quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Sobre o projeto de Joaquim Felício do Santos - por Coelho Rodrigues

 



Em Junho de 1878 o ilustre finado Dr. Joaquim Felício dos Santos ofereceu-se ao então ministro da Justiça, Conselheiro Lafayete Rodrigues Pereira, para redigir o projeto do Código Civil, visto haver morrido no mês de março anterior o Conselheiro Nabuco de Araújo, segundo e malogrado contratante daquele trabalho.

Parece que o ministro não desdenhou a oferta e prometeu tomá-la na devida consideração, quando lhe fosse apresentada; porque o ilustrado ofertante meteu mãos à obra e três anos depois, em 1881, submetia ao Governo os “Apontamentos para o projeto do Código civil brasileiro” trabalho de longo fôlego, que, conquanto não pudesse ainda ser considerado projeto definitivo, continha quase todo o material preciso para com um pouco mais de tempo, reflexão e lima, concluir-se a obra.

Que o autor era capaz de mais e melhor prova o esboço, que deixou-os, feito em muito menos tempo do que os dos seus malogrados antecessores; mas fosse o cansaço do trabalho feito; fosse o receio de que, na ausência de um contrato, o Governo confiasse a outro a missão oficial de fazer o mesmo trabalho, o certo é que ele precipitou a sua apresentação e deste primeiro erro, agravado pelas sugestões de amigos, por ventura incompetentes e mais zelosos que sensatos, resultou o naufrágio da sua heroica tentativa, afinal frustrada por sua própria culpa, como verá o leitor da exposição dos fatos, que vou referir.

Apresentados os Apontamentos, o Governo sem perda de tempo nomeou para revê-lo a comissão de que trata o Aviso seguinte:

2ª Seção - Rio de Janeiro- Ministério dos Negócios da Justiça, 4 de julho de 1881.

Ilm. e Exm. Sr. - O sincero empenho desde longa data manifestado pelos poderes do Estado, quanto à organização de um Código Civil, que concilie os progressos da ciência com as circunstâncias peculiares do Império, não pôde ainda obter o desejado êxito por motivos conhecidos.

Entretanto a necessidade de preencher-se esta lacuna, que nos força a manter uma legislação esparsa, antiquada e já em vigor no próprio reino d'onde a transplantamos, torna-se cada vez mais sensível em presença dos melhoramentos, que nesse importantíssimo ramo de direito tem sido adotados em vários países da Europa e da América.

Em tais circunstâncias não podia o Governo Imperial deixar de acolher com muito agrado e louvor os Apontamentos para o projeto de Código Civil brasileiro espontaneamente oferecidos pelo Dr. Joaquim Felício dos Santos e constantes do incluso exemplar impresso.

É, porém, de intuitiva conveniência que esse trabalho passe pelo prévio e acurado exame de pessoas competentes que emitam seu esclarecido parecer sobre a vantagem de ser aceito o mesmo trabalho, como base suficiente para uma revisão ulterior, em que possam também colaborar outros auxiliares, dando-se neste caso quaisquer providências necessárias, que regulem os novos e mais detidos estudos.

E Resolvendo Sua Majestade o Imperador nomear uma comissão composta de V. Ex., do conselheiro António Joaquim Ribas e dos Drs. Francisco Justino Gonçalves de Andrade, Antônio Coelho Rodrigues e António Ferreira Viana, afim de proceder ao indicado exame preliminar, com a urgência que o assunto permita, muito confia que essa comissão satisfará o seu encargo com o zelo e patriotismo que distinguem cada um um de seus membros.

O que comunico a V. Ex, para sua inteligência e direção. Deus guarde a V. Ex.- Manoel Pinto de Souza Dantas. - Sr. conselheiro Lafayete Rodrigues Pereira.

Idêntico ao conselheiro António Joaquim Ribas e aos Drs. Francisco Justino Gonçalves de Andrade, António Coelho Rodrigues e António Ferreira Viana.

Na mesma data dirigiu o ministro da Justiça ao autor de trabalho o seguinte ofício:

“Ministério dos Negócios da Justiça. - Rio de Janeiro em 4 de Julho de 1881.

Sendo presentes a Sua Majestade o Imperador os apontamentos para o projeto do Código Civil Brasileiro, organizados e espontaneamente oferecidos por Vm., houve por bem o mesmo Augusto Senhor nomear uma comissão composta dos conselheiros Lafayete Rodrigues Pereira, António Joaquim Ribas e Drs. Francisco Justino Gonçalves de Andrade, António Coelho Rodrigues e António Ferreira Viana, para proceder á um exame preliminar, indicado no aviso constante da cópia junta.

Fazendo esta comunicação, devo declarar que o Governo Imperial acolheu com satisfação a louvável tentativa, com que deu Vm. uma prova irrecusável do seu amor ao trabalho e zelo pelo bem público. Cabe-me ainda preveni-lo de que a mencionada comissão terá de reunir-se brevemente, sendo de muita utilidade a presença de Vm. para ministrar-lhe os esclarecimentos, que ela entender necessários. - Deus guarde a Vm. -Manoel Pinto de Souza Dantas, - Sr. Dr. Joaquim Felício dos Santos.

Esperando o autor a comissão demorou alguns dias a remessa do seu parecer ao Governo; porque, sendo ele contrário a aceitação do trabalho, entendeu ela não dever manifestar seu juízo sem ouvir a parte interessada em contrariá-lo.

Efetivamente, foi ouvido sobre ele o ilustre finado, que, como homem de lei e espírito superior, concordou com todas as censuras da Comissão e apenas procurou justificar, em parte, o conteúdo e a extensão do “Titulo Preliminar”.

À vista disso foi dirigido ao ministro da Justiça, em 28 de setembro, com ciência, paciência e anuência do autor do projeto, o seguinte:

“PARECER DA COMISSÃO”

A comissão nomeada para dar parecer sobre as vantagens da admissão, como base da revisão ulterior, do trabalho apresentado pelo Dr. Joaquim Felício dos Santos, denominado Apontamentos para o projeto do Código Civil brasileiro, após o devido exame, vem enunciar o seu juízo com a isenção que o assunto requer.

