, ou não, preponderar em outro, em relação ao direito como sinônimo de lei, ou complexo de leis. A nossa divisão tem outro aspecto, considera o direito como faculdade, e não como lei.

Para os que fazem aquela distinção a pessoa é objeto do direito (lei) ativa e passivamente. Para nós a pessoa é abjeto do direito (faculdade) só passivamente; os objetos do direito são as coisas e os fatos exteriores, em não exteriores, que as pessoas devem prestar, o que compreende o - não fato -, ou - fatos negativos -. E por último, o estatuto pessoal tratando de relações puramente pessoais que a vontade do homem não pode o mudar, e o estatuto real dos bens que as leis governam sem fato dos proprietários, exprimem muito menos, do que se quer exprimir no Direito Civil[187].

Ficam assim fixadas as noções, que regem todo o Direito Civil; resta agora desenvolver a aplicação que fizemos, e que se pode fazer, dos princípios.

APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS 

Sob as ideias fundamentais, que temos desenvolvido, a - CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS CIVIS - apresenta em sua primeira divisão duas grandes categorias, que formam sua Parte Especial. A esta Parte Especial antecede uma Parte Geral, que lhe serve de prolegômenos.

A Parte Geral trata em dois Títulos das - pessoas -, e das - coisas -, que são os elementos constitutivos de todas as relações jurídicas, e portanto das relações jurídicas na esfera do Direito Civil[188].

A Parte Especial compõe-se de dois Livros, em correspondência com a fundamental divisão das duas categorias. O 1º Livro tem por objeto os direitos pessoais, o 2º Livro os direitos reais.

O valor destas locuções jurídicas, cujo sentido tanto varia segundo a necessidade ou arbítrio das aplicações, acha-se já determinado; e conveniente será repetir, que a nossa distinção é o produto da análise de todos os direitos possíveis na sua extensão e de seu objeto.

Direitos reais são todos os direitos absolutos, que imediatamente recaem sobre as coisas, ou em unidade complexa, formando o direito de domínio ou propriedade material; ou em unidade elementar, e distribuídos por dois ou mais agentes[189].

Direitos pessoais são os que afetam uma ou mais pessoas individualmente obrigadas, e só por intermédio destas recaindo sobre as coisas.

Direitos reais, direitos pessoais, são os dois elementos da propriedade, são os dois valores componentes de toda a riqueza pública, de toda a riqueza particular.

O 1º Livro sobre os - direitos pessoais - acha-se dividido em duas Seções.

A 1ª Seção trata dos - direitos pessoais nas relações de família -, cujas partes constitutivas são o casamento, o pátrio poder, e o parentesco; completando-se pela instituição supletiva das tutelas e curatelas.

A 2ª Seção trata dos - direitos pessoais nas relações civis -, descrevendo suas causas produtoras, que são os Contratos e os delitos (fatos lícitos e ilícitos), e as causas de sua extinção.

O 2.º Livro sobre os direitos reais contém quatro Títulos, que tratam do domínio, servidão, herança, hipoteca; e um Título final, que trata da prescrição aquisitiva (usucapião).

Esta distribuição de matérias não é a que nosso espírito indica como mais perfeita. Nós a melhoraríamos, se na empresa de uma legislação nova tivéssemos de escolher matérias à vontade.

O direito de herança não é direito real, é um dos direitos absolutos. A herança é uma continuação do domínio e direitos reais do morto, que se transmitem para seu herdeiro, ou herdeiros. A herança é um patrimônio, uma universalidade, é a propriedade em complexo ideal; contendo, não só os direitos reais, como os direitos pessoais, ativa e passivamente; e desta maneira ela se resolve em quantidade pura, que pode ser negativa, ou igual à zero. A herança portanto tem uma natureza comum, que a faz entrar nas duas espécies de direitos[190].

O concurso de credores, para serem pagos por um só devedor insolvável, também tem uma natureza comum[191]. Atendidos os credores reivindicantes ou separatistas ex-jure domini[192], os credores separatistas ex-jure crediti[193], os credores da massa[194], é preciso regular a colisão[195] entre credores quirografários[196] entre credores meramente hipotecários[197], e entre credores meramente hipotecários[198]; e a hipoteca é um direito real, de onde provém para o credor concorrente o direito de preferência.[199]

Esta matéria porém, que deverá ser tratada no mesmo lugar, acha-se fracionada nos dois Livros[200].

O mesmo aconteceu com a prescrição, que em parte, como um dos meios de extinguir direitos pessoais (prescrição extintiva), está no Tit. 4º Cap. 3º do Liv. 1º; e em parte, como meio de extinguir direitos reais, e como meio de adquirir domínio (prescrição aquisitiva), está no Tit. 5º do Liv. 2°.[201]

Este resultado, à que chegamos com a rigorosa demarcação das duas classes de direitos, convenceu-nos da necessidade de um 3º Livro, que, contendo as disposições comuns aos direitos reais e aos direitos pessoais, se dividisse em três Títulos, o 1º para a herança, o 2.º para o concurso de credores, o 3º para a prescrição. O Código Civil Austríaco tem uma 3ª parte com a inscrição, que nós talvez adotaríamos em plano completo de Legislação Civil; mas a matéria dessa 3ª parte, que se divide em quatro Capítulos, excetuando a do 4º, que trata da prescrição de extinção e de aquisição, é visivelmente só relativa à direitos pessoais[202].

A nossa Parte Geral se compõe de dois Títulos, um para as pessoas, e outro para as coisas. Ora, como a entidade ativa, e passiva, dos direitos, e o seu objeto, não bastam para engendra-lo; como a causa eficiente é necessária, isto é, a que faz nascer, modificar, transmitir, e extinguir os direitos, alguns Escritores adicionam este terceiro elemento sob a denominação de fatos, fatos jurídicos, atos jurídicos, de que tratam também na parte preliminar das matérias do Direito Civil. Não nos conformamos com este método.

Direitos adquiridos são o objeto da Ciência do Direito. A parte especial de um Código Civil descreve os direitos segundo suas diferenças[203], regula as relações jurídicas como engendradas, o que supõe os fatos, que lhes tem dado origem; e regula também alguns desses fatos. A parte geral, ou preliminar, não trata ainda de direitos, não trata portanto das causas que os produzem; mas simplesmente prepara os elementos, - pessoas - e - coisas -, que tem de ser a matéria de todos dos direitos.

Os fatos são em grande parte acontecimentos fatais, independentes da vontade do homem. Desviados os fatos necessários, os voluntários são lícitos ou ilícitos; e como os lícitos - atos jurídicos - precisam de ser regulados, a matéria dos fatos deixa de ser geral, e pertence quase toda às matérias especiais dos contratos e testamentos[204]. Há muitos direitos, que nada tem com esses atos jurídicos, ao passo que sem pessoa, e coisa, ao menos sem pessoas, não há direito algum.

Além de que, a natureza dos fatos é por tal modo concreta, que de necessidade se os deve reservar para cada uma das matérias especiais, à exemplo do que se tem seguido no plano do Direito Romano, e de todas as Legislações. O estudo destas manifestações concretas, como reconhece Savigny, entra na exposição das diversas instituições de direito[205]; e por certo, sendo as mais importantes as declarações de vontade nos Contratos e testamentos, cabem melhor, quando delas se trata, as disposições sobre as formas desses atos, suas condições essenciais, seus vícios, embora algumas dessas disposições sejam suscetíveis de aplicação comum.

As - pessoas - são tomadas como entes capazes de ter, e de dever, direitos; e são singulares ou coletivas. Das pessoas singulares trata-se até o Art. 39, e nos Arts. 40 e 41 das pessoas coletivas, que, sob o nome de universidades (universistates), a nossa Ord. L. 3º T. 78 princ. E § 1º, e o Direito Romano, opunha às primeiras[206].

As - coisas -, na precisão da linguagem, devem ser tomadas em seu sentido físico e natural, e como bens[207]; mas o nosso Direito, como Direito, com o seu misto de Direito Romano e de Direito Francês, admitiu a inútil, e má, distinção das coisas corpóreas e incorpóreas[208]; e também, por extensão das leis da siza, a distinção ainda pior dos bens imóveis por natureza, e pelo objeto à que se aplicam[209]. Será isto distinguir, as coisas, ou distinguir os próprios direitos?

Também o Direito Romano fazia distinção entre o homem e a pessoa, não só porque além da pessoa individual existe a coletiva, senão também porque a pessoa é a entidade considerada em seus direitos, podendo portanto representar diferentes papéis[210]; e finalmente porque o homem podia ser  absolutamente privado da - capacidade jurídica -, ou no caso da escravidão, ou no caso da - capitis diminutio maxima -[211].

Só as duas primeiras acepções quadram ao nosso Direito, não a última, uma vez que se prescinda de escravos.[212] Os homens são sempre capazes de ter direitos.

A capacidade jurídica portanto se reduz à capacidade de obrar, só exprime um maior ou menor grau de aptidão, a diversidade de aptidões, o que constitui o - estado das pessoas -[213].

Excluído o estado de escravidão oposto ao de liberdade, também é de mister excluir o estado de estrangeiro em oposição ao de cidadão[214]; e ficam-nos somente o estado de família, e todos os outros resultantes das incapacidades de obrar, naturais, e legais[215].

O Título 1º da Parte Geral começa pelo homem em sua vida preparatória - nasciturus, venter, qui in utero est -[216], regula os atos do seu nascimento, e óbito[217], e distingue as pessoas pelos seguinte estados: - 1º, idade[218], - 2º, família[219], - 3º, alterações mentais[220], - 4º, ausência[221].

As disposições relativas a cada um destes assuntos são insuficientes, assim como as que concernem às pessoas coletivas[222]. Os atos de nascimento, e óbito, e os de casamento, de que se tratou na Parte Especial[223] como matéria ligada à celebração do matrimônio, esperam a indispensável reforma, que já em balde tentara o decreto de 18 de junho de 1851[224].

Não há entre nós caso possível de privação de direitos civis[225], ou seja pela perda da qualidade de cidadão brazileiro, ou seja por efeito de condenações judiciárias[226]. Supor atualmente um direito Civil de pura nacionalidade[227], negar direitos civis aos estrangeiros[228], falar em morte civil[229]; é conceber um quimérico estado de coisas, que tradições do Direito Romano[230], reproduz más teorias do direito francês[231]; mas que nada tem de semelhante com a realidade da nossa vida civil[232]. São aberrações, como diz Savigny, à que sempre conduz uma aplicação inábil de fatos históricos mal compreendidos[233].

As - coisas -, em seu sentido largo e antinatural, porém designando mais particularmente os objetos materiais, são consideradas em si mesmas, e depois em relação às pessoas, ou antes em relação ao direito real de domínio[234], e outros direitos reais[235]. Neste segundo aspecto elas se-distinguem: 1º, em coisas do domínio nacional (Arts. 52 a 59 Consolid.); 2º, em coisas do domínio particular (Arts. 62 a 7.5 Consolid.).

Classificamos as coisas do domínio nacional, isto é, do - domínio eminente da soberania - (Not. ao Art. 52  Consolid.), e o-fizemos do seguinte modo : 1.º, coisas do uso publico (Art. 52 Consolid.), e o fizemos do seguinte modo: 1º, coisas do uso público (art. 52, § 1º Consolid.); 2°, coisas do domínio do Estado (Art. 52 § 2º Consolid.); 3º, bens da coroa (Art. 52 § 3º Consolid.); definindo em seguida, nos termos da legislação atual, algumas das espécies, que entram nestas três classes (Arts. 53 a 59 Consolid.).

Esses bens, e, mais propriamente, os bens do domínio do Estado, depois da modificação política do Ato Adicional de 1834, fracionaram-se, e tiveram a peculiar denominação de -  bens gerais -_oposta à dos - bens provinciais -, e - bens municipais -. Cumpria portanto distingui-los (Arts. 60 e 61 Consolid.), posto que, para não romper o laço da integridade nacional, é de mister que se os não desligue do grande domínio da soberania[236].

As   - coisas do domínio particular - não são hoje divididas senão em relação a enfiteuse, com as denominações de - bens allodiaes e enfitêuticos (Art. 62 Consolid.), visto ter cessado a outra limitação, que resultava dos vínculos (Arts. 73 a 75 Consolid.).

Não contemplando o direito real da enfiteuse como distinto jus in re entre os outros direitos reais do Liv. 2º, e só tratando dele como contrato de aforamento (Arts. 603 a 649 Consolid.)  (suposto seja possível[237] também estabelecê-lo por disposição testamentária), imitamos o Direito Romano[238], e os glosadores. Em verdade, pouco falta ao enfiteuse para ser completo domínio; e com razão é ele reputado como se fosse o direito real de domínio, formando porém a espécie do - domínio útil -, ao lado da outra espécie do - domínio direto -[239].

Os - direitos de família - acham-se no Livro 1º que trata dos - direitos pessoais -, e na Seção 1ª desse Livro, a qual se inscreve - dos direitos pessoais nas relações de família -. Por esta maneira, estão separados estes direitos pessoais dos outros direitos pessoais de que trata a Seção 2ª do mesmo Livro, e onde se vê a inscrição diversa - dos direitos pessoais nas relações civis -. Há nisto uma inovação, que é só nosso dever justificar.

Observamos anteriormente[240], que, na exposição do Direito Romano, a opinião mais geral compreende sob o nome de pessoas os - jura potestatis -, que são os direitos de família[241]; e sob o nome de coisas abrange, não só os direitos pessoais (obligationes), como os direitos reais (jura in re).

Cumpre porém advertir, que, recorrendo-se à própria fonte, esses direitos de família não são expostos como formando uma parte bem estremada, mas justamente com a doutrina do - status -; isto é, da natureza, e capacidade jurídica das pessoas, o que parece ter sido um preliminar. Este é o método das Institutas[242].· Este é o método dos Códigos modernos[243]. O Código Civil do Argovia, que em outro lugar indicamos, como denotando novidade de plano, também envolve a teoria geral das pessoas com os direitos pessoais nas relações de família[244].

Tem-se confundido a parte geral ou elementar do Direito Civil com a parte especial e orgânica. Os direitos existem por causa das pessoas, e onde não há pessoas não pode haver questão de direitos[245]. Deve-se tr11tar primeiro, e separadamente, dos dois elementos dos direitos - pessoas - e - coisas -, já que a sua existência deve ser suposta para todos os direitos. Esta é a ordem das ideias, e se ela se desconhece, envolvendo-se em parte o direito organizado por com o direito  por organizar, então cumpre logo tratar de todos os direitos, porque todos os direitos são das pessoas[246].

Os Escritores alemães, adotando a expressão - direitos pessoais - para designar os direitos nas relações de família[247], não a aplicando nunca aos direitos pessoais nas relações civis (obligationes), dos quais tratam em uma subdivisão como parte dos direitos que chamam - patrimoniais - ; não deixam todavia de conhecer, que o sistema romano, e o método usual dos Códigos, não devem ser adotados. Eles tratam primeiro das pessoas em geral em uma Parle Preliminar, e dela destacam os direitos de família, objeto de um livro distinto na Parte Especial[248].

Que a denominação - direitos pessoais - é aplicável aos direitos de família, não é pois, duvidoso. Que ela também é aplicável ao que na linguagem técnica da Legislação Romana chama-se -, vemos nós claramente, e sem medo de errar. Se a essência das obrigações está em adstringir o ente passivo dos direitos, esses direitos são pessoais. Se os direitos nas relações de família são pessoais, é precisamente porque ligam do mesmo modo, porém com mais intensidade, o ente passivo do direito[249]. A diferença entre uns e outros só consiste no grau de intensidade, na maior ou menor eficácia do vínculo[250].

Não se pode dizer, que os direitos de família são pessoais, porque só tem por objeto um certo número de ações, ou prestações, que deve executar a pessoa sujeita. Não se pode dizer também, que não se referem a um objeto qualquer, para o qual nossa vontade se dirige. Estas razões não satisfazem.

Em primeiro lugar, há muitos diretos nas relações de família, que dizem respeito aos bens[251].

Em segundo lugar, fora das relações de família, há alguns direitos, que tem igualmente por objeto ações e prestações. Estas prestações só se distinguem das outras, além da menor força do vínculo, em que todas tem um valor pecuniário, que faz parte do nosso patrimônio[252].

Isto mesmo tem reconhecido os Escritores alemães, empreendendo desligar dos direitos de família aqueles, que dizem respeito aos bens[253] Savigny distingue o - direito de família - puro do - direito de família aplicado -[254]. E não sendo possível, sem grande inconveniente, levar à efeito a separação, eles tratam de todos os direitos da família depois dos direitos reais, e dos direitos pessoais[255].

O próprio Savigny, primeira autoridade nestas matérias, não deixa de justificar o método que havemos adotado. Quanto à posição da pessoa investida de um direito para com as outras pessoas, ele observa, que ora seu direito liga todas as pessoas estranhas, e ora não liga senão indivíduos determinados. Sob este ponto de vista, pareceu-lhe que as instituições do direito deveriam ser assim classificadas[256]:

1º Para com todos os homens, - os direitos reais, e o direito de sucessão.

2º Para com os indivíduos determinados, - as relações de família, e as obrigações.

Eis confirmada a nossa divisão em - direitos reais - e - direitos pessoais -, pois que na primeira categoria entra o direito de sucessão, e na segunda entram os direitos pessoais nas relações de família, e os outros direitos pessoais. As relações de família, do mesmo moda que as obrigações, dão-se de indivíduos para indivíduos determinados[257].

Mas o sábio Escritor não atribui à esta classificação a verdadeira importância e supremacia, que lhe competem; antes considera a relação de direito, no aspecto em que a encaramos, como uma relação secundaria[258]. Repugna-lhe envolver os direitos de família com as obrigações, cuja analogia, diz ele, é acidental e exterior, mas não uma afinidade real.

Muitas diferenças por certo a análise descobre entre as relações de família, e as outras relações de indivíduo para indivíduo, quando se as estuda em sua essência, e em todo o seu organismo[259]; mas, quanto à manifestações exteriores, e  consideradas no ponto de vista do seu objeto, e de sua extensão, não é possível contestar, que os direitos de umas e outras funcionam com o mesmo caráter. Não fazemos questão de outras analogia e diferenças em geral; elas podem variar, segundo a ideia que as suscita. Sustentamos somente que a mais importante das diferenças é. a que deter. mina a grande divisão dos direitos em reais e pessoais.

Este sistema, que não quer subordinar a uma ideia superior de gênero os direitos de família e os outros direitos pessoais, classificando aqueles em uma divisão isolada, ressente-se em demasia das noções do Direito Romano sobre os jura potestatis -, noções que em seu primitivo rigor mostram-nos um poder absoluto, um poder que não é direito, e que nada tem de aplicável à família da civilização moderna.

A toda diferença, que existe, e se queira atualmente achar, e que nós até certo ponto não desconhecemos, pensamos ter atendido, uma vez que, divididos os direitos em reais e pessoais, os direitos de família aparecem como espécie na subdivisão dos pessoais.

São de caráter tão oposto os direitos pessoais nas relações civis (obligationes), e os direitos reais que, na aplicação do princípio classificador, os Escritores alemães deixam de ser consequentes. Todos eles colocam, como já notamos, os direitos de família em uma só divisão principal, não obstante conhecerem que, além do direito de família puro, há o direito de família aplicado que entra na divisão dos direitos patrimoniais[260]. Alguns tratam dos direitos reais, e das obrigações, também em duas divisões principais, e como se não fossem espécies de um gênero.[261]

Desta maneira, carecemos nós de suas divisões principais, 1º direitos reais, 2º direitos pessoais; e subdividimos estes, fazendo aparecer os direitos de família como espécie de um gênero. Eles porém vem à carecer de três divisões principais, e estas, só pela simples razão do número não se prestam à verificação lógica da fórmula negativa.

E como admitir-se, que seja mais importante a diferença dos direitos derivada da ideia de patrimônio, ideia que falha em sua aplicação, do que a diferença que considera os direitos pelo seu modo de ação e virtude funcional? A ideia de patrimônio, despojada do seu caráter de universalidade, da sua unidade representativa da unidade da pessoa, decomposta em suma em seus dois elementos constitutivos, perde inquestionavelmente todo o seu valor jurídico[262].

Alguns Códigos, em acordo com a opinião mais geral[263], que retificou o método efetivamente seguido nas Institutas, classificação, conforme também já notamos, as duas categorias direitos, excetuados os de família, como sendo parte de um todo homogêneo, ao qual, do mesmo modo que no Direito Romano, chamaram - direito das coisas -; e então os direitos pessoais nas relações civis tomam o nome de - direitos pessoais sobre as coisas -, em oposição aos - direitos reais[264]. E não será isto reconhecer, que, além desses intitulados direitos pessoais sobre as coisas, há ainda outros direitos pessoais?

Que essa denominação - direitos pessoais sobre as coisas - é sumamente defeituosa, demonstra-se por mais de uma razão:

1º - Porque dá a perceber com exatidão, que nas relações de família não há direitos pessoais sobre as coisas;

2º - Porque altera a índole do dos direitos pessoais, em que não se olha senão à pessoa como se fosse objeto do direito, e não o próprio objeto ou fato, que pode referir-se tanto a uma coisa propriamente dita, como a um serviço;

3º - Porque dá consistência à má nomenclatura de coisas corpóreas e incorpóreas;

4º - Porque, ainda mesmo que se referisse às coisas em seu sentido próprio e natural, há muita diferença entre a relação imediata e próxima das coisas nos direitos reais, e a relação mediata e remota nos direitos pessoais;

5º - Porque, uma vez admitido o largo sentido da palavra coisas, as prestações de fatos nas relações de família entram na generalidade da classificação.

Passemos agora à outra inovação do nosso plano, que nos incumbe também justificar, e que felizmente está protegida pela suprema autoridade do admirável Escritor, que tantas vezes havemos invocado[265]. No Livro 1º Seção 2ª, que trata dos - direitos pessoais nas relações civis -, achar-se-á o Tit. 3º onde promiscuamente consolidamos as disposições sobre o - dano -, e sobre o - esbulho -, como matérias análogas, isto é, como fatos ilícitos, de que nascem as obrigações e direitos pessoais[266].

O esbulho é uma privação da posse, e aí se nos apresenta a célebre questão da natureza da posse, e da sua qualificação como jus in re, ou jus ad rem, isto é, como direito real ou direito pessoal. Esta questão famosa demanda uma solução peremptória para todos aqueles, que, como nós, adotaram o princípio classificador dos direitos por seu objetos e extensão.

O Direito Romano estabelece quanto à posse, como faz em relação à propriedade, o modo de adquiri-la e perdê-la[267].  Ele distingue a posse e a detenção[268], e não a considera somente como estado de fato, que corresponde à propriedade como estado de direito; mas como condição de direitos particulares, e tal é o jus possessionis[269].

Ninguém pode comprar sua própria coisa[270], ninguém a pode furtar[271]; e o mesmo acontece quanto aos Contratos de locação, depósito, comodato, e precário[272]. Excetua-se entretanto esta regra, quando o nu proprietário se considera em relação à posse, que pertence à outro. Concebe-se então a emptio possessionis[273], conductio possessionis[274], precarium possessionis[275]; e por analogia possessionis depositum, possessionis comodatum. Também se concebe o furto da propria coisa[276].

Além disto, tantas vantagens ou cômodos se tem atribuído à posse[277], tanto se tem escrito, e tão vivo tem sido o debate, que há sobre esta matéria uma prevenção desfavorável, como se ela envolvesse uma dificuldade invencível.

Alguns colocam a posse no direito das coisas, ao lado do jus in re e do jus ad rem, como uma parte principal e separada. Outros tratam da posse na parte geral do sistema, como se ela fosse mais geral do que qualquer outro direito. E muitos reputam a posse como um jus in re, ou propriedade provisória a par do domínio, e lendo os interditos como meio provisório de reivindicação[278] O Direito Canônico, com amplitude que deu, mais tem contribuído para confundir esta matéria[279].

A ideia da posse, como tendo no sistema do direito um lugar especial e distinto, nós a restringimos aos interditos possessórios somente; e estes interditos, ou ações possessórias nós reputamos como derivados de obrigações ex delito, que pertencem à classe dos direitos pessoais[280]. Em substância, como este trabalho o requer, são estas as nossas razões.

A posse faz um papel muito interessante na cena das relações jurídicas, e cumpre examinar suas diferentes manifestações. Elas reduzem-se ao seguinte:

1º - A posse, como modo de adquirir domínio na ocupação das coisas sem senhor       - ocupatio rei nulius -[281];

2º - A posse, como modo de adquirir domínio na tradição das coisas, quando feita pelo proprietário legítimo - traditionibus dominia rerum, non nudis pactis, transferuntur[282];

3.º A posse  - civilis possessio -[283], como um dos elementos da prescrição adquisitiva (usucapio) na tradição feita pelo que não é proprietário legítimo - traditio a non domino -; e constituindo a propriedade putativa, que é protegida pela ação publiciana[284];

4º A posse, separada do domínio, e protegida pelos interditos ou ações possessórias[285].

Nas três primeiras manifestações a posse entra indubitavelmente na classe dos direitos reais, pois que pertence à teoria do domínio; e quanto à esta posse é obvio, que não cabe questionar, se ela é, ou não, um direito, e se constitui um direito real.

Quanto aos casos da - ocupatio -, e - traditio -, a posse é começo e consequência do domínio; mas não é o motivo da aquisição do domínio. E a principia (palavras de Savigny) no momento em que o domínio se adquire. A posse deve ser legítima, não é legitima sem justo título[286]; e o domínio pressupõe a coexistência destes dois elementos[287].

Quanto ao caso da - usucapio - a posse, como produtiva da prescrição aquisitiva, defendida pela ação publiciana, vale tanto como o próprio domínio; é um domínio nascente e presuntivo, que o Direito considera como verdadeiro domínio[288].

Ora, se esta posse da prescrição só por si não produz seu efeito, se deve ser acompanhada de justo título, e boa fé[289], é certo, que não constitui direito, sendo apenas uma das condições do direito. Fora tão absurdo perguntar neste caso se a posse é um direito, como perguntar se o justo título é um direito, ou se o é a boa-fé. Seria igual absurdo, em relação ao domínio verdadeiro, perguntar se o título somente é um direito, ou somente a tradição.

Temos, em última análise, a posse dos interditos, e sobre ela versa a questão; porque só neste caso a posse isolada, ainda que injusta, toma o caráter de direito.

A posse, diz o profundo Savigny[290], mostra-se primeiro como um poder de fato sobre uma coisa, consequentemente como um não-direito (diferente do delito), alguma coisa enfim de completamente estranho ao direito. Entretanto ela é protegida contras certas violações, e para assegurar esta proteção, se tem estabelecido regras sobre a aquisição e perda da posse, como se ela constituísse um direito. Dar o motivo de tal proteção, e desta assimilação da posse a um direito, tal é a questão.”

Acha-se este motivo na íntima conexão, que existe entre o fato da posse, e o possuidor. O respeito devido à pessoa deste reflete indiretamente sobre o fato. Fica assim o fato ao abrigo dos atos de violência, porque estes alcançariam ao mesmo tempo a pessoa.

Não se viola em tal caso um direito independente da pessoa; há porém na posição da pessoa alguma coisa de mudado em seu prejuízo, e o mal que lhe é causado pela violência não pode ser inteiramente reparado senão pelo restabelecimento, ou proteção deste estado de fato, que a violência tem alterado. Tal é a verdadeira causa das ações possessórias.

Em verdade, examinada a natureza dos interditos possessórios, pelos quais se protege a posse, vê-se logo, que a violação desta não é uma violação material do direito, como se fosse uma propriedade presuntiva. O caráter comum de todos os interditos possessórios é a condição de um ato, que já por sua forma é iníquo. E como, de outra maneira poder-se-ia compreender, que a posse, independente mesmo da sua legalidade, viesse a ser base de direitos?

Quando o proprietário reivindica o que é seu, indiferente será indagar como o réu teve a posse. Ao contrário, quem tem a simples posse de uma coisa não tem por este fato algum direito à detenção; tem somente o direito de exigir, que nenhuma violência lhe seja feita no quod interest relativamente à posse.

Ora, além de que todo o interdito é pessoal de sua natureza[291], conclui-se da análise do fato da posse, no ponto de vista em que ela tem no sistema em lugar próprio, que os interditos possessórios não são mais que ações derivadas de obrigações ex delicto. Eis o motivo, que levou-nos à tratar do esbulho juntamente com o dano, e na Seção 2ª do Livro lº que se inscreve - dos direitos pessoais nas relações civis -.

Observe-se ainda, como, por ocasião desta matéria, o sábio Savigny vem socorrer-nos na confirmação do método, que havemos adotado.

Aqueles, que dividem o direito, de uma maneira geral em direitos reais e direitos de obrigação, são por isso mesmo forçados a separar a posse de todo o direito real; e aqueles, que rejeitam esta divisão, devem procurar no Direito um lugar particular para todos os direitos de obrigação; e esse lugar será precisamente o da posse.[292]

Estas ideias tem sido sem vantagem combatidas, e em vão se objeta com o lato sentido da palavra delito, dizendo-se que não ha ação, que não nasça do delito. Tínhamos já notado[293], que, sem restringir-se a significação da palavra delito, não seria possível traçar a linha de separação entre o Direito Civil, e o Direito Criminal. Fixemos agora esta noção.

1ª significação da palavra delito - toda a violação de direitos.

2ª significação - toda a violação de direitos com intenção malévola.

3ª significação - toda a violação de direitos com intenção malévola, reprimida pelas leis penais.

4ª significação - toda a violação de diretos com intenção malévola, reprimida pelas leis penais com penas correcionais. Esta última significação é alheia do nosso Direito, e da teoria da ciência; pertence toda ao Direito Francês[294].

A primeira acepção é amplíssima, e, confrontada com as duas que seguem em escala descendente, serve para no Direito Civil estremar as obrigações ex delito de todas as outras obrigações dos contratos e quase-Contratos. As outras duas acepções separam o Direito Civil do Direito Criminal[295].

O Direito Civil trata somente do delito pelo lado da reparação do dano causado, ou o delito seja reprimido pela legislação penal, ou não seja. Se há uma pena decretada pela lei penal, o delito é de Direito Criminal. Se não há essa pena,o delito é de direito civil.

Se, em relação à natureza das ações possessórias como ações derivadas de obrigações ex delito, prova alguma coisa o largo sentido da palavra - delito -; certamente prova de mais, pois que tende a destruir uma diferença essencial, qual a que distingue a classe particular das obrigações nascidas de fatos ilícitos da outra classe de obrigações derivadas dos fatos lícitos.

A violação de um direito (delito lato sensu) é a causa imediata e próxima de todas as ações; mas a violação do direito com intenção perversa (delito stricto sensu) não é a causa primeira de todas as ações.

Nas ações derivadas ex contractu temos a inexecução da obrigação, e nada mais. Nas ações oriundas ex delito, temos: 1º - a inexecução da obrigação de reparar o dano ocasionado por um delito, 2º - a violação de um direito preexistente, que esse cometido delito pressupõe.

