sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Discurso de posse como representante institucional adjunto do IAB, no Rio Grande do Sul

 


Cumprimento, na pessoa da Excelentíssima senhora Presidente, Doutora Rita de Cássia Sant`Anna Cortez, e do Coordenador das Representações Estaduais, Doutor Jorge Rubem Folena de Oliveira, a diretoria do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Também cumprimento na pessoa da Doutora Carmela Grüne, representante institucional no Rio Grande do Sul, todos os demais membros da nossa e quase bicentenária instituição.

Saúdo os demais consócios que hoje tomam posse. Saúdo e registro a presença da colega advogada Dinara Nascimento, de minha filha e colega de advocacia, Renta Oliveira Leal, de minha esposa e colega de escritório Irene Kulakowski e do meu amigo e colega de fundação do Grupo de Estudos Augusto Teixeira de Freitas, André Abreu Bindé.

É com grande alegria e imensa satisfação que passo a representar, aqui no Rio Grande do Sul, juntamente com a Doutora Carmela Grüne, a casa de Francisco Gomes Brandão, fundador e presidente nos primeiros nove anos do Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB que, ao incorporar os elementos gentílicos português, indígeno, africano e Asteca ao seu nome, passou a se chamar Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, dando mostra da grandiosidade de um dos espíritos que dirigem e iluminam com humanidade, desde sempre, os rumos da nossa instituição.

Aproveito o ensejo para agradecer, mais uma vez, a presidente Rita pela confiança, esperando estar em condições de retribuir com trabalho e dedicação a imensa honra de poder representar uma instituição criada no período do Império, que foi fundadora da Ordem dos Advogados do Brasil e que já teve em sua presidência, Augusto Teixeira de Freitas, Ruy Barbosa, Levy Carneiro, Seabra Fagundes e Heráclito Fontoura Sobral Pinto, entre outros ilustres brasileiros que tanto honraram a nossa pátria.

Desde sua fundação, em 1843, não há tema relevante para a história do Brasil que não tenha sido debatido nesta casa. Seus membros sempre estiveram na vanguarda da ciência do direito. O IAB sempre foi, e continua sendo, depositário de tudo o que o nosso país tem de melhor.

Foi assim quando Teixeira de Freitas, fundador do IAB e nosso mais genial jurista, foi contratado pelo Governo Imperial, em 1855, para realizar a mais importante tarefa jurídica da nossa história: reunir a legislação portuguesa, o direito romano, direito canônico, os usos e costumes que ainda vigiam por aqui com o corpo de leis produzido nos primeiros trinta anos do Império, em uma Consolidação a ser aplicada na vida civil dos brasileiros.

Sua obra foi magnífica. Inspirado na escola histórica de direito alemã e nas ideias de Leibniz, como ele mesmo registra na introdução da sua Consolidação, dividiu o direito civil em duas Parte: uma especial, tratando das pessoas e das coisas e, outra Geral, tratando dos direitos reais e dos direitos pessoais. Hoje, isso parece ser uma ideia simples, mas se considerarmos que tanto o direito Romano como o vetusto Código Napoleônico, de 1804, embora tendo introduzido a ideia de bens em seu sistema de leis, organizavam essas matérias tratando apenas das pessoas e das coisas. Isso dá para perceber o grande salto estrutural que essa forma de ordenação legislativa deu ao direito civil de sua época.

Posteriormente, quando novamente foi contratado pelo governo imperial, desta vez para redigir o projeto de Código Civil, manteve e desenvolveu esse modo de ordenação, atingindo tal nível de refinamento que sua obra, não obstante inconclusa, influenciou a elaboração de toda a legislação civil americana, havendo quem sustente que seu trabalho inspirou, inclusive, o Código Civil Alemão, promulgado em 1896, no país Tedesco.

Faço aqui mais uma vez esse registro chamando a atenção para a necessidade de estudarmos as ideias de Teixeira de Freitas. Tenho para mim, que sua incansável luta pela liberdade, especialmente dos nossos irmãos negros, quando se negou incluir na sua Consolidação das Leis Civis a legislação sobre escravos, foi o principal motivo pelo qual seu legado, embora reconhecido no mundo todo, seja até hoje ignorado nas instituições que formam nossos juristas.

E não era de se esperar algo diferente de Teixeira de Freitas, pois como poderia a escravidão, que é a mais absoluta negação do direito, fazer parte de um corpo de leis com o propósito de organizar a legislação civil? Então é preciso dizer mais uma vez. Sobre esse tema, não era apenas o refinado jurista quem falava, mas a humanidade: segundo Freitas, que foi censurado pela comissão que aprovou o seu trabalho e que tinha entre eles seu confrade, Caetano Alberto Soares, a Consolidação das Leis Civis não deveria ser maculada com disposições vergonhosas, que não poderiam servir para a posteridade.

É preciso, portanto, retomar essa discussão, pois ela nos remete ao centro da principal questão que precisa ser enfrentada na atualidade: a da formação dos nossos juristas. E, sobre isso, a casa de Montezuma sempre esteve na vanguarda das grandes questões nacionais.

Em artigo recentemente publicado no portal CONJUR, a Presidente Rita Cortez revelou que, além da diminuição do orçamento na área educacional, está havendo aumento descontrolado na abertura cursos de direito em nosso país. Muito embora o Brasil, há décadas, seja o país que mais tem faculdades de direito no mundo, só entre os anos de 2018 e 2020, mais de cem novos cursos foram criados. Se considerarmos que a atual política educacional é a de cancelamento de cadeiras voltada ao desenvolvimento das humanidades, não há dúvida alguma de que, com isso, caminhamos a passos largos em direção ao caos.

Como disse o nosso jurista maior “O que poderá fazer um homem, que, em trabalhos sobre qualquer ramo de ciência, lidar com outros que ponham em dúvida as próprias ideias rudimentares? Podereis vós ter uma questão de gramática com quem não conhecer as letras? Podereis verificar uma operação de contabilidade com quem não conhecer os algarismos?”.

E eu pergunto? É possível formarmos juristas sem o desenvolvimento da racionalidade e humanidades, bases sobre as quais se assenta o sistema de direito? É possível levar adiante os estudos de direito sem se ter claro as noções típicas da personalidade coletiva, e, portanto fundamentos da ordenação jurídica instrumental?

Por isso, encerro minha fala, mais uma vez agradecendo a oportunidade de poder contribuir com o nosso glorioso IAB e convidando a todos para somarmos esforços na divulgação e nos estudos do legado de Teixeira de Freitas. Tenho certeza de que seu espírito generoso, assim o de Montezuma, está aí, em seus livros, a disposição de todos nós para cumprirmos aquilo que sempre foi o seu sonho enquanto jurista: construir uma pátria fraterna, justa e culturalmente elevada.

Todos sabemos o quanto o Brasil precisa da lucidez e da inteligência dos nossos antepassados. Eles são precursores das bases sobre as quais tentamos consolidar nossa República para tornar possível a construção de uma nação irmanada em busca do mesmo fim: a felicidade de todos e o bem comum.

Para encerrar, invoco aqui, para que sempre nos protejam, os espíritos que guiam meus irmãos Mbyá-guarani: Nhanderú oiko nhanderevê!

Muito obrigado Presidente Rita, muito obrigado Dr. Folena e muito obrigado à Dra Carmela pela generosas palavras de apresentação, minha família, amigos e a todos os consócios que participam deste ato.