A missão científica na formação de um Código Civil cifra-se principalmente na produção reflexiva do organismo vivo do direito privado. Essa reprodução é o sistema. E como a toda relação jurídica deve responder uma regra, o alvo da atividade jurídica do autor é o conjunto sistemático de relações e regras.

No sistema o método predominante é o dogmático; em um código releva que o seja.

O código é o grau mais elevado a que se ergue o espírito jurídico de um povo, no empenho de reduzir à unidade as suas relações e instituições, de ordenar em uma grande lei o seu direito positivo, não raro múltiplo, esparso e desconexo, apesar dos tentamens públicos e particulares dirigidos a coligi-lo em ordem cronológica ou por matéria.

É incontestável a utilidade da codificação, se a par do aperfeiçoamento científico, o direito houver atingido amplo desenvolvimento. Malograda seria, porém, a do direito civil, se este fosse contemplado no aspecto puramente filosófico ou meramente histórico.

Versando o Código Civil, no máximo, sobre o direito privado, cumpre que neste seja completo e acomodado às circunstancias do país, e que as suas provisões, além de bem acabadas e igualmente justas para todos, se harmonizem entre si e com o complexo da legislação nacional. “Não que haja de tudo prever e de miudamente prover a todos os casos, prevenir todas as dificuldades, impossibilitar as controvérsias; mas condensar o trabalho analítico de séculos, sem abandonar as disposições gerais para descer a casos particulares.” (Saredo. Comm.)

Os Apontamentos para o projeto do Código Civil Brasileiro conquanto de muita valia e grande mérito, não se coadunam no todo com esses requisitos. Nem jamais houve projeto que os contivesse ou código que os preenchesse perfeitamente. O título, com que o autor os inculca, assaz revela a própria crença, e, acaso, o intuito de pôr lhe mão mais acurada.

Sendo o fim da comissão manifestar apenas o seu conceito quanto à idoneidade do trabalho para fundamento de examinação posterior, não lhe era lícito ousar dispô-lo, na tolerância de seus recursos, segundo as exigências sistemáticas. Semelhante alvitre, sobre intempestivo, padecia o deixar de tolher ao autor uma faculdade, que legitimamente lhe pertence.

Conviria, porventura, suprimir o título preliminar e limitar a parte geral, quando muito, às máximas consagradas pelas nações cultas; aos princípios de verdadeira doutrina científica, posto não geralmente praticados, obviando-se com as precisas restrições o eventual colidir do direito privado interno e externo e mormente consignar as regras concernentes à condição e capacidade jurídica das pessoas.

Depois da parte geral caberia estatuir: 1º Sobre o direito das coisas; 2º Sobre o direito das obrigações; 3º sobre o direito da família; 4º Sobre o direito de herança ou sucessão.

No sistema de um código cada instituição tem de assinalar uma divisão conveniente, natural e sintética, facilitando-se dessa parte a averiguação e a inteligência de suas disposições.

Se uma classificação diversa da apontada, melhor satisfizer a esses predicados, deverá ser admitida. Porquanto, como acertadamente pondera Velez Sarsfield, “basta um artigo do código para decidir de todo o sistema, que se há de observar em sua composição, ou tornar impossível uma ordem qualquer.”

A disposição das matérias nos Apontamentos ainda que se ampare em moldes legais, não parece a mais adequada. O autor não pode menos que render-se ao exemplo de códigos publicados sob o infundado método exegético, firmado pela escola de Bolonha.

Mas, si no tocante ao método não atendeu cumpridamente aos reclamos de uma classificação científica, redime-se em algumas disposições com a qualidade da concepção jurídica. Acolhe com a necessária modificação o principio que a lei nacional do de cujus é que determina e fixa a ordem das sucessões, os limites do direito e a validade intrínseca, qualquer que seja a natureza dos bens e o lugar em que se achem.

Reconhece e sanciona a ideia da natural união dos povos policiados, já radicada no país, equiparando o estrangeiro ao nacional, na aquisição e exercício dos direitos civis.

Melhora a condição jurídica da mulher, expungindo incapacidades e desigualdades de todo desamparadas da equidade e justiça. Não há aí, sequer, vestígios dos pretensos efeitos civis do banimento, desnaturalização e diversidade de crenças religiosas. Cessam vários romanismos. Rege, em grande parte, com sábias provisões, as relações da família. Algumas inovações, porém, encontram resistência nas atuais relações jurídicas.

O modo como regula o casamento não se antolha o mais justo e conveniente; todavia, nesse melindroso assunto mostra-se fiel ao princípio da liberdade religiosa, deixando-a plena à consciência individual.

Em outros pontos não se manifesta tão penetrado do espirito inovador.

Mantém ainda a rescisória, estribada na lesão enorme e as substituições pupilares, exemplares, recíprocas e a fideicomissária, dado que transformada em simples usufruto.

A respeito da posse importaria que no Código Civil transparecesse a noção do fato correspondente ao exercício da plena propriedade e ao de certos direitos reais, onde somente cabe, abstraindo de alguns códigos, aos quais sobrelevam na matéria as deficientes lições de nossos clássicos.

E quanto à propriedade, fora de grande momento regula-la em sua plenitude, desmembramentos e modificações, de sorte que nos efeitos se refletisse a discriminação.

Nos privilégios e hipotecas não bastaria cingir-se ao direito vigente, atenta a deficiência do preceito e a imperfeição da garantia.

Mas à comissão revisora é que compete notar, emendar, suprimir, eliminar e substituir e haver-se no desempenho do penoso encargo, consultando as provisões apropriadas às peculiares necessidades econômicas do país, sobretudo, em uma época de transformação de propriedade e serviços. Nessa árdua tarefa incumbe-lhe meditar seriamente, muito prever e providenciar e a tender com critério sobre as normas orgânicas de associações agrícolas, no intuito de aliar o poder do capital ao trabalho.