Antes da transgressão do contrato só existe o contrato, e antes deste não existe direito algum. Antes da inexecução da obrigação de reparar o dano existe o delito, e antes do delito existe outro direito violado. Basta refletir nisto. Cumprido o contrato, não há delito algum. Cumprida a satisfação do dano resultante do delito, tem existido o delito, que produziu essa obrigação. O delinquente pode reparar o dano causado, independentemente de ser demandado pela ação civil[296].

Se se objetasse também com a extensão, que por Direito Canônico se tem dado aos interditos possessórios, como ações que podem ser intentadas contra todo o possuidor, extensão que só provém de um abuso de interpretação[297], demonstrou Savigny brilhantemente, que a teoria do Direito Romano em nada foi ab-rogada pelo Direito Canônico, cujos novos princípios careceriam até de sentido, quando não se os considerasse como um aditamento a essa teoria, cuja excelência dimana da natureza das coisas.

Em verdade, o Direito Romano não dava ação contra o terceiro possuidor, ainda mesmo que este houvesse recebido a coisa do autor da violência e com ciência do esbulho[298]. Mas Inocêncio III, entendendo que a alma desse terceiro corria tanto risco como a do esbulhador, contra ele também permitiu que se propusesse a ação[299]. Há nisto, como observa Savigny, uma extensão do interdito de vi, porém de pouca importância[300].

Dados estes esclarecimentos, resta-nos ainda demonstrar, que a divisão cardeal dos direitos pessoais e direitos reais, é de valor verdadeiramente prático; e que também a reclamam imperiosamente as condições econômicas da civilização moderna.

IMPORTÂNCIA PRÁTICA 

Incumbe ao legislador considerar os direitos em todas as suas fases; e por certo a que mais o deve interessar é a da sua violação. O que seria o direito, se a sanção da lei não assegurasse seu livre desenvolvimento? Não partimos de um estado negativo, ou de injustiça; mas da vida real da humanidade, onde a possibilidade da violação do direito reclama uma série de instituições protetoras. Se a violação não fosse possível, a lei seria inútil.

Também nunca o direito manifesta-se mais claramente, do que quando, denegado e agredido, a ação aparece, e em virtude dela a autoridade judiciária o reconhece, proclama, e coage a respeitá-lo. Antes da violação do direito pessoal, já existe um vínculo positivo, que na ação produz seu previsto efeito individual. O direito real porém, como que dorme, para ostentar depois, na ofensa que o provoca, todo o poder de seus efeitos[301]. Pela observação destes efeitos o legislador atento equilibra os variados interesses da vida social. Pela força destes efeitos o Jurisconsulto prático mede nos direitos o seu alcance possível, e não acha neles outro caráter mais importante. As ações são seus instrumentos de trabalho.

Entre tantas classificações e ensaios, qual será a classificação de direitos, que se torna mais sensível na cena judiciária, e que na ciência prática corresponde às ações de que se pode fazer uso, compreendendo-as todas? Não há outra, senão a dos direitos pessoais, e direitos reais. Para os primeiros as ações pessoais. Para os segundos as ações reais.

Nas Institutas L. 4º Tit. 6º § 1º - de actionibus - observa-se, que a ação que tem por objeto o - jus in re -, e que se chamou - actio in rem -, foi claramente oposta à ação que tem por objeto o reconhecimento de uma obrigação - actio in personam -; aí se diz, que é esta a divisão principal de todas as ações[302]  Forçoso é porém confessar, quando se estuda o Direito Romano, que tal divisão de ações não foi cientificamente estabelecida, em razão de alguma diferença anteriormente observada nos direitos.

A palavra - jus in re - não foi empregada no Direito Romano para designar algum gênero particular de direitos[303]. O Brachylogo[304] foi a primeira obra, onde essa expressão parece ter sido aplicada para distinguir uma classe de direitos, em oposição à outra classe, que chamou-se - jus in personam - ou - ad rem -[305]. A divisão das ações - in rem e in personam -só tem seu apoio na diferença das fórmulas, por onde tais ações se enunciavam; e desta maneira a oposição entre as fórmulas correspondia a uma oposição entre os direitos reclamados.

Na - actio in rem - o direito, que fazia objeto do litigio, era enunciado - quasi subjectio rei -, e por conseguinte sem que se-nomeasse quem quer que fosse obrigado em razão do direito reclamado[306]. Na - actio in personam - o direito reclamado era exprimido quase officium personae -. Se a fórmula portanto era somente o característico da - actio in rem -, não bastando que se pusesse em questão um jus in re, a diferença das ações era ilusória, era simplesmente uma circunstância exterior do processo formulário, e não a designação de uma qualidade inerente à natureza das ações.

Na definição da actio in rem, segundo o antigo Direito Romano, parece, que não se teve em vista senão a ação do domínio - vindicatio -[307]. · Só depois a ação do domínio estendeu-se aos direitos análogos, como a herança, servidões, direito de superfície, enfiteuse, e hipoteca. Os interditos possessórios não entraram na divisão[308], e também não entraram as ações prejudiciais - prejudicia. - Quanto à estas se diz, que se assemelham às ações in rem; mas não se diz que pertençam a este gênero de ações[309].

Ainda mais, em alguns fragmentos falou-se de ações pessoais in rem scriptae; e daí resultou considerar-se como ações pessoais algumas, que competem contra todo o possuidor[310]; e como ações reais outras, que se diz só competirem contra certos possuidores, e cujo fundamento não é só o jus in re[311]. Além disto há as ações, que se tem chamado - mixtas -[312].

Essas denominações de ações, que passaram para as legislações e jurisprudência modernas, e principalmente a analogia da actio in rem - com os - prejudicia -, tem ocasionado a confusão dos direitos reais com os direitos absolutos, tem alterado as noções fundamentais, e dão o motivo de não ter prevalecido a classificação fundada na diferença capital dos direitos reais e dos direitos pessoais.[313]

Dissipem-se ideias tradicionais, medite-se livremente sobre a natureza dos direitos, apliquem-se os princípios precedentemente fixados; e ver-se-á, abandonado como tem sido o processo formulário dos Romanos, que não há outras ações possíveis, na esfera do Direito Civil propriamente dito, senão as ações reais e as ações pessoais, que precisamente correspondem às duas grandes categorias dos direitos reais e dos direitos pessoais. A ação nasce do direito, dele descende, e nele se confunde. Em uma palavra, a ação é o direito posto em movimento[314].

Os interditos que protegem a posse são hoje as ações pessoais possessórias, de que já falamos[315]. As ações prejudiciais estão reduzidas à meras habilitações, alegações de legitimações de partes, questões de Estado, e quando muito à ações preliminares de outras ações[316]. As ações in rem scriptae, e as chamadas ações mixtas, são tão impossíveis, como impossível fora a existência de direitos mixtos, isto é, que fossem a um tempo reais e pessoais[317].

Esta aliança, ou mistura, de realidade e personalidade, não pode compreendida, uma vez que os dois caracteres, que constituem de um lado o direito real, e de outro lado o direito pessoal, são entre si contrários e incompatíveis. A situação possível, e mesmo muito frequente, é só a da pessoa, que tem ao mesmo tempo, em relação a um objeto, um direito de propriedade, e também um direito de crédito; e debaixo deste ponto de vista unicamente é que poder-se-á dizer, que existem ações mixtas, ou pessoais in rem scriptae[318].

Meditadas as diferentes hipóteses dessas ações assim denominadas, chega-se a conhecer, que nelas se contém, não um só direito, ou uma só ação, cujo caráter seja duplo e complexo; mas uma realidade dois direitos, e duas ações, que simultaneamente pertencem a mesma pessoa em relação a mesma coisa[319]. O caráter principal, e essencial, do direito deve ser o predominante, e este determina a natureza da ação.[320]

RELAÇÕES ECONÔMICAS

A civilização moderna, que tanto se distingue por seus admiráveis progressos na carreira dos melhoramentos materiais, alimenta-se com a livre circulação dos capitais, reclama imperiosamente o movimento constante de toda a sorte de valores. E quais os fenômenos, que se manifestam na realização desse destino providencial?

As transações, que se operam seio da sociedade, distribuem os instrumentos da produção por todos os ramos de atividade; os capitais aproximam-se a todas as necessidades, para que tenham uma direção mais fecunda; e o poderoso motor dessa  rotação contínua é o - crédito -. Com seu impulso os capitais fixos transformam-se em capitais rolantes[321], e o comércio e a indústria reproduzem quotidianamente suas forças.

Crédito pessoal, crédito real, são as duas potências paralelas às duas grandes classes de direitos, que constituem toda a riqueza nacional. O primeiro funda-se na confiança pessoal, e, por isso mesmo que prescinde de uma garantia exterior, funciona ordinariamente com a propriedade móvel, que segue a pessoa, e presta-se a uma circulação rápida[322]. O segundo, visto que só se refere a objetos materiais, sem lhe importar a qualidade da pessoa, tem por objeto a propriedade imóvel, a grande propriedade, a propriedade por excelência, cuja natureza intrínseca só lhe pode fornecer condições apropriadas.[323]

Com o primeiro o comércio e a indústria florescem em quase todos os países. Sem o segundo a agricultura definha, e luta com os embaraços mais graves. Nosso país é agrícola, e o desenvolvimento de seus grandes recursos naturais, a mobilização do seu solo[324], a circulação dos imensos valores, que ele encerra, eis o mais importante problema a resolver.

O crédito pessoal, - crédito móvel, não tem objeto intermediário, é de pessoa à pessoa, nada teme dos direitos reais, posto que lhe possam ser bem funestos; e particularmente reclama uma legislação convinhável, que facilite, e assegure, a pronta execução dos contratos[325]. O crédito real, - credito imóvel -, repousando sobre a propriedade territorial - solum et res soli -, que é a verdadeira sede dos direitos reais, tudo deles receia, e carece de que essa propriedade seja constituída e regulada pelo modo mais conducente a não comprimi-lo, senão também a desenvolvê-lo e a facilitá-lo[326].

É assim que a teoria dos direitos pessoais, e direitos reais, também aparece na cena econômica. É assim que ela corresponde à teoria do crédito. É assim que o Direito Civil[327] se liga à ciência das riquezas. E pelo meditado estudo destas combinações é que o país tem a esperar grande benefício do Código Civil, que a sua magna Carta lhe há prometido[328].

As relações humana, que na esfera da Ciência Jurídica são consideradas fatos, a que cabe aplicar uma regra de direito, mostram-se na esfera da Ciência Econômica como veículos de produção, distribuição, e consumo, de riquezas, - como trocas de objetos da natureza física, sem as quais não pode o homem satisfazer suas necessidades, nem desenvolver as aspirações do seu gênio.

Nos rudimentos do comércio essas transações começam por trocas do supérfluo; passam a ser depois, pela ideia da divisão do trabalho, que as multiplica, trocas diretas de produtos; convertem-se progressivamente, com a introdução da moeda, em trocas indiretas; e recebem finalmente um novo e soberano impulso com o desenvolvimento da noção do crédito, isto é, com a expansão da confiança nas pessoas, e nas coisas, elementos de todas a relações.[329]

Se o crédito pessoal pressupõe o vínculo individual das obrigações, o crédito real não se concebe sem a ideia dos direitos reais, que afetam imediatamente a propriedade imóvel. Quanto a esta última classe de direitos, nós já vimos que a duas manifestações se deve atender, uma necessária, que é a do domínio - jus in re propria -, e outra contingente que é a dos mais direitos reais - jura in re aliena -[330]. Agora quanto ao crédito real, atenda-se também em primeiro lugar ao domínio; em segundo lugar aos outros direitos reais, e sobretudo ao da hipoteca. Eis a mais alta teoria do crédito privado[331].

Desta maneira, nós partimos a priori da noção dos direitos reais, e achamos a do crédito real em sua maior generalidade, e com a possibilidade de todo o seu desenvolvimento desde a infância das sociedades até o grau mais aperfeiçoado.

Não é porém assim, que os Economistas a consideram. Eles tomam o crédito real como sinônimo de confiança em relação aos empréstimos caucionados por hipotecas[332], e limitam ainda mais o sentido da expressão, aplicando-a particularmente à criação de estabelecimentos bancários destinados facilitar tais empréstimos[333]. Desta outra maneira, e partindo a posteriori dos empréstimos hipotecários, chega-se às mesmas ideias, e as consequências são as mesmas.

Dada a noção da hipoteca convencional, como base do crédito real, e para que a confiança do credor não seja ilusória, isto é, para que ele tenha a certeza de ser pago pelo imóvel hipotecado, duas condições são necessárias:

1º Que esse imóvel pertença ao devedor, e seja disponível em suas mãos.

2º Que o valor desse imóvel, vencido o prazo do pagamento, não seja distraído, diminuído, ou alterado, por motivo de encargos, que, desconhecidos ao tempo do Contrato, não tivessem podido entrar nos cálculos do credor[334].

Ora, para que seja satisfeita a primeira condição, a ideia da hipoteca mostra-se logo como essencialmente ligada à ideia do domínio, e sua transmissão. E para que se preencha a segunda condição, a hipoteca nos conduz também à consideração dos direitos reais de igual natureza, e de todos os outros direitos reais. Eis porque, diz muito bem Troplong[335], o que repetem todos os Escritores Franceses[336], não se pode conceber um bom sistema hipotecário, sem coordená-lo com o direito que preside a transmissão da propriedade.

Este aspecto porém é acanhado, e não o que resulta de um amplo estudo da matéria. O crédito real é necessário, e pode existir, independente de instituições bancárias, que aliás podem depois desenvolvê-lo prodigiosamente[337]. O crédito real seria necessário e poderia existir, independente mesmo dos empréstimos hipotecários, e ainda quando a propriedade imóvel fosse apenas suscetível de transmissões do domínio, sem alguma separação em qualquer sentido dos direitos elementares que o constituem[338].

Ou se considere, portanto, o crédito real em toda a generalidade da sua concepção, ou se o encare particularmente em relação ao regime hipotecário, não sofre dúvida que o fato mais importante, e ao mesmo tempo o fato primário, vem a ser o da transmissão da propriedade imóvel. Este fato deve preceder aos outros, até pela razão da grandeza jurídica do direito do domínio, que está para os outros direitos reais, como o todo está para suas partes, como a unidade para as frações[339].

Há nestas mutações, desde a sua causa geradora até seu complemento, duas relações distintas, que não se deve confundir. A primeira entre o proprietário e o adquirente. A segunda entre o proprietário e terceiros; ou antes entre o ato da transmissão da propriedade e a sociedade inteira. A primeira relação é a do direito pessoal, e de interesse privado; a segunda é a do direito real, e de interesse público. O direito pessoal não ultrapassa os limites da obrigação, que o constitui; o direito real é absoluto, obriga a todos, e pode ser alegado contra todos.

Pela natureza das coisas, por uma simples operação lógica, por um sentimento espontâneo de justiça, pelo interesse da segurança das relações privadas a que se liga a prosperidade geral, como se queira dizer, decide-se de pronto, que o direito real deve-se manifestar por outros caracteres, por outros sinais, que não os do direito pessoal; e que esses sinais devem ser tão visíveis, tão públicos, quanto for possível. Não se concebe que a sociedade esteja obrigada a respeitar um direito, que ela não tem conhecido.

Eis a razão filosófica do grande princípio da tradição, que a sabedoria dos Romanos tem fixado, as legislações posteriores reconhecidas, e que também passou para o nosso Direito Civil. Penetrou-se a natureza do ato da transmissão da propriedade, atendeu-se às condições da vida social.

Analisando o fato da transmissão realizada, - da aquisição da propriedade em virtude da transmissão feita pelo seu proprietário -, há uma linha a percorrer com seus dois pontos extremos. A partir do extremo posterior acha-se a posse do novo proprietário, que é a propriedade em exercício; antes dela, a entrega física da coisa (tradição), que fizera o antigo proprietário; e antes desta, a causa primordial da intenção comum de transferir e adquirir a propriedade. A partir do extremo anterior acha-se o concurso de vontades do que transmite, e do que adquire; depois dele, a entrega da coisa; e depois desta, a propriedade efetivamente adquirida.

O fato intencional, a simples manifestação da vontade, é título de adquirir[340]. O fato material, a tradição, a posse, é o modo de adquirir[341]. Aquele produz o direito pessoal somente[342], este o direito real[343]; e por tal maneira fiçam estas duas classes de direitos bem discriminadas em sua própria nascença. Note-se porém, que, se o direito pessoal pode existir sem a tradição[344], e sem o direito real. que ela opera, a tradição ao contrário só por si não confere o direito real[345], visto que sempre pressupõe (causa praecedens) o direito pessoal com a sua correlativa obrigação de transferir o domínio[346].

Segundo as ideias da civilização aperfeiçoada, não diremos, que o fato da tradição no Direito Romano houvesse sido estabelecido por motivo do que atualmente chama-se crédito. Mas não diremos igualmente, que esse fato, de que se fez depender a transmissão do domínio, fosse enxertado na legislação, como formalismo inútil, e até prejudicial, sem razão jurídica de existência[347].

O que se pode justamente arguir à tradição é, que, como sinal indicador da translação do domínio quanto aos imóveis, ou meio de publicidade, longe está de ser um expediente satisfatório; e tanto mais porque o fato da posse tem sido separado da propriedade, e não demonstra sempre a consequência e exercício desta[348]. Não se pode, porém, negar, que o fim da tradição foi realmente a necessidade de uma advertência sobre as mutações da propriedade, e por conseguinte a confiança de terceiros[349]. A história do Direito Romano, e de todas as legislações, sobejamente o provam.

Todos sabem que a tradição no Direito Romano substituiu a emancipação (mancipatio)[350] e a cessão jurídica (in jure cessio)[351], à proporção que foi desaparecendo a antiga diferença entre res mancipi e res nec mincipi, finalmente abolida por Justiniano[352]. Esses dois atos, pelos quais alienava-se ou transferia-se o domínio dos bens mais importantes, eram soleníssimos, da maior publicidade, e não exigiam a presença da coisa, quando esta era imóvel[353]. E que prova mais evidente, de que se havia sentido necessidade, não de uma transmissão material de mão à mão, mas de um signal exterior e publico, que revelasse à sociedade a mutação da propriedade?[354]

Todas as legislações, com variedade de fórmulas, tem ligado a translação do domínio de imóveis, e dos direitos reais, a fatos bem positivos, e conducentes a fazer notórios esses direitos, dando-lhes certa publicidade. O antigo Direito Germânico tinha muitas solenidades sacramentais, que imitavam a mancipatio das leis Romanas[355]. No regime feudal encontra-se o vest e devest, dessaisine e saisine; e estas formalidades conservaram-se em muitos costumes de vários lugares da Alemanha, Bélgica, e mesmo da França, que foram chamados países de nantissement, onde os imóveis só eram transferidos pelo que denominava-se - obras da lei -[356].

Desaparecendo as - obras da lei - com a abolição do feudalismo em França, onde a famosa Revolução de 1789 mostrou-se implacável com as antigas instituições em todas as suas formas e vestígios, uma regra fecunda de publicidade dos direitos reais foi estabelecida na Lei de 11 Brumaire ano 7°, que impediu os desastres da louca especulação das céulas hipotecárias - coupons -, de que fora causa a primeira Lei de 9 Messidor ano 3º.[357]

Antes dessa legislação intermediária a jurisprudência francesa (com exceção das províncias mais impregnadas das ideias do Direito Germânico) havia geralmente adotado como meio legal para o transporte da propriedade, a tradição das leis romanas; mas este grande princípio estava enfraquecido, e achava-se quase neutralizado. A tendência dos ânimos para a facilidade das transações, o amor da simplicidade, haviam já introduzido vários modos de tradição, que se chamou simbólica[358], e ficta[359]; resultando esta última até de uma simples enunciação de palavras - constituto possessorio expresso -[360], quando não era a consequência necessária das cláusulas dos contratos de venda, doação, e outros semelhantes, - constituto possessorio tacito -[361].

Assim como a tradição havia substituído os atos solenes e públicos da mancipação, e cessão jurídica; a tradição nominal subsituiu a tradição real[362], e tornou ilusória a regra - traditionibus dominia rerum, non nudis pactis transferuntur -[363]. Foram apenas excetuadas as tradições nos casos de doação, as quais ficarão dependendo da formalidade da - insinuação -[364]. Eis o estado em que se achavam as coisas, quando o Código Civil da França admitiu, que a propriedade fosse transmitida só por efeito do consentimento das partes, e sem necessidade de algum ato exterior[365].

Confundiu-se desta maneira, e logo em sua origem, o direito pessoal com o direito real; e para esta confusão muito contribuiu uma bela doutrina, que principiou em Grocio[366], e foi depois reproduzida por muitos Escritores de Direito Natural[367]. Ocorre ainda que, sendo o direito pessoal o meio mais comum para chegar a adquirir o direito real, e parecendo que este é o produto ou resultado daquele, sua natural dependência tende a ofuscar a diferença entre um e outro.

No Contrato de venda, por exemplo, compete ao comprador o direito pessoal, para que o vendedor lhe entregue a coisa vendida; e esse direito portanto vem a ser o meio, pelo qual a coisa vendida terá de ser transferida para o domínio do comprador. A coisa não será do domínio do comprador, sem que o vendedor satisfaça a obrigação de entregá-la.

Estabelecido pois o direito pessoal, de onde tem de resultar a transmissão da propriedade, e pois que a fé dos Contratos deve ser mantida, muitos espíritos não quiseram ver mais nada; e deram logo a propriedade como transmitida, e como adquirida, só pelo simples poder do concurso de vontades em um momento dado. Tomou-se a propriedade em seu elemento individual somente, não se atendeu ao seu elemento social[368]; contou-se com a boa-fé das convenções, como se a má-fé não fosse possível, ou não pudesse prejudicar à terceiros[369].

As coisas, que se convenciona transmitir, é possível que não sejam transmitidas; e a mesma coisa pode ser vendida a duas diferentes pessoas[370]. Se o Contrato basta, independente de qualquer manifestação exterior da transferência do domínio, o segundo comprador pode em boa-fé transmitir também à coisa, que assim irá sucessivamente passando a outros. Aí temos um conflito de direitos, aí temos uma colisão, onde aparece de um lado o interesse de um só, e do outro lado o interesse de muitos. Deve-se ser indiferente à constante incerteza do direito de propriedade, e ao abalo de todas as relações civis? Se este mal não pode ser no todo desviado, não convirá evitá-lo o mais que for possível?

A inovação do Código Civil da França foi tão inesperada, tão perigosa, tão oposta à boa razão, que por muito tempo duvidou-se, de que houvesse derrogado o regime da Lei de 11 Brumaire ano 7º[371]. Troplong, Martou, e muitos outros Jurisconsultos, não deixam de confessar, que esta mudança tão grave foi sorrateiramente introduzida, sem a discussão especial e profunda que ela reclamava. Mesmo assim, quanto a bens móveis, o novo princípio não teve aplicação[372], e quanto aos imóveis foi aplicado com restrições[373].

Em vão, portanto, como se tem com razão censurado[374], o legislador Francês proclamou seu princípio de transmissão da propriedade só por efeito das convenções; pois que a força das coisas obrigou a viola-lo em relação aos móveis, e a não mantê-lo relativamente aos imóveis senão por meio de disposições contraditórias e incompletas, que expuseram a propriedade territorial, e a garantia hipotecária, à incertezas e perigos tais, que a segunda geração sentiu a necessidade de reformar radicalmente a legislação nesta parte.

Aquilo que desde logo não se havia conhecido pela fascinação de um princípio belo na aparência, por isso mesmo que fazia realçar o poder da vontade humana, veio-se a conhecer depois pelas exigências econômicas de um bom regime hipotecário. Em verdade, o sistema hipotecário do Código Civil Francês ficara profundamente viciado, desde que se confundiu os direitos pessoais com os direitos reais. Era uma anomalia, e uma providência inútil, manifestar-se ao público o direito real da hipoteca, quando o primeiro direito real, fonte de todos os outros, não tinha a mesma publicidade[375], e nos casos mais frequentes[376].

A Lei Francesa de 23 de Março de 1855 realizou a reforma tão desejada por todos os Jurisconsultos[377], restaurando e melhorando o regime hipotecário da Lei de 11 Brumaire ano 7º, e antes disto o mesmo já havia acontecido na Bélgica por virtude da Lei de 16 de Dezembro de 1851.

Todavia ainda hoje se diz, que a formalidade da transcrição nos registros hipotecários dos atos translativos ou declaratórios de direitos reais sobre imóveis é só necessária em relação à terceiros, mas não em relação às partes contratantes; e que subsiste portanto em toda a sua força o - filosófico e moral - princípio do Código Napoleão! Tem-se dado ao Direito Francês uma fisionomia singular, da qual não sequer que ele seja despojado[378].

Não é possível condescender com os admiradores dessa tão venerada teoria, e na atualidade felizmente todo o seu valor acha-se reduzido a um mero aparato de palavras, que não tem alguma significação prática. Tendo-se reconhecido a necessidade de um fato externo como indicador legal da transmissão da propriedade, não descobrimos razão alguma, pela qual, em relação às partes contratantes se deva seguir o princípio oposto da transferência do domínio só por efeito do consentimento. Não vemos, que esse princípio seja aplicável à qualquer caso, quando as relações entre as partes contratantes ficam perfeitamente acauteladas com o vínculo das obrigações.

Se o vendedor conserva a coisa vendida em seu poder, não a entregando ao comprador, tem este sua ação pessoal para exigi-la; não se faz necessário atribuir-lhe domínio, para que tenha uma inútil ação de reivindicação[379]. Se, não tendo havido tradição, a coisa vendida passa sem vício para a posse do comprador, nega-se ao vendedor e a seus herdeiros e representantes, o direito de reivindicá-la[380]. Se se tem de regular a perda e risco da coisa vendida antes da sua entrega, também não será preciso converter o comprador em proprietário, para aplicar-lhe a regra - res suo domino perit -; quando existe a outra regra, que livra dos casos fortuítos a todo o devedor de um corpo certo - debitor rei certae ejus interitu liberatur -[381].

E como se concebe que o direito real só possa existir para com um indivíduo? O domínio é por sua essência um direito absoluto, e quando se lhe nega este caráter, certamente não existe domínio[382]. Se o vendedor desde o momento do contrato tem perdido o domínio da coisa vendida, não se concebe também, que ele validamente a possa vender segunda vez a outra pessoa, só porque o primeiro comprador não foi diligente em fazer transcrever seu título nos registros hipotecários.

O nosso Direito não luta com tais incoerências, e outros obstáculos, do Direito Francês, que possam agora impedir a perfeição e harmonia do projetado Código Civil. Reina o salutar princípio da tradição, a que estão igualmente sujeitas a transmissões da propriedade móvel, e imóvel[383]; os direitos pessoais e os direitos reais não se confundem; e não haverá inovação radical, se a tradição dos imóveis for feita por modo uniforme, solene, e bem notório, qual o da inscrição ou transcrição nos registros públicos.

Com esta boa teoria, o Direito Romano também nos legou o detestável sistema das hipotecas ocultas; e o vício deste sistema (se tal nome se lhe pode dar) foi o que primeiro desafiou nossa atenção. Em 1834, por ocasião do Projeto do atual Código do Comércio, procurou-se logo atenuar o mal, mandando-se lançar no registro público do comércio todas as escrituras de hipoteca, pena de não produzirem efeito algum contra terceiros. Esse Projeto passou a ser lei em o ano de 1850, mas neste intervalo criou-se um - registro geral de hipotecas - pelo Art. 35 da Lei de Orçamento de 21 de Outubro de 1843, e regulou-se esse registro pelo Decreto de 14 de Novembro de 1846. Resultou daí a inútil duplicata de registros, sobre que providenciara o Decreto de 7 de Dezembro de 1853.

Coube ao laborioso Ministro da Justiça o Sr. Nabuco de Araújo a glória de propagar no país as novas ideias, que hoje dominam a matéria das hipotecas em harmonia com os progressos da ciência. Seu Relatório de 1854 lançou as primeiras sementes, fez compreender a urgência da reforma hipotecária, a necessidade de fundar o crédito territorial sobre a base da hipoteca. O pensamento cardeal do seu Projeto, apresentado ao Corpo Legislativo na Sessão de 25 qe Julho do mesmo ano[384], foi a publicidade das hipotecas, e com ela a de todas as transmissões de imóveis por títulos entre vivos, e instituições de direitos reais.

Uma Comissão especial da Câmara dos Deputados examinou esse Projeto, e seu parecer[385] abundou nas mesmas ideias, e até as excedeu, opinando que a transcrição no registro público dos títulos de transmissão dos imóveis devia ter um valor ainda maior, do que se lhe dera no Projeto.

“A transcrição (segundo o Projeto) não induz a prova do domínio, que fica salvo a quem for” - A transcrição (disse a Comissão) deve importar a prova da propriedade, e não uma presunção; logo que ela é recomendada e obrigatória[386]. Parece de lógica rigorosa, e ao mesmo tempo conveniente, para afastar meios de fraude, que sempre a má-fé procura e consegue descobrir, que se lhe dê a importância de verdadeiro título.”

No pensar de um dos Oradores daquela Câmara, a medida da transcrição liquidaria a propriedade para o futuro, deixando-a porém no mesmo estado quanto ao presente, e ao passado, com todas as variadas causas de complicação e incerteza[387]. No entender de outro, as dificuldades, ainda que grandes, poderiam ser vencidas por um regulamento provisório, purgando-se a propriedade, e aproveitando-se a predisposição da Lei das terras públicas[388].

Não é estranho, que, pelo empenho de fundar o crédito territorial, os espíritos tanto propendam para a ideia da - certeza legal da propriedade. - Se a simples transcrição dos títulos de domínio, e dos constitutivos de direitos reais, fosse suscetível de tranquilizar perfeitamente o credor hipotecário, como não desejar que tal solenidade importe a prova irrecusável do estado da propriedade imóvel? Eis como se explicam as aspirações manifestadas na Sessão Legislativa de 1854, e 1855, e ainda outra razão as justifica.

Tal inovação não é um esforço racional, é já um fato, uma instituição reinante, cujos benefícios a experiência confirma. Aí estão as leis hipotecárias da Prússia, Áustria, e de quase todos os Estados da Alemanha, que falam em seu favor. Os Economistas, e alguns Jurisconsultos Franceses, cujos escritos nos são familiares, encarecem no último ponto a bondade da legislação desses países, aplaudem seus grandes resultados em relação ao crédito dos imóveis, e aos bancos públicos que o mantém no pé mais favorável. Assim é, porém o assunto requer muita meditação, e muita prudência.

Será possível estabelecer entre nós o sistema hipotecário do Direito Germânico, para que toda a propriedade imóvel fique legitimada e consolidada, tendo os seus registros, como os tem, ou pode ter, o estado civil das pessoas? Será possível ao menos liquidá-la mais tarde, lenta e gradualmente, ou depois de um tempo dado? Será possível purgá-la ou remi-la ocasionalmente do perigo das reivindicações e evicções imprevistas, como se costuma remi-la das hipotecas? Ou devemos limitar-nos à transcrição pública dos futuros títulos como um meio de tradição dos imóveis, e condição legal da transmissão de todos os direitos reais?