No sentir comum já de mais tarda o Brasil na organização do seu Código Civil; mas convém que o tenha, senão superior, igual aos do povos mais cultos. Ao inverso, é muito preferível não haver código.

Concluindo, a comissão é de parecer: “que, tendo os Apontamentos para o projeto do Código Civil Brasileiro subido mérito, como trabalho preparatório, pode o seu autor, retocando-os com arte, aparelhar um projeto em condições de franca revisão; no ponto em que param não subministram base suficiente.”

Sala das conferências da comissão, 27 de setembro de 1881. - Francisco Justino Gonçalves de Andrade. - Dr. Antônio Ferreira Viana. - António Joaquim Ribas. - Lafaye Rodrigues Pereira. - António Coelho Rodrigues.

O Governo respondeu à comissão de 4 de julho pelo seguinte aviso sobre:

A COMISSÃO PERMANENTE E A NOMEAÇÃO DO PRESIDENTE1

2ª Seção - Rio de Janeiro. - Ministério dos negócios da justiça, 9 de novembro de 1881.

Ilm. e Exm. Sr. - Foi presente à sua Majestade o Imperador o parecer da comissão encarregada de examinar os Apontamentos para o Código Civil Brasileiro organizado pelo bacharel Joaquim Felício dos Santos.

Considerando de subido mérito esse trabalho como preparatório, entende a comissão que ei e ainda não oferece base suficiente para uma revisão, e antes convém que o seu autor formule sobre um projeto, segundo o plano a que alude o citado parecer.

Convém, entretanto, que a referida comissão, em cujas luzes, boa vontade e patriotismo o Governo Imperial muito confia, não interrompa seus esforços e antes fique permanentemente constituída para levar a efeito a organização do Código Civil, conciliando a urgência de tão relevante benefício com a necessidade de um apurado exame que o assunto exige.

Neste pensamento. Houve por bem o mesmo Augusto Senhor determinar o seguinte:

Que, até a definitiva apresentação do indicado projeto, Continue a funcionar a comissão da qual também fará parte o autor dos - Apontamentos - bacharel Joaquim Felício dos Santos;

Que, devendo ter ela um presidente que dirija os seus trabalhos e contribua eficazmente para a unidade e método indispensáveis, além de expedir individualmente, por bem da celeridade, a correspondência oficial, é nomeado para esse fim V. Ex. que, como órgão da comissão, escolherá o respetivo secretario e providenciará de modo mais conveniente sobre o trabalho preparatório por ela indicado, podendo por si e com os auxílios dos membros que julgue precisos, organizá-lo para ser oferecido à apreciação da comissão e por ela discutido;

Que, finalmente, se reunirá a comissão para suas conferências, sempre que o entender conveniente, tendo para isso à sua disposição uma das salas desta Secretaria de Estado, cujo diretor geral prestará o que for necessário para o serviço do expediente.

Deus Guarde a V. Ex.- Manoel Pinto de Souza Dantas

- A S. Ex. o Sr. conselheiro Lafayete Rodrigues Pereira.

- mutatis muitandis aos conselheiro António Joaquim Bibas, Drs. Francisco Justino Gonçalves de Andrade, Antônio Coelho Rodrigues e António Ferreira Viana.

Na mesma data foi expedido o seguinte aviso sobre:

A NOMEAÇÃO DO DR. JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS

“2ª Seção. - Rio de Janeiro. - Ministério dos negócios da justiça, 9 de novembro de 1881.

Tendo sido Vm. nomeado membro da comissão encarregada da organização do Código Civil, da qual fazem parte os conselheiros Lafayete Rodrigues Pereira e António Joaquim Ribas, Drs, Francisco Justino Gonçalves de Andrade, António Coelho Rodrigues e António Ferreira Viana, assim o comunico de ordem de Sua Majestade o Imperador, esperando que Vm. no desempenho deste encargo dará mais uma prova de sua ilustração e zelo pelo bem publico.

No aviso constante da cópia Junta se acha manifestado o pensamento do governo imperial sobre o assunto.

Deus guarde a Vm. - Manoel Pinto de Souza Dantas, -

Sr. Dr. Joaquim Felício dos Santos.”

Dentro de quatro meses foram confirmados os receios do ministro da justiça pelo seguinte:

OFICIO DO DR. JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS, PEDINDO DEMISSÃO DA COMISSÃO

“Ilm. e Exm. Sr.2 Em junho de 1878, achando-me em casa do Sr. conselheiro Lafayete Rodrigues Pereira, então ministro da justiça, e perguntando-lhe se o governo pretendia encarregar a alguém da organização do projeto do Código Civil Brasileiro, visto ter falecido o conselheiro Nabuco, respondeu-me ele negativamente.

Propus-lhe encarregar-me desse trabalho embora sem contrato com o governo, e o Sr. Lafayete acolheu a minha proposta com palavras animadoras.

Em 18 de abril de 1880 escrevi ao Sr. Dantas, que então sucedera ao Sr. Lafayete na pasta da justiça, perguntando-lhe se depositava em mim a mesma confiança e se devia continuar o meu trabalho já bastante adiantado.

Sucedeu ser o Sr. Dantas interpelado sobre as providências que tinha de dar a respeito do projeto do Código Civil Brasileiro, visto ter falecido o conselheiro Nabuco.

Respondendo a interpelação, na sessão de 21 de julho, o Sr. Dantas leu ao senado a carta que eu lhe havia escrito, dando assim a entender que não se tinha descuidado de negócio de tanta importância.

Animado com a confiança, que em mim implicitamente depositava o governo, não interrompi o meu trabalho, e em março de 1881 apresentei ao Sr. Dantas um manuscrito com o título de Apontamentos para o projeto do Código Civil Brasileiro.

Impresso na tipografia nacional, o Sr. Dantas, por ato de 4 de julho, nomeou uma comissão composta dos Srs. conselheiros António Joaquim Ribas e Lafayete Rodrigues Pereira e Drs. Francisco Justino Gonçalves de Andrade, António Coelho Rodrigues e Ferreira Viana, afim de emitirem seu parecer sobre a vantagem de ser aceito o meu trabalho como base suficiente para uma revisão posterior e ao mesmo tempo fui chamado a esta corte para ministrar à comissão as informações, que ela exigisse.

A comissão deu seu parecer em data de 27 de setembro declarando de muita valia e subido mérito os Apontamentos para o projeto do Código Civil Brasileiro; mas opinou que eu devia fazer algumas alterações lembradas no parecer e aparelhar um projeto em condições de franca revisão. “Sendo o fim da comissão, diz o parecer, manifestar apenas o seu conceito quanto à idoneidade do trabalho para fundamento de examinação posterior, não lhe era lícito ousar dispô-lo, na tolerância de seus recursos, segundo as exigências sistemáticas. Semelhante alvitre, sobre intempestivo, padecia o deixar de tolher ao autor uma faculdade, que legitimamente lhe pertence.”

Este parecer da comissão, porém, não foi tomado era consideração; e por ato de 9 de novembro mandou o Sr. Dantas que ela não interrompesse os seus trabalhos, e antes ficasse permanentemente constituída, passando eu a ser um de seus membros, para levar a efeito a organização do projeto do Código Civil. O Sr. conselheiro Lafayete foi nomeado presidente da comissão, com a faculdade de reuni-la para suas conferências quando o entendesse conveniente.

Retirando-se os Srs. conselheiro Ribas e Dr. Justino, talvez por se julgarem desautorizados com o ato de 9 de novembro, que ainda mais confere ao presidente da comissão a faculdade de tomar sobre si o trabalho e dispensar o concurso dos outros membros, ordenou o Sr. Dantas que a comissão continuasse seus trabalhos só com os quatro membros, de que atualmente se compõe.

Infelizmente, porém, até esta data, não há ainda trabalho algum da comissão.

Deve dominar um pensamento sério na organização da comissão encarregada de um trabalho de tanta magnitude, como é o projeto de um Código Civil.

As suas reuniões e conferências devem ser frequentes e não deixadas ao arbítrio de seu presidente.

Nada temos feito.

Em dias do mês de janeiro, a pedido meu, o Sr. Lafayete convocou a comissão para a sua primeira conferência; esta durou pouco mais de um quarto de hora, e a segunda conferência foi marcada para dois meses depois.

Pedi depois ao Sr. Lafayete outra conferência, mas ele nem dignou-se responder ao meu ofício.

Não sei que motivos particulares levam o Sr. Lafayete a procrastinar um serviço de tanta importância.

Longe de minha família, e tendo abandonado meus negócios a chamado do governo, compreende V. Ex. que não posso continuar a fazer sacrifícios inteiramente estéreis como membro de uma comissão, não remunerada, e venho pedir a minha demissão.

Rio, 6 de março de 1882. - Joaquim Felício dos Santos. - Este ofício, que foi um golpe mortal na comissão permanente, de 9 de novembro de 1881, não pode ser bem compreendido sem as explicações, que vou dar na História da comissão permanente.

HISTÓRIA DA COMISSÃO PERMANENTE

A Comissão de Novembro reunia-se em princípios de dezembro, quando o presidente propôs que estudássemos as questões preliminares do plano e da sua execução; para nos reunirmos a deliberar sobre elas, logo depois das férias do foro, que então iam de 21 daquele mês a 31 de Janeiro.

Nesse interim constou-me particularmente a retirada de dois dos nossos colegas, o Conselheiro Ribas e o Sr. Dr. Justino de Andrade. Não me admirou a partida deste, porque, morando em S. Paulo, para onde podia ir e voltar quando conviesse e estando nós aqui em pleno verão, me pareceu natural, que preferisse passar lá as férias forenses.

Quanto ao outro, porém, que residia nesta cidade, atribui a sua retirada, sem despedir-se, a julgar que ele preterido na presidência, que foi dada com plenos poderes, como vimos, ao Conselheiro Lafayete; naturalmente porque, além da sua inquestionável competência, tinha a mais elevada posição social entre os colegas, como Senador e Conselheiro de Estado, e fora o antecessor do ministro nomeante, na pasta da Justiça.

No correr de janeiro avisou-me o presidente de que o Dr. Felício dos Santos tinha requerido uma sessão para adiantarmos o trabalho, a fim de que eu, como secretário, avisasse aos outros do dia e da hora da mesma sessão.

Só então fui informado de que a retirada dos dois ausentes era definitiva e que, levado o fato ao conhecimento do Governo, este resolvera não substitui-los.

Em seguida nos reunimos na Secretaria da Justiça e resolvemos unanimemente aceitar o plano e as bases da Comissão de julho, sem cogitar-se do projeto Felício, reservando o presidente para si a Parte Geral e distribuindo entre nós outros uma grande parte do Direito da Família, para apresentarmos os respetivos articulados na primeira sessão seguinte, que foi marcada para dali a dois meses.3

Antes, porém, que estes se esgotassem, o Dr. Felício dos Santos oficiou ao presidente, dizendo que o seu articulado já estava feito no projeto, que oferecera ao Governo, já publicado na Tipografia Nacional, e distribuído pelos colegas, concluindo por pedir nova sessão com urgência, a fim de apresentá-lo aos mesmos.

Parece que o presidente tomou esse pedido como um expediente indireto, para obrigar a comissão a tomar como base de seu trabalho o projeto do autor, e por isso deixou de responder-lhe e de modo a transmitir a mim, como secretario dela; de modo que fui totalmente surpreendido quando um dia e muito antes do marcado para a sessão seguinte, deparei no Jornal do Comércio com um artigo queixoso e agressivo contra o Conselheiro Lafayete e assinado pelo Dr. Joaquim Felício dos Santos.

Ora, o recente conhecimento, que eu fizera deste, dava-me dele a ideia de um homem chão e abonado, na frase das Ordenações, de muito merecimento intelectual e moral, que presumia de si menos do que valia; mas, desconfiado e crédulo como são em geral as pessoas modestas, supunha que os outros lhe não reconheciam nem mesmo o que ele julgava ter, e estava sob a influência de uma ou duas pessoas desafetas ao presidente da comissão, e desejosas de vê-la dissolvida.