O que muito convém é, que se conheça a fundo as peculiares vantagens de cada um dos sistemas, e as suas contrariedades, para que não se espere dele resultados que não lhe competem, nem se lhe queira dar uma extensão impossível.

Sendo feita a inscrição ou transcrição por meros oficiais públicos, - funcionários inteiramente passivos -, não passará de um ato puramente material, de uma simples cópia literal ou por extrato dos títulos de transmissão de domínio entre vivos, ou da constituição de direitos reais. Ora, adotada esta providência, os registros públicos farão sempre conhecer as alienações que se forem realizando, e os encargos consentidos por aquele, que reputa-se proprietário; mas não fornecerão provas do estado certo da propriedade, não serão o sinal infalível, por onde os mutuantes e adquirentes possam conhecer a legitimidade do domínio, e a disponibilidade dos imóveis.

Um ato de alienação não constitui a prova do direito de quem aliena, nem por conseguinte do direito de quem adquire, pois que ninguém transmite mais direitos do que tem. Como saber se o vendedor do imóvel é seu legitimo e verdadeiro proprietário? Investigando-se a genealogia da propriedade, a sua filiação de título em título, pode-se chegar a uma grande probabilidade, e raras vezes à certeza completa. Além disto, os títulos podem conter variados encargos, podem ser anuláveis por vícios intrínsecos da falta de capacidade legal dos contraentes, e da falta de consentimento, já pelos vícios de forma.

Acresce ainda, que a propriedade não se adquire somente pela transferência feita por legítimos proprietários. Ela também se adquire por uma posse contínua, posse jurídica (civilis possessio), com a adjunção de certas circunstâncias (justuts títulus - bona fides); e esse meio de adquirir pressupõe a propriedade transferida por quem não era proprietário verdadeiro - a non domino -. Falamos da - prescrição -, dessa filha do tempo e da paz, - patrona do gênero humano -, de que todas as legislações não têm podido prescindir.

A propriedade seria uma fonte de inquietações, o mal seria grande, se a prescrição não cobrisse com seu manto protetor todos os defeitos das aquisições ilegítimas e viciosas. Eis um outro campo para novas investigações. O tempo da posse teria sido suficiente para prescrever? Seria a posse acompanhada de boa-fé? Teria sido a prescrição interrompida ou suspensa?

O domínio é sempre difícil de provar-se, a propriedade perde-se na noite dos tempos, e a prescrição não bastou para tranquilizar as relações da vida civil. A sociedade, e seus legisladores reconheceram a necessidade de contentar-se com a - propriedade putativa - dando-lhe toda a força de - propriedade verdadeira -. Seria duro, que o adquirente de boa-fé se achasse exposto às pretensões de qualquer usurpador temerário, entretanto que seu domínio estava em germe, e só dependia da consagração do tempo. Fingiu-se, pois, que o prazo da prescrição já estava completo, e essa propriedade nascente, essa propriedade presumida, foi protegida por uma ação especial[389].

Se tal é o estado da nossa propriedade, se a propriedade putativa deve ceder à propriedade verdadeira, do mesmo modo que toda a presunção deve ceder à verdade, se o título mais débil sucumbe em presença do melhor título, como se pode dar à transcrição do registro hipotecário a importância de verdadeiro título? O registro público da propriedade atual, por ocasião de suas transferências inter vivos, irá preparando um quadro sempre incompleto da propriedade imóvel, tal qual ela existe; mas não a purgará, não a liquidará para o futuro; por isso mesmo que a não liquida quanto ao presente e ao passado.

Se essa transcrição de per si não tem, nem pode ter, força de verdadeiro título, uma vez que não aumenta o valor do título já existente; se apenas fixa na cabeça do adquirente os mesmos direitos que tinha seu antecessor; um simples registro, cadastro, ou recenseamento geral da propriedade imóvel, qual o tentado pelo Regul. de 30 de Janeiro de 1854[390], ou outro dirigido com melhores bases, também de per si nada predisporia para a liquidação e certeza dos domínios. Esse cadastro refere-se mais à coisa do que à pessoa, isto é, não designa nem a segura ao proprietário, à quem a coisa verdadeiramente pertence, todos os encargos que a oneram; e por conseguinte não pode dar em resultado uma exata conta corrente de toda a propriedade imóvel do país.

O cadastro, que serve de base ao sistema do Direito Germânico, liga-se intimamente ao registro geral de todos os imóveis com os direitos reais que os afetam, ou, antes, vem a ser esse mesmo registro[391]; e desta maneira ele contém a prova oficial, e o título irrecusável de toda a propriedade. Constituem o direito de propriedade as inscrições, e averbações, desse grande registro.

Dado esse sistema em um país, deve-se crer que a propriedade acha-se completamente liquidada, sem o que não haveria a certeza que ele oferece, ou que se lhe atribui; e também se deve supor a necessidade de uma constante vigilância, para que tal certeza se conserve em todo o ulterior movimento da propriedade. A introdução desse regime portanto em um país como o nosso, onde o domínio é incerto, e apenas presumido na maior parte dos casos, forçosamente depende de uma primeira operação, que vem à ser a liquidação de todos os imóveis, a consolidação da propriedade, e a sua purgação ou depuração de todos os direitos e pretensões eventuais, que a fazem duvidosa.

A menos que um golpe de poder arbitrário cortasse o nó de tantas dificuldades, em vez de removê-las com a mais escrupulosa apreciação nos direitos de cada um, e de todos, fora mister para execução do plano abalar a sociedade por seus fundamentos, chamar à contas um país inteiro, e perturbar todas as relações civis por meio de uma revolução sem exemplo. Também se oporiam a essa vã tentativa as primeiras ideias sobre a ordem judiciaria. Como obrigar-se a pleitear o proprietário verdadeiro, ou suposto, que não foi por ninguém inquietado? Como obrar o poder judicial, sem que o interesse de partes venha solicitar sua intervenção?

A manutenção de tal sistema, se fosse possível a legitimação da propriedade, lutaria com a mesma ofensa de princípios, e daria lugar aos gravíssimos inconvenientes do regime germânico. O registro das mutações futuras não poderia consistir somente em uma transcrição material por intermédio de um oficial público, mera testemunha instrumentária; mas deveria ser o efeito de um exame preliminar, e muito rigoroso, dos títulos que se apresentassem.

Para que assim fosse, as delicadas funções desse exame justificativo seriam confiadas à uma magistratura, à juízes que conhecessem da verdade dos atos, e da sua forma; transformando-se destarte a sua jurisdição voluntária em contenciosa, e submetendo-se a vontade livre das partes contratantes a uma autoridade, que elas não tem reclamado.

Iguais inconvenientes teria a lenta e gradual depuração da propriedade, à medida que fosse passando pela fieira de translações futuras; e no mesmo caso estaria a purgação dentro do tempo maior que a lei tem marcado ou houvesse de marcar para a prescrição aquisitiva. Pelo nosso Direito a prescrição de trinta anos (longíssimo tempo) não depende da existência de título, bem que o possuidor de má-fé em tempo nenhum pode prescrever[392]; mas por outras legislações não se pode opor a prescrição trintenária nem a falta de título, nem mesmo a do requisito de boa-fé[393].

Concebe-se este último expediente sob a ideia de que, passado o maior tempo da prescrição, a propriedade que não se houvesse transmitido, e que portanto não tivesse sido examinada e liquidada, estaria prescrita em mão de seus possuidores desde a época da lei; entretanto as prescrições dormem[394], e também podem ser interrompidas[395]. Além disto, para que não houvessem lacunas na história cadastral do movimento da propriedade, fora preciso também não dispensar as aquisições por título causa-mortis, ao que se opõe o interesse público da pronta devolução das heranças[396].

Como, não tendo maior inconveniente, poder-se-ia admitir uma purgação facultativa, por ocasião das alienações, e contratos hipotecários; criando-se pouco e pouco, ao lado da propriedade incerta, uma propriedade remida e certa, e só dependente de um curto prazo de prescrição. Quem adquirisse com esta precaução, ou quem emprestasse sobre hipoteca, teria a segurança de que o imóvel pertencia a seu antecessor ou devedor, sem estar sujeito a essas evicções inopinadas, cujo perigo será sempre inimigo do crédito.

Não seria sem exemplo esse meio de purgar a propriedade, e torná-la incomutável. As antigas leis da Bélgica o permitiram[397], e um costume da Bretanha (Província da França) também havia admitido com o nome particular de - appropriance - o mesmo sistema de proteção à propriedade, e firmeza de suas aquisições[398]. Esta usança tão salutar, abolida pelo art. 56 da lei de 11 Brumaire ano 7º, tinha alguma semelhança com o decreto voluntário do antigo Direito Francês, depois substituído pelas cartas de ratificação; porém produzia efeitos mais extensos, libertando os imóveis, não só das hipotecas, senão também de todos os direitos reais, ainda que fosse à título de domínio[399].

Em nosso Direito nós temos dois modos para remir a propriedade dos encargos hipotecários[400], e se essa remissão é possível quanto ao direito real da hipoteca, não deixa de sê-lo quanto aos direitos reais por título de domínio. Os créditos hipotecários, como diz Grenier[401], também são propriedade.

Quando são conhecidos os credores do vendedor do imóvel, e podem ser pessoalmente avisados, não há inconveniente algum, pois que o fim da hipoteca é o pagamento; porém, no caso da incidência deles, ou porque não sejam intimados[402], ou porque só o - sejam por editais em razão de não serem conhecidos[403], é provável, que hajam muitas preterições injustas.

Quanto aos direitos hipotecários, os credores são sempre desconhecidos no sistema de hipotecas clandestinas, e o são em grande parte no sistema da publicidade incompleta. Todavia o Código Civil Francês, assim como admitiu a remissão das hipotecas inscritas, de que é um prelúdio a transcrição dos contratos translativos da propriedade imóvel[404], não hesitou em facultar meios para remissão das hipotecas legais dos menores e mulheres casadas, que aliás são dispensadas da inscrição[405].

Os direitos por título de domínio, que não se conhecem, acham-se nas mesmas circunstâncias dos hipotecários não registrados; e não se pode negar que há injustiça em fazer depender a existência de direitos legalmente adquiridos da fortuita notícia de uma proclamação[406]. Ainda há outro inconveniente nesse modo de consolidar a propriedade, inconveniente que provocou sua rejeição por parte dos sábios organizadores do Projeto de lei relativo à aquisição, conservação, e publicidade, dos direitos reais sobre imóveis no Cantão de Genebra[407].

Nossas antigas leis (diz-se na Exposição de motivos desse Projeto)[408] davam esta segurança com o socorro das - subastações -. Aquele que comprava com as formalidades  próprias dessa espécie de venda, ficava garantido de toda a evicção. Posto que as subastações não tivessem sido empregadas senão para as desapropriações forçadas, elas tornaram-se, por um desvio de sua instituição primitiva, o meio frequentemente empregado para realização das vendas puramente voluntárias.”

Mas, se por este meio alcançava-se a segurança do comprador, era por um preço, que lhe tirava todo o merecimento. Aquele, que fazia pôr em venda, podendo envolver os prédios do vizinho com os do alienador, esse vizinho, que nada sabia, não obstante as formalidades da hasta pública, ficava privado da faculdade de reivindicar o que era incontestavelmente sua propriedade. Assim pois, estava-se em segurança como adquirente, mas incessantemente exposto como proprietário.

O sistema hipotecário germânico será elogiado por aqueles que só o conhecem na aparência[409]. Derivado das antiguidades feudais, medrando em países de longa mão preparados, onde a propriedade territorial consta de grandes domínios, não  diversa, cujo território tende progressivamente à retalhar-se por efeito das sucessões hereditárias. Com dados opostos aos daquele sistema, o registro hipotecário, em correlação com o cadastro, acompanhando as divisões materiais e jurídicas da propriedade imóvel, seria uma montanha de papéis, um dedalo de livros.

Repousa tal sistema, em que o magistrado pode, e deve, previamente examinar a força obrigatória dos contratos, seu conteúdo, sua forma, e os direitos de terceiros, que nada reclamam. Conceda-se que esse preliminar exame tem vantagens, pois que pode prevenir alguns abusos; entretanto, como não se oferece corretivo contra omissões possíveis, como há o gravíssimo inconveniente das protelações, deve-se dar preferência à plena liberdade das alienações e transcrições, salvos os direitos de terceiro. A liberdade individual, vantagem mais preciosa da sociedade, repele tantas formalidades, dispensa tanta vigilância e supremacia.

Se o sistema germânico, fixando a certeza da propriedade, proporciona ao crédito real as mais sólidas garantias, não se segue que seja possível transplantá-lo, e que não tenha também suas vantagens peculiares à bem do crédito o sistema da Legislação Francesa de 1779 (l1 Brummaire ano 7º), ultimamente restaurado na própria França, e na Bélgica. Nem todos podem tudo. Nas partes da Alemanha, onde a propriedade territorial é fracionável, e tem mais vida, a sabedoria dos legisladores evitou que o sistema germânico fosse introduzido. O mesmo aconteceu na Baviera Rhenana, e nas Províncias Rhenana da Prússia.

O sistema da transcrição como ato concomitante das convenções, para operar a transmissão dos imóveis, e atribuir direitos reais, se não purifica a propriedade, pelo menos a expõe à luz da publicidade no estado em que se acha, preenche completamente o fim da tradição, separa os direitos reais dos pessoais, e impede os estelionatos, isto é, as fraudes das alienações e hipotecas duplicadas, da alienação do que já está hipotecado, da hipoteca do que já está alienado, e da alienação e hipoteca de imóveis como livres, quando já estão onerados de direitos reais, além de outros enganos no mesmo sentido.

Quando houverem esses artifícios fraudulentos, preferirá aquele, cujo direito real tiver por si a prioridade da inscrição, ou transcrição, nos registros públicos[410] (393). Os adquirentes, e mutuantes, se nada constar desses registros, sabem que adquirem e emprestam com segurança em relação ao alienador, ou devedor hipotecário; não sendo porém negligentes em dar à publicidade os seus títulos. Pelo que respeita à direitos de terceiros em razão dos vícios e qualidade dos títulos anteriores, a lei não assegura nada, e deixa à cada um o cuidado das investigações. Quando se trata de interesses particulares, a vigilância individual será sempre mais profícua do que toda a proteção da autoridade.

Pelo fim dominante deste prudente sistema de transcrição, bem se vê, que não se faz preciso o mesmo meio de publicidade para as transmissões da propriedade por títulos causa-mortis. As fraudes, de que tal sistema preserva, realizam-se pelo concurso de dois atos inter vivos contendo a alienação total ou parcial da mesma coisa pelo mesmo proprietário; e nas transmissões por morte não há este perigo, não há colisão possível, há um fato único - o do falecimento -, de onde provém os direitos sucessórios.

Seja qual for o sistema que se adote, a teoria dos direitos reais, pela sua íntima correspondência com a teoria do crédito, merece por certo a primeira atenção. A Legislação Civil, que bem compreender as necessidades econômicas da época em que vivemos, deve designar taxativamente os direitos reais, e declarar que não admite outros. Deve ser parca em concedê-los, deve expô-los à grande luz da publicidade; não se deixando porém dominar por alguma ideia exclusiva, não recusando proteção aos variados interesses da sociedade.

O crédito real tem nos direitos reais seu único amparo, e ao mesmo tempo um poderoso inimigo. Apoiado na hipoteca dos imóveis, ele tem de conciliar as dificuldades, que resultam:

1º Da mesma hipoteca:

2º Do primeiro direito real, que é o domínio.

3.º Dos outros direitos reais.

Essas três origens de embaraços provém de situações diferentes, em que a propriedade imóvel se pode achar; e em cada uma delas há muitas e variadas modificações, que equivalem à situações novas. Ensaiemos uma classificação desses diversos estados da propriedade por excelência.

Dois são os modos derivativos de adquiri-la:

I - Por atos entre vivos:

II- Por sucessão legal, ou testamentária.

                                                                       I

Adquirida por atos entre vivo

 

1. Propriedade completa, e verdadeira.[411]

 2.  Propriedade também completa, mas putativa.[412]

 3. Propriedade limitada pelo enfiteuse.[413]         

3.1. Domínio direto:[414]

3.2. Domínio útil, sujeito à consolidação:[415]

3.2.1. Por efeito da opção.[416]

3.2.2. Por comisso.[417]

3.2.3 Por devolução.[418]

 

4. Propriedade comum:[419]

4.1. No estado conjugal:

4.1.1. Com regime da comunhão legal.[420]

4.1.2. Com o regime da comunhão convencional.[421]

4.1.3. Com o regime dotal.[422]

4.1.3.1. Dote inestimado.[423]

4.1.3.2. Dote estimado.[424]

4.2 Na comunhão entre herdeiros antes da partilha:

4.3. Nas sociedades em geral;

 

5. Propriedade limitada pelos direitos reais :

5.1. Desmembrada :

5.1.1. Pelo usufruto

5.1.1.1. Usufruto legal.[425]

5.1.1.2. Usufruto convencional.

5.2. Pelo uso, e habitação.

5.3. Pelos censos.[426]

5.4. Pela superfície.

5.5. Pelos direitos no interior do solo, e seu espaço aéreo:

5.2. Gravada .

5.2.1. Pelas servidões reais:

5.2.2. Pelas servidões pessoais:

5.3. Afetada :

5.3.1. Pela hipoteca:

5.3.1.1. Hipoteca legal:

5.3.1.1.1. Hipoteca legal privilegiada.[427]

5.3.1.1.2. Hipoteca legal simples.[428]

5.3.1.1.3. Hipoteca judiciária.[429]

5.3.1.2. Hipoteca convencional.[430]

5.3.2. Pela anticrese.[431]

 

6. Propriedade revogável, ou resolúvel.[432]

6.1. Na venda.[433]

6.1.1. Condições em geral.[434]

6.1.2. Condições em particular:

6.1.2.1. Pacto comissório.[435]

6.1.2.2. Pacto de retro.[436]

6.1.2.3. Pacto de non alienando.[437]

6.1.2.4. Pacto addictione in diem.[438]

6.1.2.5. Pacto protimeseos.[439]

6.2. Na doação:

6.2.1. Condições.[440]

6.2.2. Superveniência de filhos na que é feita entre marido e mulher.[441]

 

7. Propriedade rescisível.[442]

7.1. Pelo benefício de restituição:

7.1.1. Concedido à menores, e pessoas à eles equiparadas.[443]

7.1.2. Concedido à ausentes.[444]

7.2. Por erro nos Contratos:

7.3. Por violência, coação, e temor.[445]

7.4. Por dolo, fraude, e simulação.[446]

7.5. Por lesão enormíssima.[447]

7.6. Por vícios redibitórios.[448]

 

8. Propriedade anulável.[449]

8.1. Por defeito interno

8.1.1. Em relação à pessoas que contratam, pela incapacidade de obrar.

8.1.1.1. De menores.

8.1.1.2. De pessoas à eles equiparadas.

8.1.1.3. De menores suplementados, ou casados, que sem licença judicial não podem alienar e hipotecar imóveis.[450]

8.1.1.4. De mulheres casadas:

8.1.1.5. De maridos, quanto aos imóveis do casal.[451]

8.1.1.6. Em varios casos especiais.[452]

8.2. Em relação às coisas, objeto dos Contratos:

8.2.1. Às coisas litigiosas.[453]

8.2.2. Às de heranças de pessoas vivas.[454]

8.2.3. Aos imóveis dotais.[455]

8.2.4. Em vários outros casos.[456]

8.3. Em relação à causa dos Contratos.

8.3.1. Falta de causa

8.3.2. Causa falsa.

8.3.3. Causa ilícita por proibição da lei.[457]

8.3.4. Causa ilícita por oposição à moral.[458]

8.4. Por defeito externo.

8.4.1. Falta de solenidades instrumentarias:

8.4.2. Falta de pagamento da siza.[459]

 

9. Propriedade nulamente adquirida:[460]

9.1. Por defeito interno :

9.1.1. Nulidade de alienações feitas por Ordens Regulares, sem licença do Governo.[461]

9.1.2. Nulidade de doações entre vivos de todos os bens sem reservado usufruto, ou do necessário para subsistência do doador.[462]

9.1.3. Nulidade de venda feita por pais à seus descendentes.[463]

9.1.4. Em vários outros casos.[464]

9.2. Por defeito externo:

9.2.1. Falta de solenidades instrumentárias substanciais.[465]

9.1.2. Falta de insinuação das doações.[466]

 

II

Adquirida por sucessão hereditária

 1. Na sucessão legal:

1.1. Propriedade livre:

1.2. Propriedade de usofruto.[467]

 

2. Na sucessão testamentária:

2.1. Propriedade livre

2.2. Propriedade gravada, e com encargos de restituições e condições:

2.3. Propriedade rescisivel, e anulável, pelas mesmas causas, que podem viciar títulos entre vivos, além de outras causas privativas:

 

O que exigem de nós tantas, e tão sérias questões? Um estudo meditado. Que nos falta para empreendê-lo? Uma simples animação, e nada mais. Que resta fazer? Completar a obra encetada. E que maior bem senão fazer à um povo, quando se-lhe-dá leis perfeitas, e justas? Também não ha fato mais glorioso, que possa imortalizar a memória de um MONARCA ilustrado!

 



[1]   A publicação desta última parte dos trabalhos preparatórios precede a das outras, por ser precisamente a que preenche às vistas do Governo, como a de que se carece para ponto de partida na confecção do Código Civil. A classificação das outras partes da Legislação foi ideia de segunda ordem, no intuito de colher-se proveito maior. Essa classificação científica, mais que as cronológicas, e as alfabéticas, facilitará, o estudo de cada um dos ramos da legislação; sua utilidade tem de ser permanente, entretanto que a da parte ora impressa nao passa de transitória.

[2]   As condições da Classificação são as seguintes: Coligirá e classificará toda a legislação pátria, inclusive a de Portugal, anterior à Independência do Império; compreendendo-se na coleção e classificação as leis abrorrogadas ou obsoletas, com exceção das portuguesas que forem peculiares àquele Reino, e não contiverem a1guma disposição geral que estabeleça regra de Direito. - A classificação guardará as divisões do Direito Público e Administrativo, e do Direito Privado, assim como as subdivisões respectivas. Será feita por ordem cronológica, contendo porém índice alfabético por matérias.

[3]   Melo Freire. Hist. Jur. Civ. Lusít. Cap. 9° §§91 a 93, - Samp. Prelecç. de Dir. Patr. Part. lª T. lº § 12, - Dissert. Crit. de J. V. Alv. da Silv.

[4]   Para cessar a odiosa diferença no direito de sucessão hereditária entre filhos de homem nobre e peão, não bastou que a Constituição abolisse os privilégios, e proclamasse a igualdade perante a lei (art. 179 §§ 13 e 16); foi necessário, que sobreviesse a disposição expressa do art. do Decreto n. 463 de 2 de Setembro de 1847.

[5]   Vid. Not. ao Art. 993 § 5º Consolid.

[6]   Imitou-se o art. 818 do Cod. Com. Português, que sem discernimento copiou-se do art. 2003 do Código Civil Francês.

[7]   Vid. Ord. de 13 de Agosto de 1832, de 19 de Dezembro de 1833, e Av. de 19 de Outubro de 1837. Não se fala, portanto, em comisso no art. 69 da Consolid. Vid. Not. à esse Art. Pode-se entender, como em França, que só se aboliu o confisco geral de bens, e não o confisco parcial, de que temos tantos casos em nosso Cod. Pen., Regulamentos Fiscais; e que recaem, ou no corpo de delito, ou nas coisas produzidas pelo delito, ou nas que têm servido para  cometer o delito; mas note-se, que em França o confisco parcial não passa dos objetos móveis. O fim da lei fica satisfeito com a venda coacta dos imóveis ilegalmente adquiridos pelas corporações de mão-morta. Não há exemplo recente da aplicação dessa pena às corporações infratoras, e isto prova sua repugnância com a nova ordem de coisas.

[8]   Leia-se o Art. 27 das Instruções de 10 de Abril de 1851, dadas pelo Conselheiro Maia aos Procuradores do Juízo dos Feitos da Fazenda.

[9]   Vid. Not. ao Art. 217 Consolid. sobre as legitimações per rescritum principis.

[10] Assim chamou-se o Edicto de 1685, regulando a sorte dos escravos nas Colônias Francesas.

[11] A comissão que avaliou a Consolidação das Leis Civis em 1858, composta por Visconde de Uruguay, Nabuco de Araúdo e Caetano Alberto Soares, embora aprovando-a, expôs a seguinte opinião: “É sensível a omissão, que houve à respeito das disposições concernentes à escravidão;  porquanto, posto deva ela constituir, por motivos politicos e de ordem pública, uma Lei especial, contudo convinha saber-se o estado efetivo da legislação à este respeito.” (Paulo Leal)

[12] Pertence esse exame a uma outra introdução, que será estampada no primeiro dos volumes relativos à Classificação das Leis. Eis as partes dessa outra  Introdução: 1º, Programa oficial, 2º, Teoria da classificação das leis, 3º, Divisões atuais da legislação, 4º, Divisões das leis verificadas pela análise, 5°, Tábua da classificação das leis.

[13] Não acontece isto com o nosso Direito Comercial, cujo Código, não achando apoio na defectiva legislação civil, que temos, contem muitas matérias de Direito Comum, que lhe não pertencem.

[14] Dig. L.  lª  de stat  hom., Inst. L. T. princ., Inst. de Gaio Coment. lº n. 8.

[15] Cujacio entretanto chamava - imperitissimi el inetissimi - aqueles, que até o seu tempo haviam censurado a ordem das Pandectas. Que veneração supersticiosa!

[16] Savigny Dir. Rom. Tom. lº pág.·. 382 e srg., Mackeldey Dir. Rom. Part. Ger. § 119 e Nots. Por se apresentarem as mesmas ações reais sob a forma de crédito, está hoje introduzida a locução - credor de domínio -, que do Cod. Com. de Portugal passou para o nosso.

[17] Temos uma autoridade respeitável, e nada mais; o mesmo Mell. Freir. não deixou de reconhecer a desordem do seu método. Ao princípio do Livro 2º estabeleceu a proposição de Gaio. No Livro 3° declarou, que na significação de - cousas - entravam as - acções-; mas que apesar disto ele as não considerava como coisas incorpóreas, e sim como meios de demandar nosso direito em Juízo. E no Livro 4º, referindo-se à uma frase acidental da L. 42 § 2º Dig. de procurat., conclui reunindo as acções e as obrigações, - quia, obligatio actionum veluti mater dicitur -. Acerescenta que, embora seu método desagrade, - hoc satis est homini occupato, id est. jureconsulto -! do método. Os direitos reais, quando violados, produzem acções, do mesmo modo que os direitos pessoais.

[18] Declarou no Prefácio da sua Obra não acabada, que a divisão em três Livros - das pessoas, coisas, e obrigações, - três objetos do Direito -, era boa, e preferível a novas teorias. Não bastava dizê-lo: era necessário, que o demonstrasse. Omitiu as ações, substituindo-as pelas obrigações.

[19] Vinnio, Du Caurroy, Ortolan, Coment. às Instit. L. 2º T. 7º, de donation. A doação não é modo de adquirir, é somente um título. A palavra, porém, tomava-se em dois sentidos, indicando etimologicamente a propria tradição. “Ou começo pela tradição (diz Heinecc.), ou pela promessa: no primeiro caso a doação é modo de adquirir, no segundo é título. - Donatio dicta est a dono, quasi dono datum - Dig. de mort. caus. donat. L. 35 §.

[20] Em sentido geral não direito sem obrigação correlativa, mas trata-se aqui da obrigação do Direito Civil, correspondente aos direitos pessoais - jura in personam -. A  palavra indica especialmente o lado passivo do vínculo, porém virtualmente exprime o vínculo inteiro. O que é obrigação para um, constitui  necessariamente direito para ontro. Nada tem de falso o provérbio - jus et obligatio sunt correlata -, nem prevalecem as objecções em contrário. Vid. Maynz Elem. de Dir. Rom. § 88 pag. 191. Logo que o gênero humano desaparecesse, ficando reduzido à um só homem, o direito de propriedade, e todos os mais direitos, ficariam sem razão de existência. O direito quer a vida real: quer a possibilidade de relações do indivíduo inteligente e livre com entes, que têm a mesma natureza, e o mesmo destino. O delito deixaria de ter causa imediata da obrigação de reparar o dano causado, se o delito não exprimisse um direito violado.

[21] Ação, no sentido vulgar, é o fato do homem, que impõe sua força pessoal à todas as forças exteriores, que o cercam. No sentido especial jurídico, - ação - quer dizer direito de demandar em Juízo, - jus persequendi in Judicio -; quer dizer também o exercício desse direito, - o meio de exercitá-lo, - o processo, - medium legitimatum (definição de Heinecc.) persequendi in judicio jura, quae cuique competunt; - via sive medium (definiçiio de Vinn.), per quod ad id, quod nostrum est, aut nobis debitum, si ultro non praestetur, pervenitur, et aufertur invitis -. A acção, pois, é um direito, é um meio; é simultaneamente, um direito, e um meio. - Como meio, isto é, como fato do homem para reconhecimento judicial de seus direitos, a ação entra na classe dos - atos jurídicos -.

[22] As obrigações têm entrado, ao arbítrio de cada um, nos três chamados objetos do direito - pessoas, coisas, e ações -. exemplos de tudo, como se pode ver na  excelente Dissert. de Blondeau, impressa na Themis Vol. 3° pag. 217.

[23] “Esta interpretação (diz o cit. Blondeau), que está em oposição ao uso geral, que os Jurisconsultos Romanos fizeram da palavra - actio -, não tornaria mais razoável a proposição de Gaio. Em verdade, nada seria mais confuso do que um tratado, onde se começasse por definir todas as espécies de direitos ou obrigações, sem indicar os modos particulares de adquirir ou perder cada espécie; reunindo-se depois em uma segunda parte todos os acontecimentos, que se referissem às diferentes espécies.” Entretanto, não alargando a significação da palavra, já notamos que as - ações- são fatos, são atos jurídicos; senão capazes de engendrar direitos, ao menos de protegê-los e conservá-los.

[24] Alguns Códigos, como ver-se-á depois, seguirão essa ordem e disposição de matérias.

[25] Essa classe de - direitos particulares -, em contraposição aos outros direitos, deu lugar à que certo Jurisconsulto (Vulteius Jurisprud. Rom.) dividisse o Direito Privado em duas partes. A primeira, que intitulou - de iure absoluto -, contendo os direitos que não supõem a existência anterior de outros direitos. A segunda, - de jure relato - tratando dos direitos, que não existem, senão porquê houve infração de outros - jus quod praesuponit aliud -. Desta distinção pode resultar a separação geralmente adotada das - leis civis -, e - leis do processo -; ou leis substantivas - e - leis adjetivas -, na frase de Bentham; tomando-se a palavra - ações - objetivamente, para designar o meio e a forma do processo. Tomando-se porém a ação como - Jus persequendi -, ela faz parte do Direito Privado teórico, e não do Direito Prático. Vid. Eschbach - lntrod. á l'étud. du droit § 28 e 29.