Por consequência procurei-o imediatamente para dissuadi-lo das prevenções, que manifestara contra o seu distinto comprovinciano, e pedir-lhe que esperasse um artigo no jornal do dia seguinte, em que eu explicaria os fatos, de modo a concilia-los ambos; do que dei aviso à outra parte.

No dia seguinte, porém, depois de publicado o meu artigo e quando o supunha satisfeito, encontrei-o mais indisposto do que na véspera contra o nosso presidente, a quem atribuía, de acordo com o ministro, o propósito de contrariá-lo até obrigarem-no a fazer o mesmo que os dois demissionários; o que, acrescentava, não era difícil, porque não podia continuar aqui longe dos seus negócios e da sua família, fazendo despesas, correndo o risco da febre amarela e trabalhando grátis, sob a fé única da palavra de um ministro, que prometia pedir, em maio próximo, crédito para o nosso pagamento; mas, até lá podia muito bem deixar de o ser.4

Não houve meio de convence-lo e com a publicação da resposta, que lhe deu no dia seguinte o Conselheiro Lafayette foi-se a minha última esperança de conciliação, e ficamos reduzidos a três; o presidente, o secretário e o ilustre Conselheiro Dr. Ferreira Viana.

Aos dois restantes apresentei mais tarde o meu articulado, e nessa ocasião resolveu o presidente que eu continuasse independente de novas sessões o meu estudo sobre as matérias, que me parecessem mais importantes, até que o ministro recompusesse a comissão, como prometera fazer, logo que tivesse do parlamento o necessário crédito, de que, aliás, não cogitou.

Assim continuamos até maio de 1883, quando a comissão dissolveu-se, de fato, pela chamada do seu presidente à presidência do Gabinete de 24 daquele mês.

Em Junho seguinte, e logo no princípio, procurei, para falar-lhe a respeito, o novo ministro da Justiça, Conselheiro Prisco Paraíso, que, ponderando na pouca duração habitual dos ministérios da monarquia, na inconveniência de mudar a direção de um trabalho daqueles, e na dificuldade de substituir o nosso presidente, resolveu que continuássemos no mesmo estado, até que o Conselheiro Lafayete pudesse voltar a dirigir o mesmo trabalho.

Efetivamente, um ano depois, verificou-se a hipótese prevista, mas o nosso presidente considerou perdido o seu lugar, e o chefe do gabinete de então, o mesmo conselheiro Dantas, a quem procurei para providenciar a respeito, resolveu que continuando o governo sem verba, e sendo um pecado quebrada aos céus não pagar a quem trabalha, o melhor era manter o status quo.

No ano seguinte, porém, havendo mudança de situação pela chamada do Barão de Cotegipe a organizar o Gabinete de 20 de agosto, o novo ministro da Justiça, Conselheiro Joaquim Delphino, resolveu no fim do ano dissolver a comissão; mas somente o fez no fim de fevereiro de 1886 e pelo seguinte Aviso:

“Ministério dos Negócios da Justiça- 27 de Fevereiro de 1886.

llm. e Exm. Sr. Sua Majestade o Imperador há por bem, atenta à falta de crédito, dissolver a comissão nomeada por Aviso de 4 de Julho de 1881 para a organização do código civil sobre a qual se providenciará logo que o poder Legislativo conceder os meios necessários, que serão oportunamente pedidos. O que comunico a V. Ex. para os efeitos legais. Deus Guarde a V. Ex. - Joaquim Delphino Ribeiro da Luz.

À S. Ex. o Sr. Conselheiro Lafayete Rodrigues Pereira”

E assim acabou-se inerte e ingloriamente aquela comissão, recebida com o aplauso de muitos e com as esperanças gerais, parecendo-me que a demora, entre a resolução e o ato do ministro, foi devida à resistência do Imperador.

Creio que o crédito não foi pedido ou, se o foi, a câmara o recusou de acordo com o ministro; porque, enquanto ele não foi substituído pelo Conselheiro Mac-Dowel, o presidente do Conselho, que me havia pedido, em julho de 1886, um plano para o Código Civil, nunca mais me falara dele, mas pedi-me de novo, logo que aquele ilustre representante de Minas foi transferido para a pasta da guerra.

O que se deu com esse plano, publicado entre os apêndices da minha Exposição de Motivos, consta de uma nota à mesma (n. 5).

O Conselheiro Ferreira Viana, pouco depois de nomeado ministro do gabinete João Alfredo, de 10 de Março de 1887, falou-me da reorganização da nossa comissão de 1881, mas, fosse a crise da abolição do elemento servil, que aquele ministério realizou, fossem os muitos trabalhos, que o seu ministro da Justiça teve entre mãos, ou qualquer outro motivo público ou mesmo particular e secreto, que lhe tolhesse a vontade, o fato é que ele nada resolveu sobre a continuação dos nossos trabalhos de 1881.

A ÚLTIMA COMISSÃO

Destarte passaram-se mais de três anos sem que o governo manifestasse por atos o menor desejo de cumprir a promessa do § 18 do art. 179 da Constituição do Império, até que foi de novo mudada a situação política pelo advento do Gabinete de 6 de Junho de 1889, presidido pelo ilustrado Dr. Visconde do Ouro Preto, que, no próprio dia da dissolução da Câmara dos Deputados encontrando-me no respetivo edifício, preveniu-me de que não voltasse a assumir minha cadeira na Faculdade do Recife, porque carecia dos meus serviços na comissão do Código Civil, que ia ser reorganizada naquele mesmo mês, se fosse possível.

Surpreendeu-me agradavelmente esta notícia porque, como deputado conservador, eu não só lhe negara meu voto na questão que determinou aquele golpe de Estado, mas até, no próprio ato da apresentação do seu ministério, lancei-lhe em rosto, como fraqueza, o ter abandonado seu nome, depois de ilustre pelo seu trabalho, por um título da Monarquia.5

Efetivamente, logo no princípio de julho, estavam nomeados comigo para a mesma comissão os srs. Conselheiros Olegário de Castro, Silva Costa, Afonso Pena, Dantas e Barão de Sobral, e no dia 12 celebramos a primeira sessão, presidida de direito pelo Sr. Conselheiro Cândido de Oliveira, ministro da Justiça, e de fato pelo próprio Imperador.

Nesse mesmo dia foi nomeado Secretario o Barão de Sobral e assentado aceitarmos o plano da Comissão de 1881, e distribuir-se a matéria do seguinte modo: a Parte Geral ao Secretário; o Direito das Coisas ao Sr. Conselheiro Olegário; o das Obrigações ao Sr. Conselheiro Silva Costa; o da Família a mim, e o das Sucessões ao Sr. Conselheiro Pena.

Naquela sessão apenas se aludiu ao projeto Felício e a alusão foi tão passageira que, me parece, nem se quer teve menção na Ata, apesar do Aviso, que nos nomeou, do 1º de Julho de 1889, recomendar “o aproveitamento dos valiosos subsídios dos trabalhos anteriores.”

Esta última comissão, que reunia-se ordinariamente, uma vez por semana em uma das salas, que davam comunicação do Paço da cidade para a Capela Imperial, e sempre sob a presidência dupla do Imperador e do ministro, não perdeu tempo.

Em agosto apresentei-lhe o índice da minha parte com uma Exposição de Motivos, impressa em vinte páginas in folio. No mês seguinte o Sr. Conselheiro Olegário também apresentou o seu índice acompanhado da respectiva Exposição de Motivos, longa e substanciosa. Em seguida o Barão de Sobral apresentou com o seu índice o articulado da lei preliminar, e os Srs. Conselheiros Pena e Silva Costa apresentaram, um após outro, uma parte das respetivas tarefas.

Nossas sessões, que às vezes duravam longas horas, eram extratadas pelo Secretário, de modo que as suas atas eram um resumo de toda a discussão, e destinadas a formar a história autêntica do futuro código.

Estávamos nesse ponto quando sobreveio o 16 de novembro e com ele o novo regime.

Antes de aderir a este, pedi minha jubilação, como lente que já contava a antiguidade precisa para obtê-la, e demissão da comissão do Código.

O meu pedido foi apresentado na Secretaria a 18, e na ocasião de deferi-lo, o ministro dissolveu a mesma comissão, ordenando-me que, enquanto não fosse jubilado, me considerasse em serviço daquele ministério.

Em dezembro incumbiu-me ele de redigir o projeto da lei do casamento civil, que foi feito por mim e discutido por nós, artigo por artigo, do dia 15 ao dia 24 daquele mês.

Em 6 de Maio de 1890, achando-me em Pernambuco, para onde partira com licença em 23 de abril, fui chamado por um telegrama de S. Exa. e, aqui chegando a 18, fui informado por ele de que precisava de um código civil redigido, si não com a mesma urgência com que o fora a lei do casamento, ao menos com a mesma, com que estava sendo reformado o código criminal.

Declinei da honra, por considerar o trabalho superior às minhas forças, e indiquei-lhe as pessoas, que poderiam ter, em minha opinião, trabalho pronto para tentar a empresa.

Creio que duas delas, consultadas particularmente, fizeram o mesmo que eu; de modo que em junho S. Exa. resolveu incumbir-me do trabalho, no menor prazo possível, ficando as demais condições ao meu critério.

Aceitei o prazo de três anos, com o protesto de encurtá-lo quanto pudesse, e não esqueci o meu compromisso.

Infelizmente, quando apresentei meu trabalho, cuja história não cabe aqui, era outro o ministro, que não mais o considerava urgente; pelo contrário, parecia-me interessado em desacreditá-lo, para obter a preferência pelo projeto Felício, patrocinado no Senado pelo venerando Saldanha Marinho, autor do projeto n. 45 de 1891.

Daí a necessidade das observações críticas que vão adiante, que ofereci ao Senado e que ele mandou publicar no Diário do Congresso; que foram efetivamente impressas na Tipografia Nacional, onde comprei alguns centos dos seus exemplares, mas onde parecem ter sofrido um eclipse total; porque debalde as tenho procurado naquele Diário e nos Anais das Sessões públicas daquela casa do Congresso!

Mais uma razão para reeditá-las...

OBSERVAÇÕES CRÍTICAS SOBRE O PROJETO DO CÓDIGO CIVIL, N. 9 DE 1891, DO SR. SENADOR JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS

Na sessão de 29 de agosto do ano passado requeri ao Senado a nomeação de uma comissão especial para interpor parecer sobre o projeto do Código Civil, que com outros colegas então lhe ofereci, e a remessa à mesma comissão do projeto do honrado senador o Sr. Felício dos Santos, projeto que pendia, desde 1891, do parecer de outra.

Essa comissão, que foi nomeada na minha ausência, tem de, na forma do nosso regimento, resolver, como preliminar, a questão de preferência entre os dois projetos, antes de pronunciar-se definitivamente em favor de qualquer deles.

Para facilitar seu exame pedi ao mesmo tempo que se publicasse no Diário do Congresso a exposição de Motivos do meu trabalho, a sua crítica pela Comissão do Governo, assim como a resposta que lhe dei.

Tudo isso foi publicado e creio que oportunamente distribuído pelos membros do Senado.

Com o mesmo fim venho agora oferecer àquela comissão a minha crítica ao trabalho do honrado senador por Minas Gerais, sem quebra do respeito pessoal, que lhe voto e do merecimento que tem o mesmo trabalho.

A minha apreciação, que não poderia ser minuciosa sem tornar-se fatigante, será impessoal e limitar-se-á aos pontos principais ou mais salientes, e às observações indispensáveis para fazer-se uma ideia do conjunto e das partes, do fundo e da forma em geral. Para isso dividirei meu trabalho em três capítulos: o primeiro sobre o plano, o segundo sobre a execução e o terceiro sobre a forma.