[26] Em Direito Romano, não se deve perder de vista,  que os direitos reais - jura in re aliena - (pois que os direitos pessoais se designavam pelo nome de - obligationes -) eram considerados como coisas incorpóreas, não assim o direito real do domínio - jus in re propria -. O domínio identificava-se com a natureza dos bens, que eram o seu objeto.

[27] Instit. Livr. 2º T. 2º, Dig. de division. rer. L. 1º § 1º - Rei apellatione, et· causae, et jura, continentur - Dig.de verb. signif. L. 23.

[28] Generalisat. du Droit Romain. Part. lº T. 2º Cap. § 1º

[29] Fraseologia de Bentham (Trat. de Legisl. Vol. 3° pag. 274), designando todo o fato do homem, que pode ser útil aos outros homens; e também a omissão de fatos, que podem ser nocivos. Aqui os fatos são objeto de direitos, e não causa eficiente ou elemento gerador de direitos. Neste último ponto de vista é que os fatos têm importância, e merecem a atenção do jurisconsulto - ex facto jus oritur -.

[30] Na Dissert. já citada da Themis Vol. 3º pag. 217 dá-se notícia dos métodos propostos por Vulteius, Conradus Lagus, Conanus, Hotoman, e Althusius.

[31] Na parte de suas Obras. que se intitula - Nova metodus discendae docendaeque Jurisprudentiae.

[32] Também assim pensamos, contanto que se entenda a palavra - ações -, em seu primeiro sentido, como - jus persequendi -, e não como - medium persequendi -.

[33] As causas dos direitos são precisamente os - factos - em sua acepção mais larga, não unicamente os fatos do homem, mas todos os acontecimentos em virtude dos quais as relações de direito começam e acabam. Savigny (Dir. Rom. Tom. 3º pág. 3 e seg.) os denomina - fatos jurídicos -, classificando como mais importantes - 1º, as sucessões, 2°, os atos livres, 3º, as declarações de vontade, 4º, os contratos, 5°, as doações, 6º, os fatos dependentes de uma fixação de tempo.

[34] Na dissert. já mencionada, donde extraímos uma grande parte destes esclarecimentos.

[35] Não se pode traduzir este termo sem infidelidade ao sentido do autor. Ele não quis somente exprimir as convenções, mas também (suas palavras) os empenhos que  se formam pelos laços naturais do casamento entre o  marido e a mulher, do nascimento entre os pais e os filhos, e do parentesco e alianças que daí resultam.

[36] Assegura-se, que a ideia deste plano foi dada Chanceler d'Aguesseau.

[37] O Código Civil é parte integrante do Código Geral para os Estados Prussianos, que contém a legislação comercial, administrativa, e criminal. Não se deve confundir este pelo nome de Código com a obra conhecida pelo nome de - Código de Frederico -, publicada em 1749 e 1751, e organizada  pelo Chanceler Coccêo.

[38] Não conhecemos o Código da Baviera senão pelos fragmentos deslocados da Concord. de Saint-Joseph. Este Código (diz ele pag. 26 Ed. Franc.) é quase inteiramente moldado sobre o Direito Romano.

[39] Entretanto, pelo que respeita ao regime hipotecário, o Código Geral dos Estados Prussianos serviu de tipo aos grandes princípios da publicidade e especialidade, que distinguem o sistema germânico. É pela transcrição dos  títulos translativos de domínio que se fixou a propriedade, e a transcrição quanto aos imóveis substituiu a tradição do Direito Romano.

[40] Veja-se Lassaulx - Introduct à l'étude du Cod. Napol. -, que explica por este modo: - O 1º Livro trata dos direitos resu1tantes das relações das pessoas, abstração feita das coisas. O 3º Livro dos direitos provenientes das relações entre as pessoas, que têm por objeto as coisas no estado de movimento e circulação. O Livro intermediário diz respeito às coisas no estado de repouso.

[41] Traditionibus... dominia rerum, non nudis pactis, transferentur - L. 20 Cod. de pact.

[42] Maleville - A nalyse de la discussion du Cod. Civil au Conseil d' Etat - pag. 2ª.

[43] Vid. Themis Tom 6° pag. 49.

[44] E note-se, que a desproporção teria sido maior, se das disposições sobre o casamento não fossem destacadas as dos pactos matrimoniais, que passaram para o Livro 2º, onde se legisla sobre Contratos.

[45] Concord. de S. Joseph 2ª Part. pag. 101.

[46] Temos recentemente o Projeto do Cod. Civ. de Portugal, e o do Chile, que muito desejamos conhecer. Também ainda não vimos o Projeto do Cod. Civ. Espanhol publicado em 1852.

     Agora por nós conhecidos esses Projetos, eis nosso juízo: O Projeto do Cod. Civ. de Portugal tem um método muito defeituoso, ou antes, não tem método algum, como demonstramos em um Opúsculo de composição nossa com o título - Nova Apostila à censura do Sr. Alberto de Moraes Carvalho sobre o Projeto do Código Civil Português -.

     O Código Civil Chileno é um belo trabalho, mas seu método está longe de agradar-nos. Depois de um Título Preliminar, à imitação do Cod. Nap., sobre as leis, sua promulgação, efeitos, interpretação, e derrogação, contem quatro Livros. O trata das pessoas, o 2° dos bens e de seu domínio, posse, uso, e gozo; o 3º da sucessão causa mortis e da doação inter vivos; e o 4º das obrigações, e dos contratos.

     O Projecto do Código Civil  Hespanhol é uma cópia servil do Cod. Nap.

[47] Não contemplamos o prospecto do Dr. Vicente J. F. Cardoso no Livro intitulado - Que é o Código Civil? - porque sempre o reputamos um desses desvios, em que soem cair os que abusam de seus talentos por amor da novidade. O inovador confessa (pag. 160), que fora inspirado pela perspectiva dos arbustos, que cercavam sua habitação na Ilha de S. Miguel; mas as inspirações nada rendem em matérias desta ordem. Previu que  seu  plano era irrealizável (pag. 183), reconheceu (pag. 161) que o último ramo da sua - Arvore de Justiça - se havia de tocar muitas vezes com o primeiro; pois que é da morte de uns direitos que resulta o nascimento de outros. Legislação Criminal, do Processo e, da Organização Judiciária, tudo confundia-se com as matérias do Direito Civil propriamente dito; e foi como preencheu-se o ramo da - vida dos direitos - O proposto sistema, em última análise, teria por base a diversidade dos - fatos jurídicos -; cuja classificação é difícil, e sem valor prático.

[48] Vid. Liv. lº T. 3º ns. 43 e seguintes. No 3º Livro ns. 380, 381, e 385, e suas notas, o autor conspirou-se contra a legislação da Ord. L 4º T 7º, e T 9° Vid. Arts. 511, 534, 655, e 908 Consolid.

[49] Nos Códigos da Prússia, e da Louisiana, também se, trata dos domésticos e servos em continuação dos direitos de família.

[50] Judiciosa reflexão da citada Memória justificativa do Projeto do Código Civil para os Países-Baixos, impressa na Themis Tom. 6° pag. 50.

[51] Falaremos depois dos Escritores, que proclamaram tais princípios.

[52] Sobre isto não há hoje dúvida, porque, depois de acerbas críticas de muitos Escritores, aí está a reforma da Lei hipotecaria de 23 de Março de 1855. Vid. Not. 3 ao Art. 51 l Consolid.

[53] Adiante exporemos quais foram essas restrições, ou, antes, incoerências.

[54] No Liv. 3º na própria Seção dos efeitos da compra e venda n. 383, e Liv. l º ns. 595 e 596, vê-se a tradição ficta das cláusulas constitui -, e da - reserva do usufruto -. Vid. Not. 4 ao Art. 909 Consolid. No Liv 1° ns. 590 e seguintes vem a tradição simbólica, e ns. 609 e seguintes os atos públicos de posse, substanciando-se as disposições da Ord. L. lº T. 78 § 8° e L. 4º Tit. 58 §§ 3º e 4º - Vid. Arts. 910 à 913 Consolid. O Cod. Civ. Franc. Arts. 1604 e seg. trata da entrega da coisa, ou tradição, como uma obrigação do vendedar; reputa a tradição feita com a entrega das chaves da casa, ou dos títulos da propriedade; mas não como um ato simbólico - Zachariae Dir. Civ. Franc. Tom. 1° pag. 397, Troplong. - Vente - Arts. 1604 à 1607 - “Independentemente de declarações no ato da venda (Duranton Dir. Civ. Tom. 21 pág. 290), e da entrega dos títulos da propriedade, deve-se dizer, que hoje a posse transfere-se logo para o comprador, ou  donatário; do mesmo modo que a propriedade só pelo fato do Contrato da venda, ou dá doação.”

[55] O autor declara haver-se servido da tradução Francesa de J. Bering-Bruxelas 1837 -, que é a mesma que temos em vista. O Escritor alemão alterou o sistema das edições anteriores.

[56] O ilustrado Professor Português declara francamente, que não desconhece os inconvenientes do plano, que seguirá.

[57] Em França os professores não podem alterar no ensino o método dos Códigos. A única obra, em que o Direito Civil Francês acomoda-se em divisões diferentes, é a de Zachariae, escritor alemão de grande merecimento. Ultimamentefoi essa obra reduzida por - Massé e Vergé - à ordem do Código. Nunca aprovaremos, que no ensino da legislação codificada altere-se a ordem das matérias, como recentemente, quanto ao nosso Cod. do Proc. Crim., fizera um professor da Faculdade de S. Paulo.

[58] Quando se publicar no 1º volume da - Classificação Geral das Leis - a introdução, de que já falamos, ver-se-á que as proposições deste período são um epílogo de desenvolvimento das anteriores.

[59] Esta divisão é feita no ponto de vista da - extensão - dos direitos. Não se deve confundir com a outra divisão de - direitos primitivos e direitos derivados ou hipotéticos - , cujo ponto de vista é a - origem - dos direitos. Fazemos essa observação porque escritores de Direito Natural chamam também absolutos os direitos primitivos, isto é, os que resultam imediatamente da natureza do homem, e não dependem de ato algum de sua parte. Todos os direitos primitivos no sentido da - extensão -, mas os direitos absolutos não são somente os primitivos. O direito de propriedade é hipotético, adquire-se pela atividade do homem; e no entando é um direito absoluto, isto é, obriga a todos os outros, que devem abster de perturbá-lo.

[60] Eis a obrigação no sentido largo, que não é do Direito Civil. Consideremos que a obrigação de respeitar os direitos absolutos é logicamente posterior, e que a obrigações em tal caso é protetora, e não constitutiva, como nos direitos pessoais (segundo a distinção de um escritor); mas, embora no primeiro caso a obrigação não seja a base ou a causa dos direitos, não se segue que possa haver direito sem obrigação correlativa - Archiv. de Droit. Tom. 5º pag. 133.

[61] Eis a obrigação do Direito Civil. - Juris vinculum, quo necessitate adstringitur alicujus rei solvendae - Inst. L. 3º T. 13 princ. Obligationum sibstantia in eo consistit, ut alium nobis obstringat, ad dandum aliquid, vel faciendum, vel procestandum - Dig. de obligat. et c.tion. L. 3º princ.

[62] A enumeração dos direitos absolutos é feita ao arbítrio de cada escritor, sem que haja nisto inconveniente. Em ultima análise reduzem-se aos direitos de - personalidade - , e de - propriedade -, ou antes aos de - personalidade - somente. O direito de propriedade é uma realização do direito de personalidade relativamente aos objetos exteriores, de que o homem tem necessidade para sua existência e desenvolvimento. Antes dessa realização existe a simples faculdade - liberdade - de unir à personalidade os objetos exteriores. Ainda não há direito de propriedade. O direito de propriedade começa no momento, em que a união se verifica. A enumeração, que acima adotamos, é a da nossa Constituição no Art. 179. Harmonizemos a teoria com as Leis do País.

[63] O nosso Cod. Pen. está felizmente de acordo com o Art. 179 da Const., classificando os crimes particulares: lº, crimes contra a liberdade; 2º, crimes contra a segurança; 3º, crimes contra a propriedade.

[64] Não queremos dizer, como Locré - Esprit du Cod. Napol. Pag. 66 - que as Leis Civis só têm a estabelecer regras sobre a propriedade, o que em sentido ainda mais  extenso  repete o Dr. Cardoso no seu Opúsculo - 0 que é o Código Civil? - pag. 96 e seg. Falamos em referência à direitos absolutos. Entre os - direito relativos ou pessoais - alguns há nas relações de família, que não têm por objeto a propriedade. Quando os chamados absolutos de personalidade entram na Legislação Civil, é com o caráter de direitos pessoais em razão de terem sido violados. - Eles não se manifestam ativamente senão nos casos, em que tem sido lesados em  consequência de delitos ou quase delitos, e então dão lugar à ações de perdas e danos  - Zachariae Tom. lº § 168.

[65] Quanto às Leis Orgânicas, o Código Criminal pune as omissões dos empregados públicos. Essas omissões são violações de direitos relativos do Estado. Se os direitos absolutos correspondem à inação, a violação só pode ser uma ação. Os direitos relativos reclamam a ação, e a violação só pode ser a omissão. O crime pois  (Art. 2º § 1º do Cod. Pen.) é uma ação ou omissão voluntária contrária às leis penais. As leis  Administrativas contém um longo catálogo de direitos pessoais.

[66] Nas relações de família existe um caso de exceção, que é o adultério, punido pelos Arts. 250 e 251 do Cod. Crim. Este delito, pelo lado dos cônjuges entre si, importa a violação de um direito relativo; pelo lado do adúltero, corresponde à ofensa do direito absoluto - o da segurança do estado civil -. Pode-se também contemplar o caso dos tutores e curadores, de que trata o Art 147 do cit. Cod. -Vid. Arts. 109, 291, e 585 § 2º, Consol. Nas relações dos dos Contratos e quase-contratos a regra é, que as faltas não constituem delito, e regem-se pelos princípios peculiares das convenções. Todavia, essas faltas podem algumas vezes degenerar-se em delitos do Direito Criminal, e temos exemplos no Cod. Crim. Arts. 258, 259, 264 §§ 2º e 3º, e 265 part. 2º Vid. Arts. 431, 435, e 535, Consolid. - Nas relações motivadas pelos delitos e quase delitos, o não cumprimento das obrigações, que daí resultam, não podem originar outros delitos. Entretanto o Art. 32 do Cod. Pen. e o Art. 226 do Cod. de Proc. Crim. mandavam condenar à prisão com trabalho o delinquente, que não tivesse meio para satisfação do dano causado; mas esta disposição foi virtualmente revogada pelo Art. 68 da Lei de 3 de Dezembro de 1841. O Av. Circ. Nº 183 de 18 de outubro de 1854 dá uma inteligência contrária, que nos parece insustentável. - Vid. Art. 799 e Not. Consolid.

[67] Ahrens Cours de Droit Nat. Part. 2º L. 1° Cap. 1º, (4º Ed.) aplica a expressão - propriedade -, como sinônima do direito real, aos objetos materiais somente, o que está nos hábitos da linguagem; e, para enunciar a ideia mais extensa, serve-se do termo - l'avoir -. Tanto importa, que se mude de expressão para designar as duas ideias, como enunciá-las pelo mesmo vocábulo, contanto que bem se percebam as acepções diversas. Isto acontece com a maior parte dos termos jurídicos. O mesmo Ahrens diz depois - a propriedade é o ponto central deste - haver -, concebido no ponto de vista do direito, porque as prestações, ou concernem à coisas, ou são apreciáveis em dinheiro, sinal representativo das coisas.

[68] Tomada a propriedade neste sentido amplo, como complexo dos direitos pessoais - obligationes -, e dos direitos reais - jura in re -, é o objeto do que chamaram os Alemães teoria do patrimônio, ou - direitos prtrimoniais -, Vid. Maynz Dir. Rom. § 9l pag. 196. Estes direitos patrimoniais contrapõem-se em tal caso aos direitos pessoais em sentido muito diferente do nosso, isto é, compreendendo os direitos concernentes ao estado do homem, sua capacidade de obrar, adquirir e dispor; e até os direitos políticos, que não pertencem ao Direito Privado. Esta nomenclatura deriva do Direito Romano com a sua distinção de coisas corpóreas e incorpóreas. É por isso que os Códigos, que não seguiram o sistema do Cod. Napoleão, não dizem simplesmente - direitos pessoais -, quando tratam das obrigações dos Contratos e delitos; mas sim - direitos pessoais sobre as coisas -, sendo estes direitos  pessoais, e os direitos reais, uma divisão do chamado  - direito das coisas -.

[69] É preciso excetuar, como já dissemos, alguns direitos pessoais nas relações de família.

[70] Dominium est jus in re corporali. - Quum itaque incorporales res tangi nequeant; consequens est, ut proprie nec possideantur, nec tradantur, nec in domínio sint; sed in bonis esse intelligantur. Heinec. Elem. Jur. Civ. §§ 287 e 341, Recitation. L. 2º T. 2º § 388. - Incorporales res traditionem et usucapionem non recipere, manifestum est - L. 43 § lº Dig. de adquir. rer. dom.

[71] Art. 42 Consolid.

[72] Só as coisas móveis podem ser furtadas, porque o furto de uma coisa supõe necessariamente; que ela possa ser tirada de um lugar para outro - amotio de loco ad locum - Chauveau Theor. du Cod. Pen. Tom. 5° pag. 27. Furtar, roubar, - contrectatio fraudulosa -, é tirar a coisa alheia contra a vontade de seu dono - Arts. 257 e 259 Cod. Crim.

[73] Daí as regras sobre os estatutos do país, que devem regê-los - Vid. Chassat Trait. des Statuts pag. 95 e seg. mobilia sequuntur personam -.

[74] É por isso que as coisas móveis só podem servir de objeto ao comércio propriamente dito - Mercis apellatio ad res mobiles tantum pertinet., - L. 66 Dig. de verb. significat. Vid. Massé Droit Comerc. Tom. 3° n.  419 e 432. A venda de imóveis não é comercial - Cod. do Com.  Art. 191. As questões sobre imóveis, com poucas exceções, não competem ao Juízo Comercial - Cod. do Com. Tit. Un. Art. 19 § 3°, e Art. 13 do Reg. Com, n. 737.

[75] Daí as consequências legais sobre a administração destes bens: importa vendê-los, e convertê-los prontamente em coisas produtivas, quando pertencem à pessoas incapazes. Vid. Arts. 286 e seg., 329, 1237 § 4º, 1246, e 1248, Consolid.

[76] Destes caracteres resulta a importante distinção das coisas fungíveis, e não fungíveis. - Resque usu consumuntur, - quae, pondere, numero, vel mensura, constant; - in genere suo magis recipiunt functionem per solutionem, quam specie. Vid. Arts. 477, 478, 841 e seg. Consolid.

[77] É por isso que no mútuo o domínio da coisa emprestada não fica no mutuante, mas passa para o mutuário, que só tem obrigação de pagar outra igual quantidade do mesmo gênero - Arts. 479 e 480 Consolid. - No quasi-usufruto (usufruto de coisas fungíveis) a propriedade da coisa também passa para o usufrutuário. Já não é assim no comodato - Art.497 Consolid. Pelo Direito Francês (Arts. 2279 e 1141 Cod. Civ.) a posse dos móveis vale como título, e daí segue-se, que em geral a reivindicação não é receptível em matéria móvel - Zachariae Dir. Civ. Franc. Tom. 1º pag. 155 e 193. Sobre a natureza e caracteres da propriedade móvel veja-se - Riviére - Exam. du regim. de la propriet. mobil.

[78] É bem conhecida a antiga máxima - mobilium vilis possessio, - São bem pronunciadas todas as legislações na preferência que dão à propriedade imóvel, o que em parte se deve atribuir à influência das tradições feudais.

[79] Não usamos da expressão - propriedade plena - para designar o mesmo que o dominium plenum -, isto é, a propriedade e o usufruto, em contraposição ao - dominium minus plenum, vel iminutum, isto é, a propriedade decomposta em domínio direto - e - útil - (Consol. Art. 62). Esta divisão do domínio (Consolid. Art. 915) não tem por objeto o domínio perfeito, mas sim o imperfeito, de que é uma subdivisão - Heinnec Elem. Secund. ord. Instit. § 291. A outra divisão em domínio solitário - e - condomínio é feita em relação ao agente do direito - ad personam domini respicitur -, e não destrói a unidade do domínio, porque a copropriedade corresponde à uma parte ideal da coisa comum. A divisão em revogável e irrevogável supõe o domínio transferido, posto que sujeito à uma resolução. Ora, a expressão - propriedade plena - considera reunidos todos os direitos parciais, cujo complexo constitua o domínio; não se refere à algum modo particular de separação desses direitos parciais, nem às pessoas, que podem exercer o domínio, nem ao modo da sua transferência e duração.

     Todavia, como efetivamente dá-se o nome de domínio à esses casos de propriedade não plena, fiquem salvos agora com a restrição - quando tal.

 

[80] Não se confunda a limitação da propriedade em geral com o jus aliena in re. Este direito real opera uma limitação da propriedade, mas nem toda a limitação da propriedade confere um direito real na coisa alheia. Além de muitas limitações, ou modificações da propriedade, como dizem os Escritores Franceses, estabelecidas pela lei; existem outras, criadas pela vontade do homem, que não trazem - jura in re aliena. - Para haver o - jus in re aliena - é necessário, que a propriedade seja limitada pela lei, ou pela vontade do homem (Contratos e testamentos); mas conferindo à terceiros direitos elementares do domínio, à par do próprio domínio.

[81] Na reivindicação dos móveis (Art. 917 Consolid.) o autor deve declarar os sinais distintivos da coisa. Há porém muitas coisas móveis de fácil confusão, de modo que não se podem distinguir umas das outras.

[82] Vid. Arts. 799, 802, 803, e 804, Consolid.

[83] Se os imóveis são objeto de uma ocupação fraudulenta, ou violenta, não se dá furto, ou roubo; mas uma usurpação, invasão, intrusão - Merlin Repert. vb. - vol - Seç. 1ª, n. 2, - Chauveau loc. Cit. - Verum est quod plerique probant, fundi furti agi non posse - L .  25  Dig.  de furt. As Institutas L. 2º Tit. 6° De usucap. § 7°, enunciando esta regra, atestam, que ela não foi sempre observada - Abolita est quorundam veterum sententia existimantium etiam fundi locive furtum fieri.

[84] Vid. Arts. 884 e 925, Consolid. Quando o proprietário escolhe demandar o valor da coisa, a ação real toma o nome de ação subsidiária da reivindicação - Cit. Art. 925 Consolid., 927, e Not. ao Art. 841.

[85] O primeiro exemplo é o do nosso país, onde abundam as hipotecas sobre móveis, e até sobre dívidas. A nossa lei civil nada distingue, antes permite as hipotecas gerais, e manda registra-las-Arts. 1284 e 1288 Consolid. O Cod. do Com. Arts. 266 e 879, suposto tolhesse as hipotecas gerais, não diz que só se possam hipotecar bens imóveis; e as primeiras palavras do Art. 265 são simplesmente enunciativas. Pelo Direito Romano os móveis podiam ser hipotecados segundo a regra - Quod enptionem venditionemque recipit, etiam pignorationem recipere potest - L. 9 § lº Dig. de pignor. et hypoth. O direito de penhor e hipoteca (Mackeldey Dir. Rom. Not. (2) ao § 338) é ordinariamente um direito real (jus in re), mas somente quando uma coisa corpórea forma seu objeto; o direito de penhor conferido sobre um crédito, sem instrumento, que o represente, conserva sua natureza de obrigação. Atualmente todas as legislações, tanto as que seguiram o Cod. Civ. Franc., como as que adotaram o regime hipotecário germânico, restringem a hipoteca aos bens imóveis. Muito poucas se excetuam, como as de Hamburgo e Luxenburgo, que permitem a hipoteca de móveis; e a de Hungria, onde as hipotecas são gerais, salva a estipulação em contrário - S. Joseph Concord. entre les Lois Hypoth. Introduct. - Em móveis não há sequela por  hipoteca - é a máxima do Direito Francês (Art. 2119 Cod. Civ.), que foi adotada no Dig. Port. de Corr. Tel. L. 3º n. 1262. Evite-se porém o erro de pensar, como pensara Benech - Droit de preference -, que pode haver hipoteca sem a sequela inerente ao direito real, ou que a força da hipoteca reside no direito de preferência.  O nosso Direito separa o direito de preferência, e o da sequela; mas aquele existe, sem que haja hipoteca, o que não acontece com o outro. Vid. Nots. aos Arts. 834 e 1278, Consolid. A verdadeira hipoteca deve necessariamente ter seus efeitos, consignados no Art. 1269 Consolid.

            Desde a execução da Lei 1237 de 24 de Setembro de 1864 Art. 2º § lº a hipoteca entre nós só recai sobre  imóveis, e seus acessórios com eles, como já da  2º  Ed.   consta Not. ao Art. 1269 § 2.º

[86] O usufruto, - direito de gozar da coisa de outro com a limitação de deixar salva a sua substância -, é legal, ou voluntário. Em nossa legislação há do usufruto legal várias espécies: - 1º, o dos bens da Coroa (Art. 52 § 3º, Consolid.) - 2º, o do pai sobre os bens de seus filhos não emancipados (Art. 174 e seg., Consolid.) - 3º, o da viúva quinquagenária, que se recasa tendo descendentes (Art. 161  e seg. Consolid.) - 4º, o do pai ou da ãe, que passam à segundas núpcias, existindo filhos do primeiro matrimônio, sobre os bens em que sucedem por falecimento de qualquer dos ditos filhos (Art. 966 e seg. Consolid.). Bem se vê, que estas espécies referem-se à imóveis, e móveis. A nossa lei, como o Art. 526 do Cod. Civ. Franc., reputando imóveis o usufruto das coisas imóveis (Art. 47, Consolid.), pressupõe o usufruto de coisas móveis. Vid. Art. 581, do Cod. Civ. Franc. - Constituitur autem usufructus non tantum in fundo et aedibus, verum etiam in servis, jumentis, et ceteris rebus - Inst. L. 2º T. 4º § 2º de usufr.

     Quanto ao usufruto, que acima atribuo ao pai e à mãe, que passam às segundas núpcias, veja-se a Nota adicional ao Art. 966 Consolid.

[87] Consistindo o usufruto na limitação de não dispor da substância da coisa, e por conseguinte de a não consumir, resulta, que só deverá ter por objeto as corpóreas, que se não consumissem com o uso. - Exceptis iis quae ipso usu consumantur - são as palavras das Instit.  loc.  cit.;  entretanto admitiu-se depois, por analogia o usufruto de coisas fungíveis, e daí veio a distinção entre o - verus usufructus - e o - quasi-fructus -. Em tal caso, como já se  notou, o usufrutuário torna-se proprietário da coisa  com obrigação de restituir outra quantidade do mesmo gênero igual à consumida.

[88] As servidões reais ou prediais, em contraposição às pessoais, em cuja classe entra o usufruto, supõem necessariamente a existência de dois imóveis pertencendo à proprietários diferentes Art. 47 Consolid. Sobre as servidões urbanas Vid. Arts. 936 à 956, 1330, e 1331, Consolid. Sobre as rústicas Arts. 937, 958, e 1333, Consolid. Da diversidade das servidões, e da de outros direitos, vem a necessidade de disposições gerais sobre o que sejam prédios urbanos, e rusticos. - Vid. Arts. 50 e 51 Consolid., extraído da legislação sobre a siza dos imóveis; e Lobão - Trat. das Caz. §§ 42 à 46.

[89] A natureza da enfiteuse está bem caracterizada no Art. 606 Consolid.

[90] Vid. Consolid. Nots. (4) e (5) ao Art. 52 § 2º, e pag. 23 e Not. ao Art. 1332.

[91] Eis a razão, como já notamos, por que o Direito Romano, considerando como coisas incorpóreas os outros direitos reais, não reputava da mesma maneira o domínio.

[92] Vid. Art. 884 Consolid. Para usar, e gozar, é necessário possuir.

[93] Art. 1743 Cod. Franc.

[94] L. 9. Cod. de locat. et conauc.

[95] Art. 655 Consolid., que reproduz a máxima - sucessor particularis non tenetur stare colono -.

[96] Cours. de Cod. Civ. Franc. Tom. 3° pag. 185 not 2ª, pag. 188 not. 5ª, pag· 198 not. 5ª

[97] Dir. Civ. Franc. Tom. 3º n. 388 pag. 250.

[98] Cours. de Droit Franc. Tom. 4º n. 73 pag. 61, Tom. 17 n. 138 pag. 120 e seg.

[99] Trait. des droits d'usufruit· - Tom. Lº n. 102 pag. 105.

[100] Droil Civ. - Franc. Louage n. 279 e seg. No mesmo sentido - Demolombe Tom.   9º ns.  492       e seg., Marcadé ao Art. 1743, e outros Comentadores.

[101] Droit Civ. Expliqué-Louuge - ns. 5  e  seg., e ns. 489 e seg.

[102] Louage n. 491.

[103]Esta opinião tão ardentemente sustentada vai ganhando terreno, como diz Martou-Privil. et Hypoth. - Tom. 1º pag. 51. A entrevista realidade, confessam MM. Daloz  Repert. Tom. 30 vb. louage n. 486, constitui em verdade uma realidade particular, mais ou menos  anormal,  mas  que não pode ser desconhecida. Ultimamente a Lei hipotecária da Bélgica de 1851 manda registrar os arrendamentos excedentes à nove anos, ou contendo ao menos quitação de três anos da renda. A Lei hipotecária Francesa de 1855 também manda transcrever no registro os arrendamentos de mais de dezoito anos.

[104]       Este Projeto, que não chegou a ter execução, acha-se transcrito em - Odier - Systemes Hipotecaires.

[105]       Veja-se Themis Tom. 9°, onde vem essa Exposição de motivos.

[106]       Esta exceção foi adotada por quase todos os DD. desde Bartolo. O mesmo acontecia no antigo Direito Francês, como atesta Troplong - Louage - n. 478.

[107]       A criação de um direito real neste arrendamento de longo tempo teve fundamento na L. lª § 3°, Dig. de superf.

[108]       Arts. 651, e 915, Consolid. e Not.

[109]       Art. 607 e Not., e Art. 608, Consolid.

[110]       Dig. L. 16 de pignor. Et hypot. § 3°, Cod. Ibidem L. 14, Cod. do Com. Art. 877 § 3º Vid Not. ao Art. 767 Consolid.

[111]       Quanto ao credor pignoratício - L. 54 Dig. de furt. Quanto ao depositário - Art. 431 Consolid. O Cod.  do Com. Art. 276 equipara o credor pignoratício ao depositário.

[112]       Inst. de oblig. quae ex delict. Nasc. § 6°. - No mesmo caso está o comodatário, que emprega a coisa em uso diferente daquele, para que lhe fora emprestada. Vid. Art. 502 § 3º Consolid.

[113]       Cod. Crim. Art. 258, e Art. 435 Consol.

[114]       Consolid. Art. 788 e Not. ao Art. 767.

[115]       A anticrese era um penhor com pacto, e quanto ao jus  in re o penhor e a hipoteca não diferiam - Inter pignus et hypothecam tantum nominis sonus differt. - L.  5ª  § lº  Dig.  de pign. et hipotec. L. 30 de noxal. action.

[116]       Nas legislações de todos os países, onde a anticrese é sujeita à transcrição juntamente com os outros direitos reais. - Vid. Saint-Joseph - Concord. entre les Lois Hypoth.

[117]       Troplong. - Coment. du nantis., du gage, et de l'antichrese ns. 573 e seg., Martou Privil. et Hypoth. n. 34. A questão de saber, se a anticrese é ou não direito real, e se pode portanto prejudicar à credores hipotecários e terceiros adquirentes, divide profundamente os Jurisconsultos e Tribunais da França. Tão controvertida tem sido a inteligência do Cod. Civ. nesta parte, que na Bélgica, depois do novo regime hipotecário estatuído pela Lei de 16 de Dezembro de 1851, entende-se (Martou loc. cit.), que a anticrese não deve ser transcrita; ao passo que na França o Art. 2º §1º da novíssima Lei hipotecária de 23 de Março de 1855 ordena a transcrição dos atos constitutivos de anticrese, igualmente com  os  de servidão, uso, e habitação.

[118]       Sobre a analogia entre a hipoteca, e a obrigação Vid. Molitor - Obligat. en Droit Rom. n. 2.

[119]       Não se pode todavia negar (Ortolan-Generalis., du Droit Rom. - pag. 90) que o direito de propriedade fica alterado em alguns de seus elementos. - Vid. Demolombe Tom.n. 471 pag.367. Sobre os efeitos da hipoteca - Art. 1269 Consolid.

[120]       Vid. Not. ao Art. 767 Consolid. - Máxima de Direito Francês - qui s'oblige oblige le sien - Art. 2093 Cod. Civ. Franc. É por isso, que Delvincourt Tom. 3º pag. 156 define a hipoteca - afetação formal - de um ou mais imóveis ao pagamento de uma obrigação.

[121]       Tanto participa da natureza dos créditos, que são, como eles, sujeitos à todas as causas de extinção especiais aos créditos. Ainda que a hipoteca seja sobre imóveis, muitos Escritores Franceses a colocam na classe dos bens móveis.

[122]       Excelente trabalho traduzido do alemão, impresso na Themis Tom. 8° part. 2ª pag. 22, e recomendado por Mackeldey Dir. Rom. not. 1 ao § 238.

[123]       “Até que ponto (Ortolan loc. cit.) as faculdades de disposição, que confere sobre a coisa a locação ou o comodato, então na classe dos direitos reais? Os J. C. Romanos não resolveram esta questão. Preocupados com a teoria dos contratos, e das ações, que deles resultam, não tem encarado a locação, e o comodato, sendo em sua qualidade de Contratos, sob a  relação dos direitos pessoais, que eles produzem.” Esta observação confirma nossas considerações, posto que Ortolan não caracterizou bem o - direito real -, como depois veremos.

[124]       Marezoll (tradução de Pellat) - Droit Privé des Rom. § 86 pag. 231. - O autor não enuncia  bem seu pensamento. Vid. Infra not (1) pag. 78

[125]       O número dos direitos reais é obra do Direito Positivo, sobre a qual o tempo, os costumes, o gênio particular dos diferentes povos, o estado mais ou menos avançado da civilização, e sobretudo a forma de organização política e social, exercem a mais profunda influência - Demolombe Tom. 9° n. 475 pag. 377.

[126]       Martou - Privil. Et Hypoteh. - n. 35

[127]       Droit. Civ. Frnc. Tom. 3° n. 96.

[128]       Nenhum cidadão pode ser obrigado a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei - Const. Art. 179 § 1º. - Em contrário diz Demolombe Tom. 9º n. 515 pag. 452: “Os particulares não podem por suas convenções e disposições mudar as leis, que concernem à ordem pública; e no número dessas leis estão as que interessam a terceiros, ao público, à segurança das convenções, ao modo da transmissão dos bens. Ora, a lei, que determina e organiza os direitos reais, de que os bens são suscetíveis, interessa sem dúvida no mais alto grau a terceiros, ao público e à segurança das convenções. Logo ela é uma lei da ordem pública, logo os particulares não podem mudá-la, logo uma tal lei, na enumeração dos direitos reais, que ela conhece, deve ser necessariamente considerada como limitativa.”

[129] Muitos direitos reais (continua o mesmo autor, falando da legislação francesa), que eram de uso universal em nossa antiga legislação, estão proscritos pela nova.” Tais são todos os direitos reais do sistema feudal, que por mil formas decompunham e travaram a propriedade territorial, e que caíram com a Revolução de 1789.”

[130]Marezoli Obr. cit. § 104. Esses quatro direitos reais na coisa alheia eram os seguintes: - servitus, emphyteusis, superficies, pignus.

[131]Marezoll, obr. cit. § 105.

[132]A natureza do direito hipotecário tem sido objeto de vivas controvérsias, tem dado lugar a esta questão. Há muitas espécies de direitos reais, ou pelo contrário só existe um - o direito de domínio -, de que todos os outros são partes desligadas?

[133]Não falamos segundo as tradições do Direito Romano, como ver-se-á depois.

[134]Heinecc. Elem. Jur. Civ. secund.  ord.  Justit. - § 284. - “É esta faculdade de seguir a coisa nas mãos de qualquer possuidor (diz Toulier Droit Civ. Franc. Tom. 3º n. 84), que forma o caráter específico do que chama-se direito real, jus in re; com diferença do direito pessoal, ou do direito à coisa jus ad rem, que resulta de um vínculo puramente pessoal entre duas ou mais pessoas determinadas.” Rejeitamos a locução - jus ad rem, porque tem o inconveniente de não empregar a palavra - res - em seu sentido natural.

[135]Teor. de la Proced. Civ. Cap. 5° pag. 55.

[136]Falamos sempre das ações como - jus persequendi - e neste sentido já dissemos que fazem parte do Direito Civil Teórico. Vid. Nots. Supra pags. 20 e 24

[137]Ortolan. - Generalisat. du Droit Rom.  Not.  Pag. 76.

[138]Si dominium  per leges, testamenta,  aut pacta, retrictum est, limitatum vocatur - Heinec. Obr. cit. § 287 not.

[139]Como no comodato, e na locação.

[140]O direito existe com a sua ação, isto é, com a faculdade a propor. O de propriedade (como diz Ahrens Droit Nat. 4º Ed. pag. 369) não compreende somente o direito de posse, disposição, e uso, da coisa, mas também as ações judiciárias necessárias à pessoa competente, ou seja para obtenção, ou para reivindicação ou recuperação, ou seja para o uso. - “A noção do direito real  (palavras de Mackeldey  Part. Spec.  L.  not. 2 ao § 239) compreende a de poder  demandá-lo por uma ação in rem.”

[141]Cod. Civ. Austr. Art. 285. Chama-se coisa o que é objeto de um direito, sem ser suscetível de exercê-lo - Cod. do Cantão de Berne Art. 332.

[142]Ortolan Generalisat. du  Droit  Rom. § 67 pag. 74.

[143]As ideias do Direito Romano sobre as ações, como veremos depois, tem muito estorvado a aplicação da verdadeira teoria.

[144]Obr. Cit. § 66 pag.72.

[145]Tibaut, autor justamente célebre, esforçou-se em provar, que a liberdade, o pátrio poder, e outros direitos da personalidade, são igualmente iura in re; e que por consequência o jus in re não é sempre direito sobre uma coisa.

[146]Vid. Ortolan Obr. cit. § 81 pag. 90 e 91. - “São direitos reais (palavras textuais) a qualidade de pai, de filho, de homem livre, liberto, patrono, cidadão; e bem assim a liberdade, a segurança individual de nossa pessoa física, a honra, a reputação, e todo o complexo das faculdades intelectuais de nossa pessoa moral.” Bem sabemos, que até certo ponto têm essas asserções seu fundamento nas - ações - do Direito Romano que era o assunto do autor; mas, quando ele entrou na matéria dos direitos reais, disse que fazia abstração das tradições romanas, para recorrer ao puro raciocínio filosófico (pag. 512). Sempre que se distinguirem os direitos reais só pelo seu predicado de existirem - generaliter - erga omnes -, independentemente de qualquer obrigação privativa, cometer-se-á erro de confundi-los com os direitos absolutos. Foi o que aconteceu também a Demolombe (Tom 9° n. 470, pag 367); posto que ele reconhece (pag. 356), que o direito real supõe necessariamente a existência atual da coisa, a que se aplica; pois que a coisa é seu objeto direto e imediato, e não pode haver direito sem objeto. Em resultado, ele só trata dos direitos reais em relação às coisas, que entram em nosso patrimônio, e na acepção mais literalmente conforme à etimologia da palavra - res - (pag. 368).

[147]Os direitos reais são sempre absolutos, porque para nós não direito dessa  espécie sem ação in rem, (que é contra qualquer possuidor). Não há um termo, que signifique esses poderes que podemos ter sobre as coisas dos outros, mas sem ação real. Provavelmente por esse motivo Marezoll (§ 86 pag. 231) chamou esses poderes - jura in re - e disse que não era da sua essência o serem absolutos. Como se concebe o direito real sem ação real? Determinem-se as duas significações - 1º direito real - atribuição de poder sobre de outros, 2º essa mesma atribuição com ação real ad instar do domínio. A palavra - real - em sentido não rigoroso, é só aludindo à coisa - res -, tem exemplo na distinção dos contratos em - consensuais - e - reais - not. 4 no Art. 511 Consolid. Tem exemplo na servidão, que, sendo sempre um direito real, todavia se diz real, para distingui-la da pessoal.

[148]Dos direitos absolutos só o de propriedade faz objeto da legislação civil - vid. Supra. Pags. 43 e 44. - A noção dos direitos reais não é tão larga, ela está para a ideia geral da propriedade, como a parte está para o todo - vid. supra, pg. 47)

[149]Vid. Supra not. (1) pag. 41

[150]As diferentes espécies de - poder jurídico - poder legal  - são os direitos considerados em sua extensão, em seu objeto; daí dimanam as distinções e divisões - vid. Supra, pag. 21. Explicando a divisão dos direitos em móveis, e imóveis, Demolombe (Tom. 9° ns. 346, 407, e 465) diz, que nesta divisão considera-se o objeto dos direitos; e que, para apreciar se um direito é real ou pessoal, considera-se, não o objeto, mas unicamente a causa, a origem, o princípio gerador do direito, Engano visível! Não disse o mesmo autor, que o direito real supõe necessariamente a existência atual da coisa a que se aplica, pois a coisa é o seu objeto, e não pode haver direito sem objeto? A divisão dos direitos em reais e pessoais é feita em relação ao objeto dos direitos na  máxima extensão. A divisão em móveis, e imóveis, também é feita em relação ao objeto dos direitos, mas em particular refere-se aos objetos corpóreos, coisas propriamente ditas. E demais, desprezando-se essas teorias do Direito Francês sobre direitos móveis, e imóveis, a divisão em rigor vem a ser uma subdivisão dos direitos reais, que são os únicos que imediatamente recaem sobre objetos corpóreos. Os direitos pessoais não recaem sobre objetos corpóreos; têm por objeto pessoas, os fatos destas, e só por intermédio das pessoas referem-se às coisas. Em outro logar. tornaremos a este assunto.

[151] Ahrens Cours de D1'oit Nat. 4º Ed. pag. 190.

[152]Zacharire Cours de Droit Civ. Franc. Trad. do Alemm. 2ª Ed. Tom. 1º pag. 138.

[153]Marezzoll 0hr. cit. § 48 pag. 147

[154]Vid. Supra pag. 43 not. 1, pag. 44

[155]A fidelidade conjugal, o pátrio poder, a coabitação de esposos, não são fatos que se possam chamar da nossa propriedade. - vid. Not. 1 pags 44 e 48

[156] Vid. Supra pag. 47

[157]Ortolan Obr. cit. § 57 pag. 75, e not. ao § 68 pag. 76. “Quando eu sou credor, diz ele, é isto verdade não só para meu devedor, como para todos.” Entretanto a obrigação do devedor é pagar a dívida, e os outros não têm esta obrigação. A obrigação dos outros é não impedir o exercício do direito pessoal do credor, e essa obrigação não corresponde ao   direito pessoal, mas ao direito absoluto. E demais, quem se apodera de um título creditório de outro comete um crime, não sobre o direito pessoal do credor, que não é tangível; mas sobre o título, que é objeto corpóreo - Merlin - Quest. de Droit. vb.- vol - § 4°, Chauveau Theor. de Cod. Pen. Tom 5° pag. 28. Haverá crime contra a propriedade (palavras do Art. 268  do  nosso  Cod.  Pen.),  ou o seu  objeto  tenha valor por si, ou de qualquer maneira o represente. De resto, como Ortolan reconhece, que, se a obrigação geral coletiva existe para todos os direitos, há casos  em que  existe  só,  sem direito pessoal; não resulta  inconveniente  do  seu modo de ver, porque estão distinguidos os direitos reais e os pessoais. Vid, Demolombe Tom 9º pag. 355.

[158] Not. 1 supra pag. 43

[159]Supra pag. 46

[160]Fala-se por isso em - morte civil - Vid. Supra pag. 9ª, Not. ao Art. 993 § 5º Consold., e Art. 157 § 3° do Cod. do Com. O que vem a ser direitos civis? Que vem a ser direitos do cidadão? - O que vem a ser direitos políticos? Vid. Infra. Fixadas essas qualificações, a Const. do Imp. será bem  entendida no Art. 7°, na inscrição do Tit. 8°, e nos Arts. 178 e  179. Não se confundirá a lei em geral com a lei civil, não haverá uma lei civil de pura nacionalidade (coisa que ninguém conhece entre nós), nem dir-se-á que os estrangeiros não  gozam de direitos civis. Vid. Pim. Buen. Dir. Pub. Brazil. ns. 533 e 640.

[161]Blondeau - Sur le nouveau Cod. Civ. Du royaume des Pays Bas - Art. impresso na Themis Tom. 6°  pag.  222 e seg.

[162]Supra Not. 1 pag. 45

[163]Os imóveis devem ser excetuados, porque já se disse, que não são suscetíveis de furto ou roubo. Só é possível quanto a eles o crime de dano - Arts. 266 e 267 Cod. Pen. A bancarrota, estelionato, e outros crimes contra a propriedade (Arts. 263, 264, e 2 (35, Cod. Pen.), tem por objeto a propriedade, não em suas espécies, porém como patrimônio.

[164]Arts. 789, 799, e 802, Consolid.

[165]Daí a diferença entre possuidores de boa, ou de má-fé; e a proteção da Lei aos primeiros, e ódio aos segundos. Vid. Arts. 585 § 6°, 573, 574, 577 § 2º, 580, 581, 929, 930, 1321, e outros, Consolid.

[166]Quando o devedor (sem fraude) deixa de pagar por falta de bens, não tem lugar a prisão - Lei de 20 de Junho de 1774, e Ass. de 18 de Agosto do mesmo ano. Vid. Not. ao Art. 839 Consolid.

[167]Supra pag. 43.

[168]Quando se publicar a - Classificação geral das Leis -,  ver-se-á que temos compreendido nas Leis Administrativas, e como as temos dividido.

[169]Na esfera do Direito Civil as personalidades estão no mesmo nível, ou sejam singulares, ou coletivas - Supra. Pag. 40.

[170]Menos quando esses outros direitos são criminosamente violados, porque então funciona o Estado no Juízo Criminal do   mesmo modo que no juízo civil, por intermédio do Ministério Público, que representa uma pessoa moral. Eis o motivo de ser do Direito Criminal um ramo do Direito Privado. Os Escritores Franceses o consideram uma parte do Direito Público, visto não haver, como entre nós, diferença entre crimes públicos e particulares.

[171]Como se vê  nos diferentes §§ do Art. l79 da nossa Const.

[172]A  propriedade pode-se tomar em várias acepções - 1º como qualidade ou atributo inerente à um objeto, 2º como sinônimo de bem necessário à vida pessoa1 e social, 3º como patrimônio de cada um, ou complexo de seus direitos reais e pessoais que tem valo pecuniário; 4º como sinônimo de domínio, ou propriedade material. Só as duas últimas acepções são jurídicas. Os Publicistas chamam - propriedade pessoal - moral - o direito, que tem cada um de dispor de sua pessoa e faculdades individuais; e para designarem a verdadeira propriedade, servem-se da expressão -  propriedade real - Vid. Not. (1) supra pag. 43

[173]Vide Ginér. d´un Corps complet de Législ. - Cap. 2º Veremos depois as diferentes acepções da palavra - delito.

[174]Obr. Cit. Cap. 3º

[175]Vid. Ahrens - Droit Nat Part. Ger. Cap. 3º § 1º.

[176]Maynz Dir. Rom. § 91. Vid. Supra Not. (1) pag. 47

[177]Considerados em outro aspecto, não desconhecemos a diferença entre eles.

[178]Corr. Tel1. Dig. Port. Liv. 1º ns. 43, 45, e 46.

[179]Corr. Tel1. Dig. Port. Liv. lº n. 51.

[180]Corr. Tel1. Dig. Port. Liv. lº n. 52. Estes direitos pessoais não podem ser cedidos à outro.

[181]Cod. Civ. Franc. Art. 617, e 1968.

[182]Cod. Civ. Franc. Arts. 1166, e 1446.

[183]A prova está, em que o usufruto, que é um direito real nesta classificação, vem a ser um direito pessoal, quando se designa debaixo deste nome um crédito vitalício. O usufruto não pode deixar de ser vitalício, para que o domínio não fique reduzido à nome vão. O aforamento perpétuo desmembra para sempre o domínio, mas este não fica aniquilado porque o senhorio recebe a pensão dominical e recebe os laudêmios nas transferências.

[184]É comum a divisão das leis em reais e pessoais, correspondendo ao - estatuto real - e ao - estatuto pessoal -; porém ainda não vimos, debaixo deste ponto de vista, dividir do mesmo modo os direitos civis em - direitos reais - e - , -. Vid. Pim. Buen. Dir. Pub. Bras. T. 8° Cap. 3° Seç. 4ª e Seç. 5º.

[185]Bem o confirma o que se chamava - statuto mixto -, tormento dos velhos Juristas. Como além dos intitulados direitos reais e pessoais, em correlação às duas ordens de statutos, existem muitos outros direitos civis, a Obra, que citamos na Not. antecedente estabelece uma terceira categoria de direitos, que denominou - direitos civis em relação aos atos ou fatos convencionais. Serão reais ou pessoais esses direitos? “A Lei, diz Classat - Traité des Statuts - n. 14, rege o homem, o solo que ele habita, e todos os objetos sobre os quais ele exerce sua atividade. O statuto pode rigorosamente não reger senão o homem, ou o solo, tomados separadamente.” Este mesmo Escritor demonstra o paradoxo de Grocio, que fez resultar do Direito Natural a divisão dos statutos em pessoais, reais, e mixtos; mostra (ns. 29 e seg.) que tal divisão não tem perdido (n. 49) sua verdadeira importância. A mesma Obra (Dir. Pub. Bras. Tit. Prelim. Cap. lº Seç. 3º § 4º) considerou o Direito Internacional Privado como um ramo do Direito Privado, e não do Direito das Gentes; e desta falsa suposição resultaram muitas consequências errôneas. “O princípio de aplicação das leis estrangeiras (Felix, Droit Inter. n. 12) no território de uma nação pertence, não ao Direito Privado, mas ao Direito das Gentes; bem que no fundo se trate de aplicar disposições do Direito Privado, esta aplicação não tem lugar senão em virtude de relações de nação à nação.

[186]Esta palavra não tem mais seu sentido primitivo de leis municipais, regendo províncias ou cidades; significa tanto como lei, e aplica-se à todas as espécies de leis. Na Inglaterra foi sempre esta a sua significação, dividindo-se a legislação em escrita, ou estatutária, e em não escrita, ou comum. Hoje a palavra conserva ainda sua antiga significação nos países, em que, não obstante uma legislação geral, as subdivisões do Estado são regidas distintamente por leis particulares, que formam um direito positivo imediato; não constituindo as leis gerais senão um Código subsidiário aplicável nos casos de silêncio ou insuficiência dos estatutos. Entre nós, se as Assembleias Provinciais forem exorbitando, poder ser que lentamente se vá criando um Direito Estatutário. Em matéria de conflito de leis o termo - estatuto - é tomado como sinônimo de lei. Ora, como o homem pode ser considerado objeto da lei sob a tríplice ralação de sua pessoa, de seus bens, e de seus atos,  costuma-se dividir as leis, ou estatutos, em três  classes, leis pessoais, leis reais, e leis que exercem seus efeitos sobre os atos do indivíduo. É uma aplicação não rigorosa do enunciado das Inst. - one jus vet ad personas pertinet, vel ad res, vel ad actiones -. Felix (Droit Intern. ns. 17 e 18) segue esta divisão, não admitindo os estatutos mixtos, e corrigindo esta expressão. “Não entendemos porém (diz ele) estabelecer uma divisão perfeitamente lógica das diferentes espécies de leis. Se  as distinguimos em três classes, é segundo a exigência da matéria; isto é, em razão das diversas relações, sobre as quais o homem está sujeito às leis.”

[187]Lassaulx lntroduct à l'étude du Cod. Nap. pag. 35, tendo adotado a divisão das leis em pessoais e reais, já abstraindo das coisas, já referindo-se às coisas, explica satisfatoriamente a diferença desta divisão combinada com as outras do estatuto pessoal e real, e do jus in re e jus in personam.

[188]Os elementos das relações jurídicas na esfera do Direito Privado em geral, e do Direito Público, são  também as pessoas e as coisas, de que se compõe toda a natureza criada. As pessoas tomadas como entes ativos, e passivos, do direito (natureza livre), e as coisas como objetos materiais, sobre que a nossa vontade pode recair (natureza não livre). E pois que as pessoas são também entes passivos do direito, a palavra compreende os fatos que as pessoas podem prestar positiva e negativamente, e por consequência as coisas que dos fatos devem resultar. Em última análise pois, com exceção de alguns direitos nas relações de família, as coisas, ora imediata, ora mediatamente, são os objetos de todos os direitos regidos pela Legislação Civil.

[189]Podem haver combinações de todo o gênero, como já se notou supra. Os bens enfitêuticos podem ser hipotecados, e também pode ser o usufruto. Este pode ter por objeto os mesmos bens enfitêuticos, que também podem ser subenfiteuticados. O mesmo prédio pode ser gravado com diversas servidões. A Jurisprudência Francesa nos oferece à tal respeito uma variedade admirável, e mais ainda o sistema feudal, como diz Belime Philosoph. de Droit Tom. 2º pag 292, com a sua travação sem exemplo de mil direitos, suportando outros direitos parasitas, que partindo do solo como outros tantos fios vão ter à mil mãos em confusão inextricável.

[190]Por este motivo os Escritores Alemães fazem da herança um tratado particular. Que a herança não constitui - jus in re - distinto do domínio - singularum rerum adquisitio -, se bem que se distingue como - adquisitio per quisitio -, é evidente. Segundo o Direito Romano a herança é um dos modos derivativos de adquirir domínio, posto que dependente da adição. Como esse modo de adquirir entre nós (Consolid. Not. ao Art. 1231 § lº) não depende do ato especial da adição, a herança é titulo do domínio do herdeiro, título que deriva ou da determinação da lei, ou das disposições de última vontade (Consolid. Art. 907), e ao mesmo tempo é modo de adquirir domínio (Consolid. Arts, 978, 979, 980, e 1025). Na ordem das ações a reivindicatio corresponde ao domínio, e a hereditatis petitio à herança; e estas ações só divergem, ou porque o réu possui os bens da herança como herdeiro, ou porque os possui por título singular. Isto porém só se entende com os objetos corpóreos, ou coisas propriamente ditas, e não com direitos pessoais cujos objetos não são suscetíveis se sequelas do direito real. (vid. Supra pag. 48) Advirta-se que não falamos agora na linguagem do Direito Romano, que, excetuando o domínio, considerava todos os outros direitos, quer pessoais, quer mesmo reais, como - res incorporales -.

[191]E por isso alguns Escritores Alemães, como Tibaut e Mackeldey, tem tratado distintamente do concurso de credores em parte especial.

[192]São os credores de domínio, de que tratam o Cod. do Com. Arts. 874 e 881, e o Regul. Com. n. 737 Arts. 619 § lº, 620, e 625.

[193]São os credores e os legatários, daqueles, de quem o devedor comum foi herdeiro; os credores de um pecúlio distinto - Art 874 § 5° do Cod. do Com., Art. 620 §§ 3º e 4º do Regul. Com. n. 737. Sobre o crédito por separação de pecúlio veja-se os Arts. 1071 e 1072 Consolid.

[194]É preciso distinguir os credores da massa, como tal, dos credores que já o eram antes da abertura do concurso. O Cod. do Com. no Art. 876 confundia esses credores na massa com os privilegiados.

[195]O concurso de credores em geral compreende os credores reivindicantes, os separatistas, e os credores da massa. O concurso em sentido restrito supõe excluídos esses credores, e só diz respeito aos outros.

[196]Entre credores quirografários pode-se dar o concurso, - lº - entre credores quirografários especiais (Arts. 834 à 837 Consolid.), e quirografários simples (Art. 838 Consolid.); -  2º - dos credores quirografários simples entre si (Art. 839 Consolid.)

[197]Art. 1269 § 2º Consolid.

[198]Quanto à hipoteca legal privilegiada - Art. 1271 Consolid. Quanto à hipoteca legal simples - Arts. 1273 à 1278 Consolid. Quanto à hipoteca convencional - Arts. 1284 à 1287 Consolid. Os bens móveis e imóveis, no estado atual da legislação, são suscetíveis de hipoteca; e assim não podemos distinguir os credores privilegiados sem hipoteca.

[199]Art. 1269 conslid.

[200]Trata-se do concurso de credores quirografários no Liv. 1º T. 4º Cap. lº por ocasião do pagamento, um dos meios de extinção dos direitos pessoais, e do Art. 833 em diante. Dos credores hipotecários no Liv. 2º T. 4º, por ocasião da - hipoteca,- um dos direitos reais.

[201]Pothier (Trat. de la prescrit. Art. Prelim.) já havia dito, que a prescrição, como meio de adquirir, nada tinha de comum com a outra senão o nome; todavia elas tem um caráter comum, porque ambas extinguem direitos.

[202]O lº Cap. Inscreve-se - da consolidação dos direitos e obrigações -, e trata das obrigações solidárias, e da caução fidejussória e pignoratícia. O 2º Cap. Inscreve-se - da modificação dos direitos e obrigações -, e trata da novação, transação, compromisso arbitral, cessão, e delegação. O 3° Cap. Inscreve-se - da extinção dos direitos e obrigações -, e trata do pagamento, compensação, remissão, confusão, e vencimento do termo. Todas estas matérias não são promíscuas, mas entram na teoria dos direitos pessoais.

[203]Supra, pag. 24

[204]Já se disse supra, que as ações (ações Judiciais) são atos jurídicos, porém estes atos não entram na órbita do  Direito Civil propriamente dito, são regulados por uma legislação à parte, que é a do processo.

[205]Trait. de Droit Rom, Tom. 3º Cap. 3° § 104.

[206]As pessoas morais (que também se denominam abstratas, fictícias, civis, jurídicas) exprimem sempre a ideia de um certo número de homens, ou existindo uns com os outros ao mesmo tempo, ou existindo uns depois dos outros em diferentes tempos, contanto que sejam concebidos como formando unidade, uma pessoa. Costuma-se dizer, que a lei erige em pessoas o Estado, as cidades, os estabelecimentos de todo o gênero, e até os objetos materiais, como o fisco, a herança jacente. Não se entenda, porém, que em algum caso o direito possa pertencer às coisas. Todos os direitos pertencem às pessoas - hominum causa omne jus constitutum est -. Quando as coisas, por simples uso de linguagem, se designam como investidas de direitos, é sempre no sentido de que representam pessoa física ou jurídica.

[207]A palavra - bens -, designando somente as coisas, que podem ser objeto do direito de propriedade, não significa o mesmo que a palavra - coisas -, a qual compreende tudo que existe na natureza não livre como o ar, o mar, o sol, que não são suscetíveis de apropriação exclusiva - Rei appelatio latior est quam pecunire, quae etiam ea, quae extra computationem patrimonii nostri sunt, continet; quum pecuniae significatio ad ea referatur, quae in patrimonio sunt - L. 5º § l º Dig. de verb, signifi. - As coisas pois da ciência do Direito são os bens (Art. 42 Consolid.) - bona ex eo dicuntur, quod beant, id est, beatos faciunt, beari enim est prodesse - L. 49 Dig. de verb. signif. Filosoficamente, em acepção mais elevada, a palavra - bem - pode compreender tudo quanto proporciona ao homem uma utilidade, seja material ou moral.

[208]Art. 42 Consolid. As coisas corpóreas são os bens móveis e imóveis: as incorpóreas os direitos, e as ações exigíveis.

[209]Arts. 44, 45, e 47, Consolid., extraídos das leis do imposto da siza, que adotaram a classificação dos Arts.  517 à 526 do Cod. Civ. Franc.

[210]Em um caso a pessoa é considerada com todos os seus direitos, em outro caso com certos e determinados direitos, que lhe provém de um estado, de uma qualidade. Neste último caso a palavra - persona - alude à máscara, com que se cobriam os antigos atores das peças dramáticas.

[211]São bem conhecidas as três restrições, que por Direito Romano diminutio a capacidade jurídica até o grau de privação completa - capitis diminutio minima, media, maxima - Estas degradações correspondiam aos três estados - familiae, civitatis, libertatis -. Quanto ao 1º estado os homens eram - sui juris, alieni juris. Quanto ao 2° - cives, peregrini. Quanto ao 3º - liberi, servi.

[212]Do que temos prescindido, como já declaramos supra pag. 11. Ninguém ousará dizer, independentemente de qualquer demonstração, que uma pessoa livre entre nós pode passar à condição de escravo. Mesmo com os libertos, desde que a nossa Carta no Art. 6º § 1º os considerou Cidadãos Brasileiros, e no Art. 91 os admitiu à votar nas eleições primárias, todos entendem que tem cessado a Ord. L. 4º T. 63 §§ 7°e 8º quanto à revogação de alforrias por causa de ingratidão - Vid. Not. ao Art. 421 Consolid. - A escravidão, que, segundo o antigo Direito Romano, resultava da capitis diminutio máxima -, como consequência de certas penas - servitus poenae - foi abolida pelo Imperador Justiniano na Novel. 22 Cap. 8°, e antes dele já o havia sido por Valentiniano na L. 8ª Cod. Theod. de poen. Por inadvertência falou-se em - servo da pena - na Ord. L. 4º T. 81 § 6°, e na do L. 2º T. 26 § 28 da - perda do estado ou liberdade das pessoas. Nunca houve  em Portugal servidão da pena - Mel. Freir. L. 2º T. lº § 11. Para a confiscação de bens não carecia o poder absoluto dessa ficção antiga do Direito Romano. Pelo Direito novo a solução negativa é evidente, porque a pena de morte,  que o caso da Ord. L. 4. T. 81 § 6°, não pode produzir outro efeito, que não o designado nos Arts. 38 e seg. do Cod. Pen. As leis penais não admitem interpretação   extensiva, e por maior precaução aí está o Art. 33 do mesmo Cod. Finalmente a Const. proclamou a inviolabilidade dos direitos do homem, e assegurando particularmente o direito de propriedade, e abolindo o confisco, que era o remate daquelas Ordenações, impossibilitou todo o pensamento do antigo legislador.   Vid. Not. ao Art. 993 § 5º Consolid.