CAPÍTULO I

PLANO DO projeto6

1 . Quanto ao plano o autor é original em relação aos códigos e projetos, que conhecemos, até mesmo a respeito dos pontos, em que parece tê-los querido imitar.



Assim, por exemplo, começa de um título preliminar, redigido e numerado como parte integrante do projeto, à maneira do Código Civil francês; mas, ao passo que este inscreve-se “Da publicação dos efeitos e da aplicação das leis em geral” e consagra-lhe apenas seis artigos, o nosso autor, sob a mesma epígrafe, consagrou-lhe nada menos de setenta e seis, isto é, mais do dobro do que Mr. Laurent formulou para o seu projeto de revisão do Código Civil belga, cujo título preliminar era o mais longo de quantos conhecíamos da Europa e da América do Norte.

2. Verdade è que o projeto, apenas começado, do conselheiro Nabuco, tinha um título preliminar, que contava 118 artigos e que sérvia de modelo ao nosso autor; mas, aquele título preliminar não era redigido como integrante do Código Civil, e sim para “ser publicado com o Código Civil do império”; pelo que tinha numeração própria e separada.

Esta concepção parece mais correta, porque a matéria do título preliminar é menos de direito civil propriamente dito, do que de direito público e internacional, público e privado.

Ela tem sido a de vários códigos modernos como o holandês e o próprio italiano, aliás modelado pelo francês, a cujo exemplo parece ter cedido o autor.

3. O projeto de código civil propriamente dito é dividido em uma parte geral e outra especial, como aconselha a chamada escola alemã, e nisto cifrasse a sua imitação pelo autor; porque ao passo que aquela subdivide a primeira parte em três livros e a segunda em quatro, o autor altera-lhe a não só o número de subdivisões, como as epigrafes e os respetivos conteúdos.

Assim, ao passo que a escola alemã incluiu na parte geral um livro para as pessoas, outro para as coisas e outros para os atos jurídicos (segundo Coelho da Bocha, infiel imitador de Mackeldey) ou para os fatos jurídicos (segundo Savigny) e na parte especial um para o direito das obrigações, outros para o direito das coisas, outro para o direito de família e mais um para o direito das sucessões; o nosso autor reduz toda a matéria de seu projeto às pessoas, às coisas e aos atos jurídicos, tratando de cada um desses objetos em geral, na primeira parte e dos mesmos objetos, em particular, na segunda.

4. Das suas epigrafes resulta que o autor quiz imitar Coelho da Rocha cujo plano singular ainda não tinha encontrado, que nos conste, outro imitador no Brasil e muito menos em Portugal, mas essa imitação não foi feliz, nem foi fiel.

Não foi feliz porque o modelo não fez escola nem resiste à crítica, e não foi fiel porque, ao passo que o jurisconsulto reinícola inscreve as três grandes divisões da primeira parte - Noções gerais sobre pessoas, Noções gerais sobre coisas, Noções gerais sobre atos jurídicos e as outras três da segunda parte - Dos direitos das pessoas, Dos direitos das coisas e Dos direitos quanto aos atos jurídicos o nosso autor reproduz na parte especial as mesmas epigrafes da geral, substituindo apenas as palavras em geral pelas palavras em particular.

5. E isto não é o pior. Coelho da Bocha, tratando das pessoas não esquece, como faz o projeto, a sua nacionalidade; definindo os bens compreende neles a propriedade e o crédito, e distingue os bens nacionais dos municipais, paroquiais, etc.; considera a sucessão legítima como direito de família; trata da posse como um modo de adquirir e da prescrição como um efeito da posse; inclui no direito das coisas a enfiteuse o penhor, a hipoteca e a anticrese; e não era capaz de tratar da substituição dos herdeiros antes da instituição, como faz o projeto nos seus arts. 1796 a 1835.7

O nosso autor excluí dos bens todos os direitos pessoais (art. 177) e a mulher da família do marido (arts. 91 e 95)8; considera nacionais todos os bens públicos (art. 203); trata da posse depois de tratar da propriedade e no livro das coisas, apesar de considerá-la direito pessoal (art. 1.359); assim como trata aí mesmo da sucessão legítima, ao passo que remete para o livro dos atos jurídicos a enfiteuse, o penhor, a hipoteca e a anticrese, alguns dos quais foram mencionados não só entre os direitos reais, como entre os bens imóveis (art. 182).

6. A essas infidelidades, propositais ou não, mas em todo caso infelizes, que o autor cometeu contra o seu modelo, muitas outras se juntaram, que omitimos por menos importantes, ou mencionaremos quando vierem a propósito, ao tratarmos da execução do plano.

Em conclusão: este nos parece ter sido o mesmo de Coelho da Bocha, o qual de si não era bom e foi ainda sensivelmente piorado em todas as suas partes pelo autor do projeto, que se conserva quase o mesmo, com ligeiras alterações, há mais de 18 anos, apesar de três edições e um longo comentário, que nesse largo período tem tido.

7. Dissemos que o modelo foi mal porque o que há de bom no plano de Coelho da Rocha é velho, e da escola alemã, e o que tem de novo é tão diverso como inexato. Assim a parte geral, depois de alguns prolegômenos, trata dos três elementos do direito que segundo ele, de acordo talvez com o jurisconsulto Gaio, são as pessoas, as coisas e os atos jurídicos, e segundo outros são as pessoas, as coisas e os fatos jurídicos; ao passo que em nossa opinião ou são quatro ou o terceiro elemento é constituído tanto por aqueles como por estes.

Ora, o nosso autor tinha noção clara do que são atos jurídicos (art. 216) e não os confunde com os fatos (arts. 3º e 289); mas, era vez de tratar de uns e de outros no 3º livro da parte geral, fechou os olhos à realidade para seguir cegamente o seu modelo, perdendo assim a melhor ocasião, que se lhe oferecia, para corrigi-lo em alguma coisa.

8. Na parte especial Coelho da Rocha manteve a mesma divisão tripartida da geral, talvez por obediência à celebre máxima dos Comentários de Gaio (1,8) transcrita no § 12 da Ist. 1,2 - quando melhor teria feito adotando a quadripartida dos alemães, uma vez que, não distingue o direito civil rigorosamente tal do da família, como aliás podia e talvez devesse fazer.