[213]Não era assim por Direito Romano, que fazia do - status - a condição característica da capacidade civil; e as outras qualidades, que aliás também são estados, reputava condição de certos direitos. É por isso que d´Aguesseau  censura aos Jurisconsultos Romanos não terem definido a palavra - estado -.

[214]O estado de cidadão - civis - oposto ao de estrangeiro - peregrinus - repousa na distinção, que (note-se bem), na esfera do Direito Privado, faziam os Romanos de um Direito das Gentes comum à todos os homens - quod naturalis ratio inter omnes homines constituit -, e de um Direito Civil, que cada povo por si estabelece para si - quod quisque populus ipse sibi jus constituit -. Provinha essa distinção de ideias que admitiam a dualidade de origem entre os homens, ou pelo menos uma desigualdade fundamental resultante da conquista. Os estrangeiros não eram homens iguais aos cidadãos romanos, e não podiam portanto gozar dos mesmos direitos; reconhecia-se lhes o gozo do - jus gentium -, mas não do - jus civile -, que era privativo dos cidadãos romanos - proprium jus civium Romanorum, - jus quiritium -. A injusta diferença entre estrangeiros e cidadãos foi sucessivamente desaparecendo, houveram graus intermediários, até que foi abolida - L. 17 Dig. de stat. Hom.- . Tendo cessado esta diferença, cessou a distinção entre o - jus civile - e o - jus gentium -, os quais se identificaram. Em sentido inverso, não tendo nunca existido em Portugal, nem existindo entre nós, um Direito Civil dos cidadãos em contraste com outro Direito Civil de estrangeiros, cessou a diferença entre cidadãos, e estrangeiros, na arena do Direito Civil, e portanto não existe mais a capacidade restrita dos estrangeiros. A este mesmo resultado chega Savigny Dir. Rom. Tom. 2° § 75 na aplicação ao Direito actual dos princípios sobre a  capacidade e a - capitis diminutio. Apesar disto, a nossa  Ord. L. 4º T. 81 § 6° ainda refere-se à esse - jus civile -, quando diz - atos civis, que requerem autoridade do Direito Civil, como é o testamento -. E quando foi que em Portugal negou-se aos estrangeiros a facção testamentária, ou qualquer outro ato desses que só erão do - jus civile -, e não doc- jus gentium? - Neque ad hodiernus mores apotari possunt, quae Romani de suorum civium jure, non temere  aliis concedendo, mimia tenacitate tradiderunt - Mel. Freir, L. 2º T. 3º § 13 not.

[215]Muitos escritores de Direito Romano, como Heinec, abandonando o rigor da teoria do - status -, o consideram simplesmente como a qualidade, que dá causa à diversidade dos direitos; e o dividem geralmente em  natural e civil. O mesmo seguiu Mel. Freir. L. 2º T. lº § lº. - A qualidade da nobreza é hoje de nenhuma importância para o Direito Civil - Vid. Arts. 369 §§ 5° e 6°, 457, 458, 459, e 694, Consolid.

[216]Art. 1º Consolid. -  nasciturus pro jam nato habetur se de ejus commodo agitur

[217]Arts. 2º a 7º Consolid.

[218]Arts. 8º, 9°, e 11 a 28, Consolid.

[219]Art. 1º Consolid.

[220]Arts. 29 e 30 Consolid.

[221]Arts.  31 a 39 Consolid.

[222]Arts.  40 e 41 Consolid.

[223]Art. 99 Consolid.

[224]Vid. not. ao Art. 2º Consolid.

[225]Vid supra pag. 87. - O que vem a ser direitos civis? O que vem a ser direitos do cidadão? O que vem a ser direitos políticos? Também há outras denominações, como as de - direitos do homem, direitos naturais, direitos individuais, direitos privados, direitos públicos, direitos de cidade, direitos cívicos. Todas estas denominações designam duas categorias de direitos, e só uma delas é comum às duas categorias, mas contendo uma antítese em relação à nacionalidade. Na mesma categoria os epítetos enunciam ideias especiais. Com o mesmo epíteto a ideia é mais ou menos extensa. Em uma das categorias entram os direitos civis, direitos do homem, direitos naturais, direitos individuais, direitos privados, direitos públicos. Na outra categoria, os direitos políticos, direitos de cidade, direitos cívicos. A denominação comum é a dos - direitos do cidadão - que se presta a designar os direitos das duas categorias, ora compreendendo os de ambas em toda a sua plenitude, ou com restrição, ora os direitos somente de uma das categorias; mas tendo por base a ideia de nacionalidade, oposta à ideia contrária. Os direitos do homem são individuais, porque lhe pertencem como indivíduo, e não como membro de um povo; são naturais, porque constituem a natureza humana; são privados  porque respeitão imediatamente ao interesse particular de cada um; são civis e público, porque as leis (note-se bem) as leis, e não somente as leis civis, os declaram, protegem, sancionam, e regulam. Esta expressão - direitos públicos - não tem uso entre nós, é dos Publicistas Franceses, que a derivaram de suas Cartas de 1814 e 1830, aludindo aos mesmos direitos individuais, que aquelas Cartas declararam e garantiram. Os direitos são políticos, porque conferem ao cidadão a faculdade de participar mais ou menos imediatamente do exercício, ou estabelecimento, do poder e das funções públicas; são, quando tem verdadeiro caráter político, os direitos de cidade, direitos cívicos, porque pertencem à vida política, e caracterizam os cidadãos por excelência, os cidadãos ativos. Também não usamos destas duas últimas expressões, que pertencem à Constituição Francesa de 1799 (ano 8°). Temos portanto em última análise os - direitos civis - e os - direitos políticos -, que são todos os direitos do homem e do cidadão. Mas quanto aos direitos políticos a ideia pode ser menos extensa no Governo Constitucional, designando unicamente aqueles direitos, que nos fazem participar da formação e ação dos grandes poderes públicos, isto é, dos que intervém na confecção das leis, ou são encarregados da sua execução. Quanto aos direitos civis a ideia também se restringe, designando, não todos os direitos individuais, mas unicamente aqueles, que são regulados pelo Direito Civil propriamente dito, e que podem ser objeto de um Código Civil. Tal é a acepção, em que tomamos aqui os - direitos civis -. A acepção mais lata pertence ao nosso Direito Constitucional, que indistintamente emprega as palavras - direitos civis - e - direitos individuais - na inscrição do Tit. 8°, e nos Arts. 178 e 179, para designar todos os direitos, que não são os - direitos políticos -.

[226]A Const. do Imp. no Art. 7° contém dois casos de privação dos direitos de Cidadão Brasileiro pela perda da qualidade de cidadão, e um só caso - o de  banimento - por efeito de condenações judiciárias; porém nós já determinamos o valor das qualificações - direitos do cidadão - e - direitos civis -, e acabamos de ver que exprimem ideias diversas. A primeira destas expressões é antitética, para designar os direitos políticos, e aqueles direitos civis, scilicet, direitos não políticos, que são privativos dos nacionais, e de que portanto os estrangeiros não podem gozar. Consequentemente a perda dos direitos de cidadão não importa a privação total dos direitos não políticos, em cuja classe entram os direitos civis regidos pela Legislação Civil. Os direitos não políticos privativos da nacionalidade são os direitos individuais com a expansão possível, que lhes dá a Carta no Art. 179, e que lhes dão as Leis secundárias. Os direitos não políticos, de que gozam os estrangeiros, são os mesmos direitos individuais, porém um pouco mais limitados, não na esfera somente do Direito Civil, senão também na esfera do Direito Criminal (outro ramo do Direito Privado), e na esfera do Direito Administrativo, um dos ramos do Direito Público. Com efeito, o homem com os seus direitos individuais não está somente em relação com os outros homens, está igualmente com o poder público. Como, no estado atual das sociedades modernas, as restrições aos direitos dos estrangeiros não são, e não podem ser, muitas; a diferença    entre nacionais e estrangeiros, deriva principalmente dos direitos políticos, de que os últimos nunca podem gozar. É por este motivo, que um insigne  Publicista (Silvestre Pinheiro) nas suas observações à  Carta Portuguesa pag. 113 explica-se deste modo: “Quanto aos direitos civis, nenhuma diferença pode haver entre nacionais e estrangeiros em um país constitucional; e portanto é só aos direitos políticos, que se refere aquela distinção.” O mesmo repete no seu Man. do Cid. Tom. 1° pag.  15. Fujamos porém de supor, que o Art. 7º da Carta  unicamente se refere aos direitos políticos, não desprezamos sua boa fraseo1ogia, não procuremos corrigi-la à feição do Direito Francês, para não cairmos na confusão de ideias, que transviou alguns J. C. Portugueses na inteligência do Art. 8° da sua Carta, que é igual ao 7°  da nossa. Diz Teix. Dir. Civ. Part. lª T. 2° § 12 entendeu,  que a perda dos direitos de cidadão importava a perda dos direitos políticos, como dos direitos civis. - Coelh. da Roch. Dir. Civ. §§ 200 e 20l, ora aplica as disposições da Carta à simples qualidade de nacional, ora aos direitos políticos somente; posto que lhe pareça dever - se entender, que a Carta também fala da perda dos direitos civis! - Corr. Tell. Dig. Port Liv. 2º Tit. Prelim. não descreveu os casos de perda dos direitos de nacional (como aliás fazem os outros), mas os casos de perda dos direitos políticos! Será possível perder tão somente os direitos políticos sem perder também a nacionalidade?

[227]Labora neste engano o recente Coment. da nossa Const. sob o título - Direito Público Brasileiro -, estabelecendo duas ordens de direitos civis - (§§ 533, 6 l l, e 640), confundindo o Direito Positivo em geral com o Direito Civil, e reunindo depois os direitos civis em um - jus quiritium - por contraste a um - jus civitatis - (§ 612). Há nisto uma preocupação de falsas ideias bebidas nas teorias do Direito Francês, e nas tradições do Direito Romano, de onde resultaram graves erros. Concluiu-se 1º - que o Direito Constitucional não deve conter disposições sobre a qualificação da nacionalidade; 2º - que a nossa Carta só tratou disso por dependência de  matéria, 3º - que nesta parte, não tendo ela caráter constitucional, pode ser alterada por lei ordinária (§§ 616 a 620). Estas conclusões são inadmissíveis, e sentimos não poder aqui acompanhar cada uma das proposições, a que se tem recorrido para demonstra-las. A lei constitucional é a primeira lei, de onde todas as outras devem dimanar. Constituída uma associação política, a consequência imediata é logo a designação de quem dela faz parte. A nacionalidade é a condição primordial dos direitos políticos, porque ninguém pode exercer direitos políticos sem ser nacional; mas a nacionalidade não é o fundamento das direitos individuais, e dos direitos civis em particular, isto é, dos direitos civis regidos pela Legislação Civil, porquanto os estrangeiros gozam destes direitos com algumas restrições, ou, por outro modo, gozam de quase todos estes direitos. Quando se perde a nacionalidade, perde-se necessariamente os direitos políticos; mas não se perde isoladamente os direitos políticos, ficando a nacionalidade. Eis porque a nossa Carta muito sabiamente só designa no Art. 7° os casos de perda da nacionalidade, e quanto à direitos políticos (Art. 8º) só trata dos casos de suspensão. Na ordem política a linha de separação entre reinícolas e estrangeiros é indestrutível, na ordem civil não há linha de separação, há restrições; e por muito que fossem, longe estarão de uma supressão completa. Se a perda da nacionalidade produz sempre a dos direitos políticos, ao tempo que pouco influi nos direitos civis; é bem evidente, que a qualificação da nacionalidade pertence ao Direito Constitucional, e não ao Direito Civil. É impossível demonstrar que esta matéria não tem caráter constitucional nos termos do Art. 178 da Carta, quando ela refere-se no lado aos direitos políticos, e em alguma coisa aos direitos individuais. Não servem de exemplo as legislações de outros países, que fazem depender o gozo dos direitos civis da qualidade de nacional; e nestes casos estão o Cod. Franc. o Cod. Belga, e todos os outros que o imitaram. A Ord. L. 2° T. 55 trata da nacionalidade, mas todos sabem que a compilação Filipina é um Cod. geral, e que só o seu L. 4º contém o Direito Civil propriamente dito.

[228]Na Obra citada §§ 639 e 640 não se apontou um só direito de Legislação Civil propriamente, de que os estrangeiros não gozem. Tudo que pertence ao exercício de empregos públicos, a começar pelos de mais baixa escala, corresponde aos direitos políticos, não na acepção restrita, e usual, do regime constitucional, mas na geral como participação de funções públicas. Quais serão esses direitos civis, que procedem do Direito Natural, e do Direito das Gentes, Tratados, e costumes da civilização? Qual a lei nossa, que tem distinguido esses   direitos civis mais naturais, e menos civis, de outros direitos menos naturais, e mais civis? - O estatuto pessoal - é outra preocupação da citada Obra. As nações são entre si independentes, tem o poder exclusivo de promulgar suas leis; e estas obrigam, nos limites de cada território, todas as coisas, e todas as pessoas, que nele se acham. Quaisquer efeitos, que as 1eis estrangeiras possam ter no território de um Estado, dependem absolutamente do consentimento expresso, ou tácito, desse Estado, Wheaton - Dir. Intern. Part. 2º Cap. 2º §§ 1º e 2º. Se uma nação (Chassat Trait. des Stat. pag. 214) está obrigada a reconhecer no estrangeiro os direitos privativos da sua nacionalidade, a solução desta questão não se vê escrita em parte alguma, nem tem entrado ao menos, como consequência de uma obrigação correlativa à um direito certo, em o número dessas verdades geralmente recebidas, ou dos usos constantes entre os povos. Todos os Escritores reputam a exterritorialidade, que se dá a estas leis, como um ato de benevolência, como dever de sociabilidade humana, como fato de mútua conveniência - ob reciprocam utilitatem - e não como condição obrigatória. E demais, se os - statutos - são admitidos ou observados em uma nação, eles não restringem os direitos civis dos estrangeiros, antes os mantém pelo modo mais favorável. O que as nossas leis tem providenciado a este respeito acha-se coligido nos Arts. 406 e 408 Consolid.

[229]No Direito Romano não se encontra a expressão metafórica - morte civil -, mas os Intérpretes a inventaram por uma dedução da teoria da - capitis diminutio -. Essa expressão aludia: 1º - à perda simplesmente (salva libertate) do direito de cidade - capitis diminutio media -; 2º - à escravidão das penas, um dos casos da - capitis diminutio maxima -. As Ordenações Afonsinas, coligidas em 1446, não falou em morte civil. Esta locução introduziu-se depois nas Ordenações Manoelinas, e nas Filipinas, como se vê das Ord. L. 5° T. 120 princ., T. 126 princ., e § 3º, e foi repetida na Cart. Reg. de 16 de Dezembro de 1615, dizendo-se de passagem - morte natural ou civil -; sem que se saiba, se uma é consequência da outra, ou e são duas penas diversas, e quais os efeitos dessa imagem da morte natural. O mais, que se lê em nossos Juristas, é obra deles, e não das nossas leis, salvo o caso da confiscação de bens da Ord. L. 2º Tit. 26 § 28, que fala da perda da vida, ou estado, ou liberdade, e o da Ord. L. 4º T. 81 § 6º, que fala da servidão da pena, privando do direito de testar aos condenados à morte. À esta última Ord. se refere simplesmente a do L. 4° T. 83 § 2°, derivada da L. 11 Dig. de testam. milit., que faz uma exceção em favor do soldado. A confiscação de bens era uma pena, que se impunha em vários casos, e que não envolvia a ideia da - morte civil -; e, levada a questão ao seu último reduto, da Ord. L. 4° T. 81 § 6º, a confiscação de bens ainda aparece nessa Ord. como complemento da suposta - morte civil, sendo o seu efeito próximo privar os condenados à morte de fazer testamento. Com esse único efeito terá a metáfora algum valor? A confiscação de bens foi abolida pelo Art. 20 da Const., e assim ficou mutilada aquela Ord. L. 4° T. 81 § 6º, e despojada do seu complemento. Já se disse, que os casos de perda dos direitos de cidadão do Art. 7º da mesma Const. só se referiam aos direitos políticos, e à alguns direitos não políticos privativos da nacionalidade. No mesmo sentido deve-se entender o Art. 50 do Cod. Crim., concordante com o § 3º daquele Art. 7º da Const., sobre a pena de banimento, privando para sempre os réus dos direitos de cidadão. Além de que, essa pena não tem sido aplicada pelo mesmo Cod., e se o fosse, resolver-se-ia em prisão perpétua quando o banido voltasse ao território do Império. A prisão (Art. 53) inibe somente o exercício dos - direitos políticos -. A pena de morte também está definida no citado Cod., e não tem essa pena concomitante da chamada morte civil. Se a nossa legislação moderna (Vid. Repert. de Furt.), e ultimamente o Cod. do Com. Art. 157 § 3º (Vid. Supra pag. 9, e not. ao Art. 993 § 5º Consolid.) falam em - morte civil -, repetem simplesmente um nome, que não tem sombra de realidade. Vid. Card. - O que é o Código Civil? -

[230]A - Civitas Romana - compreendia direitos de natureza política, - jus sufragii - jus honorum -, de que dependia a participação no governo; e compreendia também os direitos privados. Não se pense porém, como observa Savigny Tom. 2º pag. 46, que aqueles direitos políticos formam a base fundamental do direito de cidade. Havia no tempo da república uma classe particular de - cives non otimo jure -, isto é, sine suffragio; donde se vê  que a qualidade de cidadão não era necessariamente ligada à posse desses direitos. A capacidade do Direito Privado subsistiu sempre, e resultava da diferença entre o - jus civile - e o - jus gentium -, os quais eram uma subdivisão do - Jus Privatum - quod ad singulorum ultilitatem spectat -. O jus civitatis - nunca designou  direitos políticos, era o mesmo - jus cívile - jus quiritium -; mas, não obstante ser uma divisão do Direito Privado,  tinha caráter político, visto que distinguia os direitos privativos dos cidadãos, de que os estrangeiros não podiam gozar. Ora, tendo cessado tal distinção, não há mais algum direito civil, que tenha o caráter de nacionalidade. Desde que os estrangeiros foram admitidos a exercer os direitos privados sem distinção dos nacionais, a acepção das Leis Romanas perdeu seu valor de aplicação prática. Todavia os J. C. nunca dela se  desquitaram, e os livros jurídicos trazem enumerações de direitos civis (Vid. Guichard - Trat. des Droits Civils), e discussões ridículas, e inúteis, que remontam ao estado da natureza, hoje sem a menor importância

[231]A distinção romana do - jus civile -, e do - jus gentium - insinuou-se na jurisprudência dos Parlamentos, a diferença entre cidadãos e estrangeiros era bem sensível na efetividade do direito de albinagio - droit d'aubaine -; e suposto a Revolução de 1789 proclamasse os direitos do homem, e para sempre abolisse os direitos de albinagio, e de detração; o Cod Civ. em 1804 distinguiu as pessoas em relação ao gozo, e privação dos direitos civis, estabeleceu essa privação para os casos de perda da qualidade de francês, limitou no Art. 11, e nos Arts. 726, e 912,  (depois revogados por uma lei de 1819) os direitos dos estrangeiros; e conservando as antigas ideias sobre a morte civil, deu força às impróprias noções do Direito Romano, fazendo no Art. 25 uma particular distinção de direitos civis, onde até entrou o casamento! A Const.  Franc. de 1791 identificara as qualidades de nacional, e de cidadão; mas, como todos os cidadãos não gozavam dos direitos políticos, discriminou-os em ativos e não ativos. A Const. de 1795 (ano 3º), e sucessivamente a de 1799 (ano 8°), destruíram a identidade, chamando - franceses - os cidadãos não ativos, e cidadãos os ativos somente. E o que fizeram os redatores do Cod. Civ.? Coerentemente com essas últimas Constituições estabeleceram no Art. 7°, que o exercício dos direitos civis era independente da qualidade de cidadão; mas  impropriamente transportaram para o Art. 17, e Arts. 23 e 24, disposições, que haviam sido estatuídas para a perda dos direitos políticos (a que se tinha dado o nome de direito de cidade), e as aplicaram para a perda dos direitos civis ligados à qualidade de simples nacional. Fizeram ainda mais, porque no Art. 17 adicionaram um novo caso, que não se vê na Const. do ano 8º, qual o do estabelecimento em país estrangeiro sem intenção de voltar. Desta maneira legislaram como constituintes no Código Civil, visto que, perdida a qualidade nacional por este motivo, perdida estava a qualidade de cidadão. Se a  qualidade de nacional era independente da de cidadão, a  qualidade de cidadão não o era da qualidade de nacional; porque não se pode ter direitos políticos sem ser nacional. O caso é, que essa má legislação foi persistindo. As Cartas de 1814, e de 1830, foram mudas a este respeito. A última Const. de 1852 adotou os grandes princípios proclamados em 1789; mas o Cod. Civ. tinha em vista a Const. do ano 8.º - A morte civil, que se pode dizer uma instituição peculiar da Legislação Francêsa, tem sido geralmente abolida, e mesmo em França, por uma lei de 31 de Maio de 1854 - Vid. Humbert Coment. à esta lei.

[232]1º - No ponto de vista do antigo Direito Romano e do Direito Francês promiscuamente, já que as ideias do primeiro, posto que bastardeadas, passaram para o segundo; e não pondo em linha de conta escrupulosas apreciações da verdade histórica, e as controvérsias  próprias desta matéria; o casamento (não obstante seu elemento natural, e seu elemento religioso, além do elemento civil), a adoção, o pátrio poder, a sucessão hereditária, a fação testamentaria, as hipotecas, e privilégios (em parte), e a prescrição, são do Direito Civil, e não do Direito Natural (ou das Gentes). Quase todos os Contratos, a compra e venda, a locação, a sociedade, o depósito, o mútuo, e outros, são do Direito Natural, e não do Direíto Civil. - Et ex hoc jure gentium omnes pene contractus introducti sunt, ut _emptio et venditio, locatio et conductio, societas, depositum, mutuum, et alii inumerabiles - Inst. de jur. natur. Gent., et civ. § 2.º  Quanto à propriedade imovel e direitos reais que lhe são anexos, os Romanos tinham o - dominium quiritarium - e  o dominium bonitarium -, sendo aquele só próprio dos cidadãos; e esta diferença não existe no Direito Francês. A doação entre vivos era do Direito das Gentes, entretanto que o Art. 25 do Cod. Civ. Franc. a considera como do Direito Civil. - 2º - No ponto de vista só do Direito Francês, vemos o direito de albinagio (droit d'aubaine) estabelecido nos Arts. 726 e 912 do Cod. Civ., os quais foram depois ab-rogados pela lei de 14 de Julho de 1819; vemos duas classes de estrangeiros, os do Art. 11 gozando de direitos civis em proporção de uma reciprocidade diplomática, e os do Art. 13 admitidos por uma especial autorização, que não produz os mesmos efeitos da naturalização; vemos os estrangeiros quase reduzidos aos civilmente mortos, vemos finalmente no Art. 25 o longo catálogo de direitos, inclusive o de casamento, de que os civilmente mortos ficam privados. - E o que tem tudo isto de comum com o nosso Direito Civil, e com a realidade da nossa vida civil? O direito de albinagio não consta que fosse praticado em Portugal.  Como em França, e em outros países, esse chamado direito exercia-se, usurpando o fisco a fortuna dos particulares, celebrou-se com aquela nação a Convenção de 21 de Abril de 1778, que declarou tal direito reciprocamente abolido, salvando-se apenas um indeterminado direito de - detração -, mas incerto. Essa Convenção foi confirmada em Tratados ulteriores,  especialmente no Tratado de paz geral de 30 de Maio de 1814. Com a Rússia tomara-se igual precaução no Tratado de 20 de Dezembro de 1787, renovado em 27 de Dezembro de 1798 (Vid. Resol. Lª de 22 de Setembro de 1826, Ordem de 5 de Novembro de 1840, Av. de 30 de Setembro de 1846, cit. no Repert. de Furt). Para gozarem dos direitos civis, os estrangeiros não precisão de autorização a1guma. Nunca tivemos alguma situação conhecida de morte civil, ou como verdadeira imagem da morte natural, ou como imperfeito simulacro por privar de certos e determinados direitos. Em suma, quanto à direitos civis puramente, isto é, os regidos pela atual Legislação Civil, não descobrimos disposições especiais, senão no caso da - locação de serviços - (Arts. 696 e seg. Consolid.); e essas mesmas foram motivadas pela transitória necessidade da colonização. As disposições especiais sobre herdeiros estrangeiros ausentes (Art. 34 Consolid.), e heranças de estrangeiros (Arts. 1260 a 1266  Consolid.), são protetoras e não restritivas. A reciprocidade diplomática do Art. 24 do Regul. de 8 de Novembro de 1851 é só a condição de um favor excepcional, e não a do gozo em geral dos direitos civis. Entre as incapacidades da tutela e curatela (Art. 262 Consolid.) não vemos que se contemple a proveniente da qualidade de estrangeiro. O Av. de 8 de junho de 1837 (que de propósito não coligimos), com a sua diferença entre pupilos nacionais e estrangeiros, não é aplicável na prática senão às tutelas dativas. Cumpre abandonar a ideia oriunda do Direito Romano, de que a tutela é um munus publico. As mulheres podem ser tutoras, sendo mães e avós (Arts. 245 § 1º, e 262 § 1º, Consolid.), e as mulheres não gozam de direitos políticos, não podem em regra exercer funções públicas. Se é do espírito de todas as legislações procurar unicamente no tutor um protetor desinteressado dos bens do pupilo, a tutela deve ser razoavelmente confiada à pessoa, que segundo todas as probabilidades desempenhar melhor o fim que se deseja. Nas outras esferas do Direito há várias diferenças entre nacionais e estrangeiros, que na Classif. Ger. das Leis -  procuraremos coligir com o maior cuidado. Sem falar de funções públicas, inclusive as de párocos, ou de outros benefícios eclesiásticos, professores, advogados, oficiais de Justiça, coletores, corretores, agentes de leilões, etc., as diferenças mais notáveis dão-se nos casos da - liberdade de imprensa (Art. 7º §§ lº e 2º Cod. Crim.), - propriedade literária (Art. 261 cit. Cod.), - ação de responsabilidade contra empregados públicos - não sendo em causa própria  (Art. 154 Cod. do Proc. Crim., e Art. 396 do Reg. de 31 de Janeiro de 1842), do - habeas-corpus - (Art. 340 do Cod. do Proc. Crim.), - mineração - (Ordem de 14 de  Maio de 1849), e concessão de terrenos diamantinos - (Decr, de 25 de Outubro de 1832 Art. 11).

[233]Trat. de Dir. Rom. Tom. 2º pag. 149. Esta censura faz o sábio Escritor por ocasião de um interessante episódio sobre o Direito Francês. Depois de observar que os Autores alemães expõem os princípios romanos sobre a - capitis diminutio - sem pretenderem achar neles alguma aplicação prática, depois de passar em resenha os efeitos da chamada - morte civil- , explica-se deste modo “A distinção entre o Direito Civil, e o Direito Natural, é evidentemente tirada do Direito Romano; mas ela tinha entre os Romanos uma significação muito diversa; porquanto o - jus gentium - era um direito completo, um direito positivo como o - jus civile -. Ao sistema romano se tem irrefletidamente substituído um sistema bem diferente, uma distinção entre as instituições do Direito, - umas mais positivas, mais arbitrárias, e outras mais naturais. Mas este sistema, sem utilidade prática, é vago em suas demarcações, e vacilante em suas bases.» - Com igual critério Chassat em seu Trat. dos Statutus, pag. 197, censurando também o Direito Francês, quanto à reciprocidade matemática, fundada sobre Tratados, de que fez depender os direitos civis dos estrangeiros, reprova essas enumerações arbitrárias de direito, essas sutilezas, apreciações, e distinções mais ou menos plausíveis, que a matéria fornece. “A matéria comporta, diz ele, uma teoria mais elevada, e mais segura. O que importa em legislação é consagrar princípios, lançar vistas largas, que dominem as opiniões no sentido dos interesses gerais.”

[234]Já está dito (supra pag. 48) que a palavra - domínio - exprime em rigor uma ideia menos extensa, do que o termo - propriedade. - O domínio só recai sobre objetos materiais, e é por isso que no Liv. 2.º Tit. 1º, onde tratamos do direito real de domínio, não falamos da propriedade literária (Art. 261 Cod. Crim.), e nem da propriedade industrial (Art. 179 § 26 Const., Lei de 28 de Agosto de 1830). O contrário vê-se no Dig. Port. de Corr. Tel. Liv. 3º n. 42 a 54, e o mais notável é, que se tratou disto como matéria própria da ocupação das coisas achadas - invenção - (Arts. 885 a 889 Consolid.), como um dos modos originários de adquirir propriedade! As disposições sobre a propriedade literária, industrial, e artística, não pertencem ao Direito Civil.

[235]Vid. Consolid. Not. (4) E (5) pag. 23

[236]Vid. Not. (3) aoArt. 61 Consolid.

[237]Not. Ao Art. 605 Consolid.

[238]Trata-se da enfiteuse por ocasião da locação, por ter com esta, e com a compra e venda, alguma afinidade (lnstit. de locat. et conduct. § 3º, Cod. L. 4º T. 66 de jur, esmphyteut.); mas a enfiteuse não se confunde com esses contratos, antes forma um Contrato particular - contractus emphyteuticarius -. Já não acontece o mesmo com a superfície, que, tendo muita semelhança com a enfiteuse, e repousando, como ele, sobre um Contrato, todavia não é um contrato com nome particular, nem tem natureza independente; pois que resulta, ora da compra, ora de uma locação, ora de uma doação.

[239]Art. 915 Consolid. A grande extensão dos poderes atribuídos ao enfiteuta induzia com razão os glosadores a ver no enfiteuse uma espécie de domínio, ou um direito análogo, e para o distinguir do pleno domínio, em contraposição ao semipleno, dividiram este em - direto e útil - Vid. Supra pag. 52. Não vemos nisto inconveniente, uma vez que se reconhece, que o domínio inteiro contém as duas espécies; e demais essas qualificações estão adotadas em nossas leis, e em nossos costumes. O estabelecimento do enfiteuse é considerado como não constituindo um titulus alienationis; mas não se pode negar, em relação ao domínio útil, que o aforamento envolve em si uma alienação primitiva desse domínio, a qual dá direito ao enfiteuta para outras alienações ulteriores. Compare-se a Not. ao Art. 120 com a Not. (1) no Art. 590 Consolid.

[240]Supra pags. 19 e 20.

[241]Savigny Dir. Rom. Vol. 1º pag. 388. Muitos Escritores entenderam, que a primeira parte de personis trata da doutrina do status, mas não no rigoroso sentido do Direito Romano (vid. Supra pag. 114 not. 1). Hugo diz, que ela contém a doutrina da capacidade do direito, estabelecendo as três condições à que corresponde a tríplice capitis diminutio. Outros procuram um meio termo, e dizem que o direito das pessoas abrange ao mesmo tempo o status, e as relações de família.

[242]Os Romanos, em seu sistema de Direito, não assinam as relações de família, isto é, ao casamento,  e relações dos pais com os filhos, um lugar particular e independente; eles não tratam disto senão de passagem no - jus quod ad personas pertinet. - Começam pela divisão dos homens em livres, e não livres - status libertatis -, à esta divisão adaptam  imediatamente a subdivisão dos homens livres em ingênuos e libertos. Isto lhes dá ocasião de tratar ao mesmo tempo da distinção dos homens quanto ao status civitatis -, e terminam o direito das pessoas  por uma terceira divisão dos homens em - omines sui juris, vel alieni juris. Entre os homens alteni juris, designam particularmente os filii familias, e chegam assim à teoria do - status familiae -. Este status repousa sobre a agnação, e esta sobre o pátrio poder.  À esta relação de família, o - patria potestas -, ligam  então a teoria do casamento. A tutela e a cµratela, formam um apêndice da teoria do pátrio poder. Marez. Dir. Rom. pag. 220.

[243]Tanto os que seguiram o sistema do Cod. Civ. Franc., como todos os outros. Só vemos no Cod. Ger. da Prússia os direitos de família tratados distintamente na 2º parte até o Tit 4º inclusive, seguindo-se nos outros Títulos os direitos e deveres dos amos e criados (supra Not. (1) pag. 36), e muitas matérias alheias do Direito Civil propriamente dito. A 1ª parte desse Cod. trata em 23 Títulos das ideias gerais das pessoas e das coisas, e das matérias especiais, excetuados os direitos de família. Savigny Vol. 1º pag. 356 dá o motivo de ter tratado o Cod. Prus. no direito das pessoas, e não entre os contratos, dos direitos dos criados de servir.

[244]Supra pags. 33 e 34. A divisão geral - direitos pessoais - abrangendo os direitos de família, foi o que nos mereceu atenção; mas pode ser, e é bem provável, que torne-se a expressão - direitos pessoais - no sentido, que já distinguimos supra. Pag. 93. Não parece, como supusemos, que a denominação secundária - direitos pessoais propriamente ditos - compreenda os direitos de família; porquanto com essa denominação só se inscreve o Cap. 1º, tratando o Cap. 2º do casamento separadamente.

[245]Nam parum est, jus nosse, si personae, quarum causa constitutum est, ignorentur - Inst. de jur. person.

[246]Vid. supra pag. 20

[247]Supra pag. 93 e 94

[248]“Nós limitamos o direito das pessoas (Marez. Dir. Rom. pag. 221) à simples teoria do status, e assinamos um lugar particular no sistema, sob o nome de - direito de família -, para as relações de família propriamente ditas, etc.” - “O direito de família (Mackeld.  Dir. Rom. Liv. 3º pag. 252) tomado no sentido que lhe damos, não deve ser confundido com o jus personarum no sentido do Direito Romano, de que ele não forma senão um dos elementos.” Veja-se também Maynz Dir. Rom. pag. 197.

[249]Atenda-se ao que Marez. (Dir. Rom, pag. 150) não pode deixar de reconhecer, falando desses direitos pessoais que não são os de família: “São também chamados - direitos pessoais - porque são os únicos direitos, à que corresponde sempre e essencialmente a obrigação de uma pessoa determinada.”

[250]Supra pag. 20

[251]É o que também reconhece o Escritor há pouco citado - Marez. Dir. Rom. pag. 150 - “Em verdade estes diversos direitos entram à certos respeitos um no outro, e estão em uma dependência mútua; por exemplo, os jura potestatis podem também conduzir indiretamente à direitos sobre os bens, e por consequência ser tratados debaixo desta relação como estes últimos.”

[252]Vid. Supra Not (1) pag. 44, Not. Pag. 48 e pags. 84, 85 e Not. (1) e (2). No mandato, na locação de serviços, e nas obrigações em geral de fazer ou não fazer, se as prestações são cumpridas, elas tendem à aumentar nosso patrimônio. Se não são cumpridas, acontece o mesmo; porque todas as obrigações de fazer (obligatianes faciendi) resolvem-se na indenização de perdas e interesses. - Poth. Obrig. n. 146. Ninguém pode ser constrangido a fazer ou não fazer alguma coisa, se isso fosse possível, seria uma violência, que não pode ser modo de execução de Contratos.

[253]Tem havido a tentativa (Marez. Dir. Rom. pag. 221) de separar a parte do direito de família, que influem sobre os bens, da outra parte desses direitos, e para fazer dela um apêndice do direito dos bens; porém esta separação conduz facilmente, e quase necessariamente, à repetições supérfluas; seria além disto um desarranjo tal na harmonia do sistema, que  romperia o encadeamento das ideias de uma maneira muito prejudicial para aqueles que começam o estudo do Direito.

[254]Trat. do Dir Rom. Tom. lº pag. 377, e 378.

[255]Não é impossível (Savigny Obr. cit. pag. 378) separar o direito de família aplicado do direito de família puro, e fazer dele uma subdivisão do direito dos bens; mas a realidade viva das relações da família aparecerá melhor, se, depois de ter estudado a família, passarmos imediatamente às influências que ela exerce sobre os bens; e então vem a ser necessário colocar o direito da família depois do direito dos bens.”

[256]Obr. cit. Vol. 1° pag. 376.

[257]Em outro lugar (Vol. 1° pag. 345) diz ele: “Pelo que precede vê-se, que cada relação de família é uma relação natural-moral, e inteiramente individual, pois que existe de indivíduo à indivíduo; mas, encarada como relação de direito, é uma relação de uma pessoa para com todos os outros homens, porque é de sua essência ser conhecida geralmente.” - Esta distinção é toda de Direito Romano. Deriva das chamadas ações prejudiciais - prejudicia -, de que falaremos depois; e liga-se à confusão já censurada dos direitos absolutos com os direitos reais em particular. Os direitos de personalidade, como absolutos, não entram na esfera do Direito civil - Vid. Supra not. (1), pag. 44

[258]Vol. 1º pag. 375 e 37 , e pag. 332.

[259]Dissemos supra Not. (1) pag. 94, que, considerados em outro aspecto os direitos pessoais nas relações de família, não desconhecíamos a diferença entre eles, e os mais direitos  pessoais. Esse outro aspecto é o da - intensidade -, ou do grau de energia, com que o direito obra; e daí provém a capital diferença, pois que os poderes de família como que tem por objeto a própria pessoa em si mesma, e não nos atos. Com efeito, quando os poderes de família obram em todo o seu rigor, como no Direito Romano, a personalidade de que está submetido desaparece quase inteiramente. Daí vem a diferença entre pessoas - sui juris -, e - alieni juris - persone alieno juri   subjectae -, que passou para o nosso Direito - Arts. 10, 201, e 202, Consolid. - Estas ideias do pátrio poder estão hoje abandonadas. O limite da menoridade deve ser também o da emancipação. - Savigny estabelece todas estas diferenças. 1º, As relações de família mostram-nos o homem, não como existindo por si mesmo, mas como um ente defeituoso tendo necessidade de completar-se no seio de seu organismo geral; 2º As obrigações tem por objeto um ato individual, as relações de família tomam a pessoa inteira do indivíduo como membro do todo orgânico, que compõe a humanidade; 3º, A matéria das obrigações é arbitrária de sua natureza, porque um ato qualquer do homem, pode dar lugar à obrigação; porém a matéria das re1ações de família é dada pela natureza orgânica do homem, e traz o selo da necessidade; 4º, A obrigação de ordinário é temporária, as relações de família persistem sempre as mesmas; 5º, As famílias contém o germem do Estado, e o Estado, uma vez formado, tem por elementos constitutivos as famílias, e não os indivíduos; 6º, A obrigação tem na realidade mais analogia com a propriedade, porque os bens, que estas duas espécies de relações abrangem, alargam o poder do indivíduo além de seus limites naturais; ao passo que as relações de família servem para completar o indivíduo, etc.

[260]Tal é o sistema de Savigny, Hugo, Heise, Mackeldey, Marezoll, Mynz. O método mais natural, em nosso entender, será sempre o mais propício ao ensino; só ele deve ser adotado. Os escritores alemães dão conta do método, que acham mais natural; e logo depois o abandonam, e não o aplicam. Veja-se o que diz Savigny Vol. 1° Dir. Rom. Pag. 378 - “Resta saber, se é possível, se é bom, estudar na mesma ordem as instituições de direito; em outros termos, se a ordem natural, em que nosso espírito concebe estas instituições, é também a melhor classificação para um tratado. Eleva-se aqui uma objeção capital etc.” - Ocorre também que o método da legislação pode fugir um pouco da filiação das ideias, e não presupõe taboa raza de conhecimentos, para que irremissivelmente deva sempre proceder do conhecido para o desconhecido. Apesar disto, não convém admitir, que se altere no ensino a ordem de qualquer legislação codificada. vid. Supra pag. 39.

[261]Dizemos alguns, porque Marezoll, por exemplo, expõe em um só livro a teoria do direito concernente os bens, dividindo esse livro em duas seções; uma para o direito das coisas, ou teoria dos direitos reais; e outra para o direito das obrigações, ou teoria dos direitos de crédito.

[262]Em sentido lato o patrimônio é o todo dos bens de uma pessoa, incluindo mesmo os bens inatos, que também se chamam pessoais. Este não é o sentido do Direito Civil, onde o patrimônio - pecúnia - refere-se unicamente ao todo dos direitos pessoais e reais, que compõe a propriedade. Poder-se-á dizer, que os bens inatos entram igualmente no patrimônio, quanto à suas consequências jurídicas, em razão de se transformarem em direitos de indenização de perdas e danos.

[263]Supra pags. 19 a 20. Recebemos ultimamente o Cod. Civil do Chile, promulgado em 14 de dezembro de 1855, de cujo projeto falamos supra. 34. Seu método é geralmente usado, com alguns melhoramentos de segunda ordem. Quanto ao seu merecimento intrínseco, pode-se dizer que está a par dos progressos da ciência, em acordo com a ideias modernas. Na aquisição e gozo dos direitos civis (art, 57) nada influi a diferença entre nacional e estrangeiro. A morte civil (art. 95, 96 e 97) só resulta da profissão solene em instituo monástico mas afetando somente os direitos de propriedade. A tradição dos imóveis, quando se transfere o domínio (art. 686) só se opera pela inscrição do título no registro público; o que é extensivo aos outros direitos reais, etc.

[264]Veja-se os Códigos d'Austria, e do Cantão de Berne, de que falamos supra pags. 32 e 33.

[265]Savigny - Trat. da posse- Traduç. Franc. por F. d'Audelange sobre a ult. Ediç. (1841).

[266]Do dano trata-se nos Arts. 798 à 810 Consolid, Do esbulho nos Arts 811 à 821 Consolid.

[267]Se é necessário estabelecer o modo de adquirir e  perder a posse, como condição das ações possessórias, nada tem isso de comum com a posse, que é consequência e  exercício do direito de propriedade. Prevalece, pois, a crítica anteriormente (pag. 37 not. 12) fizemos ao Dig. Port. de Corr. Tel1. Adaptado o sistema do Direito Francês, não há necessidade de tratar da posse em relação ao domínio. Além de que, está demonstrado em Savigny Trat. da posse §§ 13 a 28 o erro da doutrina sobre os atos simbólicos de posse, ou posse ficta. A aquisição da posse consiste na possibilidade física de obrar imediatamente sobre a coisa, e de desviar toda a ação estranha.

[268]A detenção forma a base de toda a ideia de posse, e  sua noção não é uma noção jurídica. A posse existe quando a detenção (corpus ou factum) é acompanhada de uma certa vontade (animus sibi habendi).

[269]Jus possessionis não é o direito de possuir - jus possidendi, que pertence à teoria da propriedade.

[270]L. 21 Dig. de usurpat.

[271]Rei nostrae (sentença de Paulo L. 3º T. 31 n. 21) furtum facere non possumus.

[272]Cit. L. 21 Dig. de usurpat., L. 4° § 3º de precar., L. 15 deposit.

[273]L. 34 § 4º Dig. de contrah. empt., L. 28 de posses.

[274]L. 28 Dig. de posses., L. 35 § 1°, e L. 37 de pignact.

[275]L. 6ª § 4°, e L. 22 princ. de precar.

[276] Vid. Supra pag. 63 nots. (4) e (5)

[277]São as beatitudes da posse. Tem-se feito um longo Catálogo dessas vantagens, que, como atesta Savigny Obr. cit., já chegou ao número de 72.

[278]Quase todos os Códigos tratam da posse à par do domínio, como matéria da mesma natureza. Ora, sem dúvida a posse é uma consequência do domínio, mas em si é um fato, e não um direito. O ladrão, diz Boehm. Doctr. de action. Seç. 2º Cap. 4º § lº tem a posse; e se eu lhe atribuir o jus in re certamente não poderei demandá-lo.

[279]Vid. Art. 811 Not. (5) Consolid.

[280]Vide ibidem Consolid.

[281]Arts. 885 a 889 Consolid.

[282]Arts. 906, 908, e Not., e 909, Consolid.

[283]Posse civil em Direito Romano é aquela, que conduz à prescrição aquisitiva, protegida pela ação publiciana. Opõem-se à posse natural, naturalis possessio, que não se tem convertido, como a civil, em uma relação de direito.  Essa civilis possessio não é a posse civil, dos herdeiros, posse ficta do nosso Direito, e do Direito Francês, que não é  instituição do Direito Romano, pelo qual exigia-se o ato da adição da herança - Arts. 978 a 981, 1025, 1026, e 1231 § lº Not. Consolid.

[284]Arts. 811 n. (5), e 1319, Consolid.

[285]Art. 811 a 821 Consolid.

[286]Art. 907 Consolid. O justo título, quando se trata do verdadeiro domínio, emana do proprietário legítimo. Na ocupação o justo titulo é a própria natureza humana, razão  de todos os direitos.

[287]Art. 908 Consolid.

[288]Art. 908 not. Consolid.

[289]Art. l319 Consolid. O justo título, quando se trata do domínio presumido, que é a via da prescrição, não depende da legitimidade do domínio anterior. Na suposição de haver essa legitimidade, o justo título vem a ser todo aquele, que, nos termos da lei, seria apto para transferir o mesmo domínio - Art 1320 Consolid.

[290]Savigny Obr. cit. § 6.º Todas as nossas ideias sobre a posse são as mesmas deste Escritor.

[291]Interdicta omnia, licet in rem videantur conceta, vi

     tamen ipsa personalia sunt - L. l º § 3º Dig. de interdict.

[292]Obr. cit. § 6° pag. 29. - Alguns Jurisconsultos (diz o nosso Lobão Not. à Mell. Tom. 3° pag. 77) tem metido a posse no número dos direitos reais, mas é por erro. Porque em matéria de posse não há totalmente questão de direito real  (de jure in re); mas do fato da posse (de facto possessionis).  Por conseguinte o direito, que daí resulta, deriva da obrigação pessoal, e de diferentes causas (ex obligatione personae, et variis causarum figuris).

[293]Supra pags. 91 e 92.

[294]Cod. Pen. Franc. Art. lº.

[295]Supra pag. 40.

[296]Art. 799 Consolid.

[297]A interpretação caiu sobre o famoso Can. Ridinte - granda sunt omnia expositis, &c., de que os práticos deduziram as mais espantosas consequências. “Plura alia singularia (Bohem. Doctr. de Action. Secç. 2ª Cap. 4º § 39) ex hoc textu, ineptissima sane interpretatione, deduxerunt, quae in praxi mox applausum meruerunt, et ad nos quoque pervenerunt.”

[298]Non videor vi possidere, qui ab eo, quem scirem vi in possessionem esse, fundum accipiam - L. 3ª § 10 Dig. uti possidet.

[299]O. 18, X, de restit spoliat.

[300]O terceiro possuidor, em tal caso, scienter detinens, pode ser comparado com o receptador, ou cúmplice do Art. 6º § 1º do nosso Cod. Pen.

[301]Praça ao direito real! Todas as fileiras se abrem para dar-lhe passagem, quando ele marcha com seu poder absoluto, por sua própria e única força, sem intermédio de algum devedor, para a coisa sobre que obra diretamente.” - Demolombe Tom. 9º pag. 373. Eis como os estudos jurídicos tornam-se amenos para um bom amador!

[302]Omniun actionum... summa divisio in duo genera deducitur: aut in rem sunt, aut in  personam. -  Actionum genera sunt duo: in rem, quae dicitur vindicatio; et in personam, quae condictio appelatur. - L. 25 Dig. de obbligat. et action.

[303]Particularmente (Mynz pag. 387 n. 3) este termo não serve nunca para designar a propriedade, não se o encontra senão em oposição ao dominium.” - Acham-se algumas  vezes (Ortolan Generalisat. pag. 75 not. 3) as expressões jus in re, ou jus in rem, mas aplicadas indiferentemente para os direitos pessoais, e para os direitos reais.

[304]Compendio de Direito composto na Lombardia no ano 1100, cujo autor é desconhecido - Mackeldey Introduç. § 80.

[305]Também atribuem-se estas denominações (barbaras no dizer de Ortolan) ao Direito Canônico, cujas passagens ele aponta pag. 75 nota (5).Veja-se também Mynz pag. 387 not. 2.

[306]Aut cum eo agit, qui nullo jure ei obligatus est -, tal é o texto das Instit. L. 4º T. 6º § lº, definindo a - in rem actio -.

[307]Eis a definição de Ulpiano - In rem actio est per quam rem nostram quae ab alio possidetur, petimus - L. 25 Dig. de obtigat. et action. Esta lei acrescenta - et semper adversus eum est, qui rem possidet -. A definição de Gaio não é tão restrita, abrange o usufruto, e a servidao. - In rem actio est eum, aut corporalem rem intendimus nostram esse, aut jus aliquod nobis competere, velut, utendi, aut utendi fruendi, eundi, agendi, aquamve ducendi, vel altius tolendi, vel propiciendi - Inst. Gai. Coment.4º §º 3º.

[308]Sobre. a.diferenca Entre a ação, e os interditos, veja-se Savigny Trat. da poss. § 34.

[309]Prejudiciales actiones in rem esse videntur, quales sunt per quas quaritur an aliquis liber, an libertus sit, &c. Instit. L. 4º T. 6° § 13. Eram chamadas in rem, porque não se dirigiam contra individuos determinados, como as derivadas das obrigações.

[310]Tais são as ações - quod metus causa (Corr. Tel1. Doutr. das Aç. § 447), ad exibendum (id. § 231), aquae pluv. arcend. (id. § 217), Calvisiana ou Fabiana (id. § 139, not. 2). Veja-se o mesmo Corr. Tel1. Obr. cit. § 5º not. 1, e Boehmer Doctr. de Action, Seç. lª Cap. 3º § 5°.

[311]Como a Pauliana ou Revocatória (Corr. Tel1. Obr. Cit.  § 106), por dizer-se que só compete contra o cúmplice da fraude, ou adquirente por título gratuito; e onde portanto é preciso enunciar estas duas circunstâncias. Na Publiciana (id. § 74), sobre a qual dá-se a ficção de que o autor tem adquirido domínio pela prescrição, e que não compete contra todo o possuidor indistintamente, mas contra aquele, que não tem título algum, ou o tem mais fraco que o do autor.

[312]Tais são as ações - familiae erciscundae, comuni dividundo, e finium regundorum. - Quaedam actiones mixtam causam obtinere videntur, tam in rem quam in personam - Instit. L. 4º Tit. 6° § 20.

[313]Supra pags. 76, not (2), 78 not.

[314] Martou Privil. et Hypothec. Tom. 1º, pag. 48 -. Ou, como diz Demolombe Tom. 9° pag. 201, é o direito no estado  de ação, em vez de estar no estado de repouso; o direito no estado de guerra, em vez de estar no estado de paz. - Vid. Supra. Pag. 18 not., pag. 73, e pag. 75 not. (1)

[315]Supra pags. 152 e 158.

[316]Mesmo pelo Direito Romano o praejudicium era uma ação, que não tinha por fim fazer pronunciar uma condemnatio, mas fazer verificar a existência de uma relação - Savigny Dir. Rom. Tom. lº pag. 346, e Tom.5º pag. 20. - “A ação prejudicial (Zimmern Trat. das Acç. traduzido do Alemão pag. 207) não tende, como a ação in rem, à verificação de um direito absoluto, ou de um fato produzindo   um direito absoluto, como na ação hipotecária; ela conduz à  verificação de um status no sentido de conditio personarum, de um direito sobre uma pessoa, ou enfim um fato, que determina as relações subjetivas de uma pessoa.” - “Não se poderia também (diz o nosso Lobão not. a Mell. Tom. 3º pags.   77 e 78) meter no número dos direitos reais os direitos, que derivam do estado das pessoas, nem compreender nas ações reais as ações prejudiciais; porque neste primeiro objeto do direito não se trata de coisas, nem por consequência de direito real; mas unicamente do estado, e da qualidade das pessoas, e dos direitos que dele resultam.

[317]Demolombe Tom. 9° pag. 361 e seg.

[318]Pothier (Introduct. génér. aux cout. ns. 121 e 122) chamou pessoais-reais essas ações pessoais in rem scriptae. Chauveau (Lois de la procéd. Tom 1º pag. 280) censura com razão o legislador Francês por ter empregado a palavra mixta para qualificar uma ação. “Toda a coisa demandada, diz ele, sendo móvel, ou imóvel, não pode ser uma e outra ao mesmo tempo; e foi inútil falar de uma qualidade hermafrodita, impossível de realizar-se”. O Direito Francês generalizou a distinção de móveis e imóveis aos bens incorpóreos, o que indica a seguinte fórmula - Actio, quae tendit ad mobile, mobilis est; actio que tendit ad imobile, est imobilis -. Tem-se autorisado esta extensão com o fragmento da L. 15 Dig. de div. reg. jur., que diz - Isqui actionem habet ad rem recuperandam; ipsam rem habere videtur. - Note-se porém, que o Direito Romano só aplicou aos objetos corpóreos a distinção de móveis e imóveis. Além disto entendeu-se, que as qualificações de ações móveis e ações imóveis eram equivalentes à das ações pessoais, e ações reais;  o que é contestado por muitos Jurisconsultos, que não querem  saber do modo pelo qual o direito aplica-se às coisas  propriamente ditas, como se estas fossem o objeto dos direitos pessoais, e se mesmo mediatamente fossem sempre o seu objeto. Esses Jurisconsultos tem contra si a letra do Art. 526 do Cod. Civ. Franc., cuja redação eles lamentam por só ter declarado imóveis, não todas as ações que se aplicam às coisas imóveis, porém somente as ações que tendem a reivindicar algum imóvel. Se esta redação é errônea, o erro salvou-nos na transplantação, que, por causa do imposto da siza, fizemos para o nosso Direito das expressões do citado Art. 526 do Cod. Civ. Franc. Com esse erro ficou salva a teoria dos direitos reais e pessoais! Acertamos por acaso! Vid. Art. 41 Consolid.

[319]Nas ações, por exemplo, finium regendorm (de limites), familiae erciscundae, e comuni dividundo, para partilha de herança, ou massa indivisa, o autor reclama  sobre a coisa um direito real; e contra seus vizinhos,  coherdeiros, ou coproprietários, um direito pessoal, em  virtude do qual eles são obrigados à demarcação dos limites e à partilha.

[320]Veja-se o que acontece na ação de reivindicação, onde de ordinário se pedem frutos e rendimentos, e indenização de deteriorações, sem que por isso perca seu caráter de ação real. Atenda-se também ao que se chama actio in factum, subsidiária da reivindicação, quando a coisa não pode ser reivindicada - Corr. Tel1. Doutr. das Aç. § 102. Sobre esta ação diz Boehmer. Seç. 2ª Cap. 2º § ll - Quamvis personalis et ex obligatione immediate deducta sit, conexio tamen suadet, ut, quia loco reivindicationis intentalur, ejus hic mentioa fiat -. Vid. Art. 881 Not. (1) Consolid. Pag. 306

[321]J. Garnier Elém. de l'Econom. Polit. pag. 166. Ele adota a definição proposta por Cieszkowski no seu notável Livro - Du crédit et de la circulation.

[322]Supra pag. 50

[323]Supra pag. 51. Em relação ao crédito real, que se tem chamado crédito territorial, crédito agrícola, crédito rural, por oposição ao crédito comercial e industrial, é que se aplica a máxima - plus est cautionis in re, quam in persona -. Este velho adágio (diz Wolowski - Révue de Législat.  An. de 1852 Tom. lº pag. 63) não tem cessado de subsistir quanto à linha de demarcação que estabelece; se bem que, por um singular desvio, a caução mais considerável é hoje preferida à que parece menos segura; obtendo assim o empenho pessoal condições menos onerosas, que o empenho territorial. Os Franceses, do mesmo modo que em relação aos direitos pessoais e direitos reais, dividiram as ações pessoais e as reais (ao que resistem alguns Escritores, como já se disse) em móveis e imóveis, tem suas instituições bancárias de - crédit mobilier -, e - crédit immobilier ou foncier; e estas denominações se vão vulgarizando.

[324]O que se tem chamado - mobilização do solo - não quer dizer retalhamento -. “Muitas vezes se tem confundido (Wolowski Revue de Législ. no lugar já citado) a circulação cômoda de títulos, cuja solidez participa da do solo, com uma monstruosa emissão de papel-moeda; novos alquimistas acreditavam ter descoberto uma espécie de pedra filosofal, erigindo em numerário pedaços de terra, arrancados à sua imobilidade para preencher o ofício de agentes da circulação. - Mobilizar o solo, na acepção comum que se liga à esta palavra (Wolowski ibid. An. de l839 Tom. 10 pag. 244) é tentar uma vã e perigosa utopia, é querer engendrar um movimento estéril de rotação, e não um movimento fecundo de produção. Mobilizar o crédito do solo, é obrar nos limites do possível, e do justo, é dotar de um recurso imenso os inteligentes esforços do trabalho agrícola.”

[325]Tal é a razão da existência desses Códigos especiais, separados dos Códigos Civis, que contém o Direito Comercial, isto é, exceções, favores, e liberdades, em prol do comércio.

[326]Na linguagem da economia política e dos negócios (Relatório de Vatismenil impresso na Rev. de Wolowski An. de 1850 Tom. 3° pag. 92) distinguem-se duas espécies de créditos - o crédito comercial e industrial, e o crédito territorial. A legislação comercial, quanto é possível, tem provido a segurança do primeiro. A legislação hipotecária pertence proteger o segundo.

[327]Tomamos aqui o Direito Civil na acepção, em que também compreende o Direito Comercial, formando um só corpo.

[328]Const. do Imp. Art. 179 § 18.

[329]Veja-se Coquelin - Du crédit et des Banques - Caps. 2°, 3º, e 4º; - Pecqueur Des améliorations matérielles Cap. 18 sobre o crédito.

[330]Supra pag. 52

[331]Diz-se - credito privado -, para distinguir o das transações dos particulares, e o crédito público dos Estados. Esta última expressão também aplica-se menos rigorosamente às grandes instituições de crédito, conhecidas pelo nome de - bancos -.

[332]Alguns negam até, que hajam duas espécies de crédito. Wolowski as reconhece, como tendo um tipo distinto, e pedindo uma organização especial, não fazendo distinção entre crédito territorial (crédit, foncier), e crédito real (crédit réel); mas considera no ponto de vista do empréstimo hipotecário. “Quando empresta-se dinheiro sobre hipoteca (diz ele Révue de Législ. Tom 10 pag. 248) empresta-se à coisa, e não à pessoa; toma-se o imóvel isoladamente, e se o individualiza; o proprietário em tal caso é a sua imagem viva. O que se procura é o vínculo, que autoriza esta espécie de representação; e independentemente dos recursos, ou encargos pessais do indivíduo, dá-se balanço à coisa.” - “Sem dúvida crédito quer dizer confiança (diz ele em outro lugar Revue de Législat. Tom 43 pag. 63), repousa sempre sobre o abandono temporário dos instrumentos do trabalho, representado pelo capital emprestado. Mas as condições variam forçosamente, quando repousam sobre uma simples promessa, ou se fundam sobre um penhor material. A duração do empréstimo, a certeza do reembolso, os meios de execução, tudo depende da natureza da garantia.” Este Escritor, como se acaba de ver, só aplica o crédito real nos empréstimos hipotecários, e por conseguinte só aos imóveis, que são os bens suscetíveis de hipoteca; mas Ciesrkovoski (Du crédit et de la criculation 2º Ediç. Cap. lº) liga ao crédito real a ideia de um penhor determinado, ou seja de objeto imóvel, ou móvel; e desse crédito real vem a ser uma espécie o crédito territorial. O crédito pessoal em tal caso vem a ser a ideia oposta, isto é, o crédito garantido indeterminadamente pela obrigação do devedor, sem algum penhor de móveis, nem hipoteca de imóveis. De resto, estes dois eminentes Escritores, e os Economistas em geral, tem seu ponto de vista sobremaneira exclusivo, não vendo mais nada senão a produção de riquezas. Neste sentido distinguem a circulação produtiva ou ativa da circulação consumidora ou passiva, e tem esta como perniciosa, visto que aniquila capitais. O consumo, dizem eles, não tem verdadeiro direito em economia política senão sobre os produtos e rendas mas nunca sobre os capitais. Desta maneira, o crédito territorial, em vez de multiplicar as desapropriações e mutações, impede-as.  “Chama-se crédito territorial (diz entretanto Pecqueur Obr. cit.  pag. 276), a maior ou menor  possibilidade, e facilidade, que tem o proprietário, de achar dinheiro à juro módico, sobre penhor, ou por venda, de sua propriedade imovel.

[333]Vatismenil no seu Relatório já citado dissipou esta inexatidão, explicando o que se devia entender por - organização do crédito territorial. - “O mutuante pode ser uma pessoa particular, ou um estabelecimento bancário; e em uma e outra destas hipóteses a segurança, que deve dar o regímen hipotecário, será a mesma. Cuidemos antes de tudo (disse ele), do melhoramento das leis hipotecárias; depois tratemos das leis próprias a favorecer a criação de instituições de crédito hipotecário.” Com estas palavras aplacou, em nossa Sessão legislativa de 1856, o habilíssimo Ministro da Justiça, a quem o País tanto deve, o ardor daqueles, que, sem terem ainda legislação hipotecária, tanto desejavam as instituições de crédito territorial. Nós, porém, diremos, - façamos um bom Código Civil, e sem nenhum embaraço ele dar-nos-á uma boa legislação hipotecária.

[334]Vid. Exposição de motivos do Projeto de lei relativo à aquisição, conservação, e publicidade, dos direitos reais sobre imóveis, apresentado ao Conselho Representativo de Genebra em 21 de Dezembro de 1827. Essa Exposição achar-se-á na Themis Tom. 9°, e o Projeto em Odier - Systemes Hypotécaires. - supra pag. 61. São estas as mesmas ideias de Wolowski Tom. 10 da sua Revista pag.  248.  “Para que o mutuante sobre hipoteca fique ao abrigo  de todo o engano, é de mister, que conheça: -1º A natureza do vínculo, que une o devedor com a coisa, sobre que ele confere direitos. - 2.° Tudo que pode diminuir o valor do imóvel. - 3º O montante das obrigações, de que já está gravado o mesmo imóvel.

[335]Privileg. et Hypotec. Pref.

[336]As críticas contra o sistema hipotecário do Cod. Civ. Partiram de todos os lados, e o principal vício arguido pelos Jurisconsultos e Economistas foi o da falta de um balanço das propriedades, e das relações especiais que unem cada devedor ao imóvel por ele dado em hipoteca. Por uma Circular de 7 de Maio de 1851 o Ministro da Justiça Martin (do Norte) havia consultado à todos os Tribunais Superiores, e às Faculdades de Direito, sobre os meios de melhorar a legislação de hipotecas; e aí se disse: “O modo da transmissão da propriedade acha-se estreitamente ligado com o regime hipotecário; e não é possível tratar de um sem tocar no outro. Cumpre escolher entre o sistema do  Cod. Civ., que atribui ao puro consentimento o poder de transferir a propriedade, e os outros direito reais; e a lei de 11 Brumaire ano 7º, que exigia a transcrição dos Contratos afim de advertir a terceiros, e manifestar a todos o acontecimento, que faz passar de uma pessoa a outra a propriedade, e as suas desmembrações.” Os importantes documentos relativos a essa consulta foram coligidos e publicados em três Volumes, onde se vê, que o primeiro exame teve por objeto a constituição do direito de propriedade em relação a terceiros.

[337]Sem criação de instituições novas (palavras do mencionado Relatório de Vatismenil) o crédito territorial faria progressos, só pelo motivo de ficarem os empréstimos hipotecários isentos dos riscos, a que agora estão expostos; entretanto que, sem melhoramento da legislação hipotecária, as novas instituições de crédito nem poder-se-iam fundar, nem subsistir, nem funcionar de uma maneira util.”

[338]Não falamos no rigor da Ciência Econômica, mas estamos convencidos da exatidão destas proposições, e somos abonados pela história das instituições do Direito. Ainda hoje se diz, e se diz bem, que a hipoteca é princípio de alienação -Art. 120 Not. (2) Consolid. O fim da hipoteca é o pagamento, e o pagamento consegue-se pela venda do imóvel hipotecado. A hipoteca foi o complemento de uma série de expedientes diversos, a que se foi sucessivamente recorrendo para assegurar com mais eficácia os direitos dos credores. A primeira ideia foi a do penhor, aplicado aos imóveis - Art. 767 Consolid. Sendo equívoca, e muito incerta, a tradição quanto aos imóveis, adotou-se o expediente do pacto de retro - Art. 551 Consolid. Os inconvenientes deste meio para o devedor, que privava-se do seu imóvel, suportando as despesas da transmissão, e vendo-o empenhorar em mão de um senhor precário, sugeriram a ideia da relocação da própria coisa condicionalmente vendida. As complicações dessas vendas, retratos, e locações, também motivarão a anticrese - Art. 768 Consolid. E o último expediente foi então o da hipoteca, que evitou a imperfeito dos modos anteriores, e preencheu o desejado fim sem translação alguma da propriedade, nem da posse, nem do usufruto do imóvel.

[339]Supra pag. 59

[340]Arts. 906 e 907 Consolid.

[341] Arts 908 e 909 Consolid.

[342]Art. 511 Consolid.

[343]Arts. 534 e 908 Consolid.

[344]Tratamos agra dos direitos pessoais, que dão causa à translação do domínio; e convém esta advertência, porque há direitos pessoais, que não ficam engendrados, enquanto não há tradição. Assim acontece nos - contratos reais - do mútuo, comodato, depósito, e penhor - Vid. Art. 511 Not. (4) Consolid. - Eis a razão de falar-se em tradição real ou simbólica nos Arts. 274 e 281 do Cod. do Com.

[345]Tanto a tradição só por si não confere domínio, que assim acontece no comodato, depósito, e penhor.

[346] Nunquam nuda traditio transfert dominium:  sed ita, si venditio, aut aliqua justa causa, praecesserit, propter quam traditio sequeretur - L. 31princ. Dig. de adquir. rer. domin. -

[347]Toulier Tom. 4º n. 57 considera a tradição como uma dessas manifestações exteriores, de que há vestígios em quase todas as sociedades nascentes, onde a civilização pouco adiantada não tem ainda aperfeiçoado as ideias de propriedade. “Era preciso, diz ele, impressionar os sentidos,  e fixar a memória por atos materiais, nos tempos em que a escritura era desconhecida, ou de uso muito raro.” - Troplong, em seu Comment sobre a - venda - n. 40, abunda nesta mesmo suposição. “Em minha opinião (são as suas palavras) uma dessas restrições arbitrárias introduzidas pela escravidão das formas, era a necessidade da tradição para completar entre as partes a translação da propriedade.” Em seu recente Comm. sobre a nova legislação hipotecária n. 3 ele sustenta do mesmo modo, que a tradição não foi encarada pelos Romanos no ponto de vista do crédito privado, e com o fim de servir de fundamento à confiança de terceiros; se bem que depois o crédito soube aproveitar-se até certo ponto do sistema anteriormente desenvolvido debaixo de outras influências.

[348]Nec possessio et proprietas misceri debent - L. 52 princ. Dig. de posses. - Nihil comune habet proprietas cum possessione - L. 12 § lº Dig. ibidem.

[349]Atendamos, entre outros Escritores, à Ricardo - Traité des Donations - Part. 1ª Cap. 4º Seç. 2ª n.901, quando trata da posse da coisa doada. “A posse em tal caso, diz ele, é o selo e verificação da doação, além de que a tradição de fato teve igualmente por fundamento o bem público, e a segurança do comércio, afim de que o conhecimento da posse dos domínios não ficasse incerto, etc.” - Troplong no seu já cit. Comment. à nova lei hipotecária n. 12 entende, que Ricardo se enganou, reconhecendo todavia que a posteriori a tradição redundou em proveito do bem  público, da boa-fé, e da solidez das transações.

[350]Ato solene de transmissão da propriedade perante cinco testemunhas, representando as cinco classes do povo.

[351]Consistia em um processo imaginário de reivindicação ante o pretor, que declarava pertencer a coisa ao reivindicante.

[352]L. un Cod. de nudo jur. Quirit. Tollendo -, e L. un. - de usucapione transformanda, et de sublata diferentia rerum mancipi, et nec mancipi.

[353]Imobiles etiam plures simul, et quae diversis locis sunt, mancipari possunt - Ulpian. Fragm 19 § 6.º Quanto aos móveis a apreensão manual (manu capere) era indispensável.

[354]Veja-se o excelente artigo de Bonier sobre a transmissão da propriedade - Rev. de Wolowski Tom 6° pag. 432.

[355]Troplong Privil. e hypoth. Pref., - Comment. à Lei de 23 de Março de 1855 ns. 4 e 5. - Martou - Privil. et hypoth. n. 6. - Odier - Systemes Hipothécaires - § 2º

[356]Chamava-se geralmente - nantissement -, na acepção particular de certos costumes, a formalidade da inscrição, ou registro, que assegurava a publicidade dos direitos reais. Na acepção do Direito Comum Francês - nantissement - é termo genérico, que compreende o penhor dos móveis e dos imóveis; isto é, o penhor propriamente dito, e à anticrese. Este termo genérico não o temos em nossa língua.

[357]A integra dessas leis acha-se em Merlin Répert. Jurisprud. vb. - hypothéque - Seç. 2ª § 1º

[358]Quanto a móveis, veja-se vários casos de tradição simbólica nos Arts. 199 e 200 do Cod. do Com., à que se referem os Arts. 271 e 281. Quanto aos imóveis, a entrega das chaves da casa, e a de títulos ou instrumentos, tem-se considerado como tradição simbólica - Lob. Nots. a Mell.  Tom. 3º pags. 113 e 114, - Pothier - Contrat de Vente - n. 315. Demonstra entretanto Savigny no seu Trat. da posse § 14, que há uma tradição real nesses casos, em que se diz haver tradição simbólica.

[359]A tradição ficta, como diziam os antigos Jurisconsultos, faz-se - vel longa, vel brevi manu - Barbeyrac nots. à Pufendorf L. 4º Cap. 9° § 9. Também mostra Savigny  Obr. cit., que estes outros casos são igualmente de tradição real.

[360]É o que se chama vulgarmente - clausula constituti - (supra pag. 37 not. (2), e Art. 909 not. (4) Consolid.) pela qual o vendedor se constitui detentor da coisa em nome do comprador, até que este tome posse real e efetiva. No caso da - brevi manu traditio - o detentor da coisa vem a ser possuidor. No caso do - constitutum possessorium - o possuidor da coisa converte-se em detentor só por efeito da vontade. Como antes da tradição real o domínio não ficava transferido, e o alienador podia obrar de má-fé, contratando com outro, e transferindo-lhe o domínio (Art. 534Consolid.), a expressão da cláusula - constituti - teve por fim obviar as fraudes, antecipando os efeitos da tradição real, e fazendo-a existir desde o momento do contrato.

[361]A existência do - constituto -, como consequência de um outro ato, aparece nos seguintes casos: 1º, quando se dá uma coisa, e ao mesmo tempo se retém por título de locação;  2º quando se a dá, ou vende, mas reservando-se o usufruto (supra pag. 37, not. (2); 3°, quando a coisa é dada em penhor, e ao  mesmo tempo se deixa seu uso ao devedor por título de precário (Art. 478 Not. (4), pag. 180, e Art. 498, Consolid.); 4º, na sociedade universorum bonorum (Art. 745 Consolid.)  vide Savigny Trat. da posse § 27.

[362]No correr do tempo (diz Ricardo - Traité des donations Part. lº Cap. 4º Secç. 2º n. 902) a sutileza dos Jurisconsultos reduziu o uso da tradição a puro jogo, introduzindo as posses civis, que se tomam por modo ficto; de modo que a tradição, que tinha sido estabelecida sobre um fundamento tão sólido, não serve mais que para engrossar as cláusulas de um contrato, dependendo somente do estilo dos notários.

[363]Em verdade esta passagem da L. 20 Cod. de pactis põem em oposição a simples convenção com a tradição; entretanto que no constituto a simples convenção, sem algum ato corpóreo, conduz à aquisição da posse.

[364]Nos primeiros tempos do Direito Civil, diz Ricardo Obr. cit. Part. 1º Cap. 4º Seç. 3º n. 1079, as doações, e bem assim todos os outros contratos, nos quais havia translação de propriedade, não se completavam, sem que a estipulação fosse seguida de uma tradição real, atual, e contínua; as fraudes não eram de temer, e os domínios, por uma posse pública eram bem conhecidos. Mas a retenção do usufruto, e as outras tradições fictas, tendo sido inventadas para facilitar aos homens a execução de suas vontades, e adoçar a dureza da antiga lei, os Imperadores foram obrigados, para obviar as fraudes que nasciam da indulgência, que as novas leis tinham admitido, a procurar novo remédio a uma nova desordem, e a tirar a clandestinidade, que havia nas doações por causa dessas tradições fictas.”

[365]“A propriedade dos bens (Art. 711 Cod. Civ.) adquire-se, e transmite-se. . . por efeito das obrigações.” A obrigação (Art. 1138) faz o credor proprietário, etc.

[366]De jure beli ac pacis. “A entrega da cousa, que se transfere à outro (L. 2° Cap. 6° § 1° n. 4) não é necessária senão em virtude das Leis Civis... É assim que em alguns lugares é preciso, para alienar validamente, uma declaração perante o povo ou magistrado, ou um registro (a insinuação das doações); coisas estas, que certamente são do Direito Civil. - A entrega não é necessária por Direito Natural (L. 2º Cap. 8° § 25) para transportar a propriedade, e os próprios Jurisconsultos Romanos o reconhecem em certos casos.”

[367]Pufendorf Droit de la Nature (Traduç. de Barbeyrac) L. 4º Cap. 9° §§ 5º, e 9°, que se refere à Grocio; e com ele Wolf, Burlamaqui, Felice, Perreau, e outros. São esses os Escritores, a que nos referimos supra pag. 36 not. (3). Esta doutrina supunha um estado da natureza, que não é o do homem no estado social. Todos esses Escritores reconhecem, que na sociedade civil o consentimento só não basta para transferir a propriedade, sendo necessário, além dele, um ato sensível e positivo de entrega, como testemunho desse consentimento. Belime (Philosophie du Droit Tom. 2º pag. 259), que também entende haver materialismo na doutrina do Direito Romano, e uma confusão grosseira do fato e do direito, reconhece todavia, que isto não exclui a questão de saber, se, no interesse da segurança das relações, não convém dar uma certa publicidade aos atos de alienação, para prevenir as fraudes e surpresas.

[368]A propriedade (Ahrens Droit Naturel 4º Ed. Pag. 390) compõe-se de dois elementos, um individual, e o outro social; se o primeiro é a base, o segundo é o regulador do  direito de propriedade; e ambos devem ser combinados e harmonizados para dar à propriedade um caráter orgânico, reflexo das relações orgânicas, que existem entre o homem e a humanidade. Do mesmo modo que o indivíduo não deve ser absorvido pela sociedade, também o direito individual de propriedade não se perde no direito social”. Eis a doutrina exata, que, sem fazer derivar só da lei a propriedade, como aliás pensaram Montesquieu e Bentham, atribui à lei o que verdadeiramente à lei pertence.

[369]Costuma-se dizer (Bonier Rev. de Wolowski Tom. 6° pag. 438), que desta maneira atribui-se à vontade do homem sua nobre preponderância; que a vontade supre o fato, ou antes, que ela é um fato moral, que imprime nos objetos o cunho de seu poder. Mas, de duas coisas uma: ou este exercício tão nobre da vontade humana tem efeitos para com terceiros, e então, como pode ser desgraçadamente oculto, longe de merecer nossa aprovação, vem a ser o instrumento de fraudes deploráveis; ou estes efeitos são concentrados entre as partes, e então não produz algum resultado sério. Encarada no primeiro ponto de vista, a transmissão da propriedade é um erro perigoso; no segundo ponto de vista, há uma sutileza, uma ficção, contraria à natureza das coisas.”

[370]É o que todas as legislações tem cuidado de prevenir - Vid. Art. 534 Not. (3) Consolid.

[371]Veja-se o excelente trabalho de Jourdan, impresso na Themis Tom. 5º pag. 373.

[372]En fait de meubles, la possession vaut titre - Art. 2276 Cod. Civ. No caso da venda de um imóvel, sucessivamente feita à duas diferentes pessoas, prefere aquela, que tem a prioridade do título. Quando se trata de móveis (Art. 1141) prefere aquela, que de boa-fé acha-se na posse da coisa, nada importando ser o seu título posterior. Quereis ver como o apuro da sutileza tem procurado conciliar esta incoerência? Alguns Escritores (Toulier, Delvincourt, e Zachariae) reconheceram, que em matéria de móveis se havia derrogado ao princípio da transmissão da propriedade solo consensu;  mas outros (Demante e Marcadé) inventaram uma razão insigne. Eles dizem: “o que prova, que, assim entre as partes contratantes, como a respeito de terceiros, a propriedade dos móveis se transfere só pelo efeito do consentimento contratual, é que o título prevalece sobre a posse de má-fé; e se a posse de boa-fé destrói o efeito do título, e vale como título, é por uma espécie de prescrição instantânea!” Que propriedade será essa, cujo direito sucumbe em relação à toda a posse de boa-fé? Será esse o direito real, que obriga a todos, e se faz valer contra todos?

[373]Os Arts. 939 e 1069 do Cod. Nap. mandam transcrever as doações de bens suscetíveis de hipoteca, e as substituições, para que possam ter efeito em relação à terceiros.

[374]Vid. Maynz - Elém. de Droit Rom. § 191.

[375]Este sistema (Martou Privil. et Hypoth. n. 9), que não tinha precedente, largamente contribuiu para viciar o regime hipotecário de 1804. Cabe-lhe a censura de ter confundido o jus in re com o jus ad rem, a propriedade com a obrigação, desconhecendo assim uma distinção baseada na natureza das coisas, e consagrada pelos legisladores de todos os séculos. A propriedade não pode ficar na sombra, como a obrigação... Era preciso (n. 1O) reformar este sistema condenado pelos princípios de direito, e pelas necessidades econômicas. A primeira condição de um bom regime hipotecário é ser ligado a um modo regular de transmissão da propriedade imóvel.  A propriedade é a base da hipoteca. Se ela não  existe, a hipoteca aniquila-se. Se é duvidosa, a hipoteca vacila. Se não se pode verificar facilmente, a hipoteca será aceita com deaconfiança. Em suma, a publicidade das hipotecas é iuseparável da publicidade do direito de propriedade.”

[376]Em verdade é muito de estranhar (como observa Bonnier loc. cit.), que se tivesse o cuidado de dar à publicidade as alienações por título gratuito, tão raras comparativamente às outras, quando não se estabelece precaução alguma sobre a existência das vendas, que se fazem todos os dias. Estranha-se muito mais, que, havendo-se organizado um sistema de publicidade para as hipotecas, não se fizesse repousar sobre a publicidade a propriedade imóvel, base de todo o sistema. Vê-se bem (continua o mesmo Escritor), que uma legislação, onde se acham iguais disparates, não tem sido feita de um só lance, e sob a influência das mesmas ideias; mas que tem sido uma transação entre opiniões divergentes. Ora, o ecletismo é sempre pernicioso em legislação. Não é com peças de relatório, que se constrói um grande edifício. Sirva isto de advertência (dizemos nós) aos que entendem, que a organização do Cod. Civil pode ser obra de muitos.

[377]Menos por Fouet de Conflans (De la réform. hypothéc.), à quem Levita (De la reform. hypothéc. en France et en Prusse pag.35) chama o Bigot dos nossos dias. Bigot de Preameneu, e Tronchet, colaboradores do Cod. Nap., haviam sustentado, que a publicidade viola o segredo das famílias, enfraquece a boa-fé que é alma dos Contratos, e prejudica a circulação alterando o crédito, etc.!  Vid. Locrés Tom. 16, e Fenet. Tom. 15.

[378]Vid. Troplong - Comment. à Lei de 23 de Março de 1855 n. 143, e Martou Coment. à Lei Belga de 16 de Dezembro de 1851 n. 63.

[379]Arts. 518 e 519 Consolid.

[380]Si quis rem emerit, non autem fuerit ei tradita, sed possessionem sine vitio fuerit nactus, habet exceptionem contra venditorem - L. lº § 5º Dig. de except. rei vend.

[381]Art. 537 Not. (3) Consolid.

[382]Supra pag. 83.

[383]Em relação aos imóveis, pode-se dizer, que a tradição entre nós está reduzida à cláusula - constituti -, que quase sempre é inserida nas escrituras - Art. 909 Not. (4)  Consolid. A insinuação das doações, posto que a Lei de 22 Setembro de 1828 Art. 2º § l° fale de um livro onde se deve averbar (Art. 414 Consolid.), tem sido considerada mais como providência contra extorsões, do que como um meio de publicidade a bem de terceiros. Veja-se o preâmbulo da Lei de 25 de Janeiro de 1775, e a Dissert. 3ª de Lobão Facisc. Tom. lº Também quase sempre há omissão desta formalidade, e quando se a pratica, não se cumprem as determinações da Lei - Vid. Art. 411 Not. (1) Consolid. Pag. 154, e Art. 415.

[384]Vid. Jorn. Com. Suplem. de 26 de Julho de 1854

[385]Vid. Jorn. Com. de 23 de Agosto de 1854.

[386]Houve nisto um engano, que foi depois sanado em um Projeto substitutivo apresentado na Sessão de 9 de Julho de 1856. A transcrição não é, nem podia ser, obrigatória no sistema que se adotou; mas só por ela, e desde a sua data, os títulos translativos de domínio produzem efeitos em relação a terceiros. O próprio interesse particular assegura neste caso a desejada publicidade.

[387]Vid. Jorn. do Com. de 28 e 29 de junho de 1855.

[388]Vid. Jorn. do Com. de 30 de Junho de 1855. A este discurso aludimos na Not. (2) ao Art. 905 Consolid.

[389]Vid. infra pag. 227 not. (2) a explicação da propriedade publiciana.

[390]Art. 905 Consolid.

[391]Nota ao art. 905 Consolid.

[392]Arts. 1321 e l 325 Consolid. O mesmo em Direito Romano.

[393]Cod. Civ. Franc. Art. 2262, e outros Códigos que o imitaram.

[394]Arts. 856 e 857 Consolid.

[395]Art. 855 Consolid. - Estas disposições são aplicáveis às duas espécies de prescrição, a - de extinção e a - de aquisição -.

[396]A nossa legislação o tem reconhecido na posse civil, que dá aos herdeiros - Arts. 978 e 1025 Consol. - Essa posse civil também a dá o Direito Francês com a sua máxima - le mort saisit le rif.

[397]Vid. Merlin - Repert. de Jurisprud., - e Favard de Langlade - Répert. de la Nouvel. Législ. - vb. purge.

[398]Merlin Obr. cit. vb. apropriance, e Troplong Comment. de la Loi du 23 Mars 1855 - n. 9.

[399]A formalidade da appropriance (Sabire et Carteret - Encyclopéd. du Droit) purgava os encargos, que gravavam o imóvel, como também o direito que qualquer terceiro pudesse ter a titulo de proprietário. Nisto sua eficácia ia  mais longe, que a dos decretos voluntários, cartas de ratificação, e cartas de remissão (lettres de purge) usadas nos Países Baixos.”

[400]Art. 522, 527, e 1296, Consolid.

[401]Traité des Hypotheq,. Tom. 2º pag. 122.

[402]No caso dos Arts. 527 e 1296 § 1º.

[403]No caso dos Arts. 524 e 1296 § 2°.

[404]Art. 2181, Cod. Civ. Franc.

[405]Arts. 2193, 2194, e 2195, cit. Cod.

[406]Vid. Meyer Esprit des Inistit. Judic. Tom. 5º - pag. 236.

[407]Supra pag. 61

[408]Themis Tom. 9° pag. 4.

[409]Meyer Obr. cit. Tom. 4º pag. 293.

[410]Com a inserção da cláusula - constituti - em todas as nossas escrituras pode-se dizer que está sem ap1icação quanto aos imóveis a regra do Art. 534 Consolidação; pode-se dizer, que temos o sistema espiritualista do Cod. Civ., da França.

[411]Ou emanada a domino, ou a non domino já legitimada pela prescrição.

[412]Emanada a non domino, ainda em germe, ainda não legitimada pela prescrição. Reconhecida a necessidade de proteger essa propriedade nascente, adquirida com justo título e boa-fé, e hábil portanto para a prescrição completado o tempo da posse, cumpria prover a todos os casos possíveis.

     Atenda-se à sabedoria e riqueza do Direito Romano. O proprietário putativo pode ser demandado pela reivindicação, e pode ser impelido à demandar quando perde sua posse. - Na posição passiva: - 1º, se ele é demandado pelo proprietário verdadeiro, deve sucumbir, porque, como já dissemos em outro lugar, a presunção cede à verdade; 2º, se este reivindicante é o próprio vendedor da coisa alheia mas que sucedeu depois ao proprietário verdadeiro, o proprietário putativo o exclui com a - exceptio doli -; 3º, se esse reivindicante é sucessor singular ou universal do próprio vendedor da coisa alheia nas mesmas circunstâncias, o proprietário putativo também o excluí com a - exceptio rei venditae et traditae. - A exceptio doli era puramente pessoal, não podia ser oposta contra aqueles à quem o antigo proprietário houvesse cedido seu direito; e então foi ele mister criar outra exceção aplicável à todos os casos. Os Comentadores exprimem o princípio, que serve de base à esta exceção, pelo bem conhecido aforismo: - Qaem de cvictione tenet actio, eundem agentem repelit excetio. - Sua interpretação é a seguinte: se alguém está obrigado à garantir-nos um direito em caso de evição, nós o podemos repelir por uma exceção, sendo que nos conteste esse direito. Este princípio aplica-se tanto ao responsável pela evicção, como à todos os seus sucessores e representantes, em virtude da outra regra - nemo plus juris ad alium transferre potest, quam ipse habet.  - Na posição ativa, o proprietário putativo é protegido com a publiciana in rem actio, - inventada pelo Pretor Publico, e com o mesmo caráter e efeitos da reivindicação - ad instar proprietatis. - Já se vê, que esta ação é impotente contra o verdadeiro proprietário, que a pode repelir com a - exceptio dominii. - Tal é a sentença de Paulo - exceptio fusti dominii publicianae objcienda est - L. 16 Dig. - de public in rem action. - Mas, se o verdadeiro proprietário, que exclui a ação publiciana com a exceção de domínio, é o próprio vendedor da coisa, alheia ao tempo da venda, mas sua ao tempo da ação em razão de ter sucedido ao verdadeiro proprietário, o proprietário putativo reivindicante tem contra a  exceção de domínio a réplica - rei venditae et traditae - L. 72   Dig. - de rei vindic.- L. 4ª § 32 Dig. - de dol. et met. except.

[413]Art. 62 Consolid. É um direito real, que se distingue dos outros, constituindo uma espécie vulgar de propriedade.

[414]Art. 915 Consolid.

[415]ibidem

[416]Arts.  616 e 617 Consolid.

[417]Arts. 625 e 626 Consolid.

[418]No caso da caducidade quanto aos aforamentos vitalícios, que não existem entre nós, Art. 631 Consolid.; no caso do Art. 1189 Consolid.

[419]A copropriedade ou condomínio em geral - Arts, 946, 954, e 1166, Consolid.

[420]Art. 111 Consolid. Neste regime o marido, sem consentimento da mulher, não pode alienar, hipotecar, e dar de aforamento, os imóveis do casal - Arts. 119 e 120 Consolid.

[421]Arts. 88 e 153 Consolid. O mesmo embaraço do caso antecedente.

[422]Art. 88 Consolid.

[423]Os bens dotais sito inalienáveis - Art. 122 Consolid.

[424]Dá à mulher um direito real de hipoteca-Arts. 123 e 1270 § 8° Consolid.

[425]Supr not. (1) pag. 56

[426]Art. 364 e 365 Consolid.

[427]Art. 1270 Consolid.

[428]Art. 1272 Consolid.

[429]Art. 1272 § 6° Consolid.

[430]Art. 1279 Consolid.

[431]Art. 768 Consolid.

[432]Aquela, cuja continuação pode ser interrompida pelo proprietário anterior, que por motivo particular tem direito de reivindicá-la contra a vontade do atual  proprietário. Fala-se da propriedade revogável ex tunc, que dá lugar à aplicação da regra - resoluto jure dantis, resolvitur jus acipientis, - ou - resoluto jure concedentis, resolvitur jus concessum. - A outra resolução ex nunc só dá uma ação pessoal. A venda, e a doação, contratos que tem por fim translação de domínio, são os dois casos mais comuns, que motivam a revogação ou resolução.

[433]Equiparam-se às vendas as trocas, e doações in solutum - Art. 595 §§ 2º e 4º Consolid.

[434]Art. 550 Consolid.

[435]Arts. 530 Not., e 532, Consolid.

[436]Art. 551 Consolid.

[437]Art. 553 Consolid.

[438]Not. ao Art. 553 Consolid.

[439]Not. ibidem Consolid.

[440]Art. 420 Consolid.

[441]Art. 136 Consolid. O direito de revogar doações por motivo de ingratidão só dá uma ação pessoal - Art. 423 Consolid., Corr. Tel1. Doutr. das Aç. § 101.

[442]A ação de rescisão, e a ação de nulidade, tem por fim anular convenções; mas uma não se deve confundir  com a outra. Entre a nulidade e a rescisão do Contrato (Lobão Not. à Mell. Tom. 2º pag. 645) há esta diferença, que a nulidade opera o mesmo como que se o Contrato não existisse, e a rescisão o supõe válido, mas rescisível. A nulidade obra os seus efeitos ex tunc desde o dia do ato, e a rescisão produz ex nunc; e isto para diversos efeitos jurídicos. O ato nulo não existe, e como conceber que se possa rescindir o que não existe? O Direito Francês confunde a ação de nulidade com a de rescisão, o que também aconteceu no nosso Regul. Com. n. 737 Arts. 682 à 694. Estas ações nascem de contrato, e são pessoais; mas como, - cessante causa cessat efectus -, a sentença que anula o contrato, restitui as coisas ao seu estado primitivo, e por conseguinte o direito real à quem o tinha. Os Jurisconsultos Francêses aconselham, que se demande logo a parte obrigada, e ao possuidor dos bens, para que não seja preciso propôr uma ação depois de outra.

[443]Arts. 12, 30, e 41, Consolid.

[444]Art. 36 Consolid., Correia Telles. Doutr. das Aç § 104.

[445]Arts. 355, 356, e 357, Consolid.

[446]Art. 358 Consolid.

[447]Arts. 360 e 567 Consolid. Na lesão enorme o comprador demandado tem o alternativo de restituir a coisa, ou de inteirar o justo preço.

[448]Art. 557 e 559 Consolid. Neste caso o comprador, que propõe a ação, é quem possui a coisa; mas em virtude da ação a coisa reverte para o domínio do vendedor.

[449]Neste caso a nulidade deve ser demandada e julgada.

[450]Art. 21 Consolid.

[451]Arts. 119 e 120 Consolid.

[452]Arts. 582 e 585 Consolid.

[453]Art. 344 Consolid.

[454]Art. 344 Consolid.

[455]Arts. 122, e 586 § 4º, Consolid.

[456]Arts. 570, e 586, Consolid.

[457]Como as doações de homem casado à sua concubina - Arts. 147, 426 à 429, e 1327 à 1329, Consolid.

[458]Art. 329 Consolid.

[459]Art. 591 Consolid.

[460]Assim acontece, quando a nulidade é de pleno direito.

[461]Arts. 342, e 582 § 4º, Consolid.

[462]Art. 425 Consolid.

[463]Arts. 582 § l º, e 583, Consolid.

[464]Arts. 582, 585, e 586, Consolid. Como as nossas leis não são claras, mesmo impondo o decreto irritante, é impossível discriminar quais as nulidades de pleno direito, quais as dependentes de ação. O mesmo acontece quanto as atos ou fórmulas do processo.

[465]Arts. 384 e seg. Consolid.

[466]Arts. 412, e 414 Not., Consolid.

[467]       Art. 966 e seg. Consolid.