Com efeito, o direito civil em sentido restrito só compreende coisas ou ações - propriedade ou crédito -; ao passo que no de família, propriamente dito, são as pessoas mesmas, os objetos e os sujeitos dos respectivos direitos, e como a família se continua no tempo, apesar da morte, pela transmissão do sangue e dos bens, a sucessão forma um acessório natural do seu direito. Eis a razão da classificação quadripartida, que aliás poderia ser figurada bipartida, como se vê do seguinte quadro:

Direito civil:

a) direito das coisas

b) direito das obrigações

Direito de família:

a) no presente

a.1) puro

a.2) aplicado

b) no futuro:

b.1) sucessão legítima

b.2) sucessão testamentária

(Isto posto, parece claro que o nosso autor incorreu em todas as faltas do seu modelo e agravou-as todas as vezes que separou-se dele. É talvez muito duro dizê-lo; mas é verdade. Agora vejamos se tais faltas foram, ao menos, atenuadas na execução do plano).

CAPITULO II

EXECUÇÂO DO PLANO

Título Preliminar

9. Este título, além das objeções já oferecidas contra ele e de várias outras, que virão mais a propósito, quando tratarmos da forma do projeto, não recomenda nada o trabalho e foi evidentemente articulado sem a atenção, que merecia já pela sua posição ostensiva já pela extensão e importância das suas disposições.

Ele oferece exemplo de quase todos os defeitos possíveis em obras desta ordem, desde as expressões impróprias e da desordem dos artigos, traduzida em repetições ociosas e intercalações impertinentes, até as contradições flagrantes, as disposições insustentáveis e as definições esdrúxulas.

Com efeito o art. 6º emprega o verbo revogar como equivalente de derrogar e não o é, Ulp. Fragm. 1, § 3º - o art. 22 serve-se das expressões abertura da herança como equivalentes de abertura da sucessão, conforme geralmente se diz, e o art. 24 fala do estatuto pessoal como da lei nacional e em contraposição ao real, cuja teoria caiu em desuso, depois de Savigny.

Além disso os arts. 10, 11, 27 e seguintes deviam estar reunidos pela conexão das respectivas matérias e alguns deles, como por exemplo os cits. arts. 11 e 27, poderiam reunir-se com grande vantagem para a clareza e concisão das suas disposições, quase inseparáveis.

10. Por outro lado o art. 9º definindo direitos adquiridos “os que resultam de atos praticados em virtude da lei que os permitia” está deficiente, por não compreender os resultantes de fatos jurídicos tais como o nascimento e a morte (arts. 148 e 157) e ao mesmo tempo está em contradição com a definição do art. 14 que - “considera direito adquirido o prazo vencido durante a lei anterior” - e cuja novidade jurídica atinge as raias de uma extravagância.

O art. 19, que manda regular o estado e a capacidade do estrangeiro pela sua lei nacional, e o 29, que regula o casamento entre estrangeiros ou entre brasileiro e estrangeira pela lei do lugar da celebração, também se acham em contradição com os arts. 32 e 38 que sujeitam à lei brasileira os efeitos da anulação do casamento celebrado entre estrangeiros, ainda que fora do Brasil.

Além disso, o art. 17 define “direitos civis os estabelecidos no código civil” sem acrescentar quais são aqueles que devem entrar neste: o que importa definir o definido pelo próprio definido; isto é, não definir cousa nenhuma.

Ainda mais: o art. 53 dispõe que “não podem os juízes deixar de aplicar uma lei aos casos ocorrentes, sob o pretexto de que ela é inconstitucional” o que nos parece contrario ao art. 60 A da Constituição Federal; ao passo que o art. 55 confere ao poder legislativo a faculdade de subdelegar suas atribuições, sob a forma de autorização, ao poder executivo, o que não só é contrario à letra e ao espírito da mesma Constituição, como sobremaneira perigoso na prática e atentatório da divisão dos poderes, estabelecida como dogma no art. 15 da mesma Constituição.

11. Finalmente grande número das disposições, aparentemente gerais, do título preliminar é acompanhado de cláusulas finais que na realidade as anulam, como se pôde ver, por exemplo, nos arts. 13, 18, 61, 64, 74 e 75.

Releva notar que este hábito de anular implicitamente as regras, à proporção que as estabelece, observa-se em todo o projeto e que, se isto pode em algum caso facilitar a defesa do autor, deixa em quase todas a porta aberta à incerteza das decisões e à chicana dos advogados.

LIVRO 1º.

DAS PESS0AS EM GERAL

12. Passemos agora ao projeto propriamente dito e comecemos do primeiro livro da parte geral o qual se inscreve; “Das Pessoas em Geral”.

Aqui o autor divide (cap. 1º) as pessoas em naturais e jurídicas, equiparadas na presunção de capacidade geral para adquirir e exercer direitos “salvo proibição ou incapacidade declarada na lei” (art. 79). O art. 8º declara, contra o art. 807, que o direito de reclamar o estado é imprescritível e transmissível aos herdeiros, na forma de outro artigo, que não cita; o que aliás se repete muitas vezes, ou porque o autor nunca se deu ao trabalho de verificar suas referências, ou porque alterou a numeração primitiva e nunca mais tratou de restabelecê-las.

Só assim podem ser explicadas não só essas omissões dos números dos artigos citados, como varias outras citações visivelmente erradas.9

Seja como for, equiparar as pessoas jurídicas às naturais é equiparar o natural e permanente ao artificial e eventual; porque, ao passo que o legislador limita-se a reconhecer a capacidade e a regular o exercido dos direitos das segundas, em benefício delas próprias, é o criador das primeiras e, portanto, pode ou não reconhecê-las, limitar a sua capacidade, e até mesmo extingui-las, conforme os casos, com a única ressalva dos direitos adquiridos por terceiro.

Esta confusão prova que o autor não tinha noção clara do seu objeto, aliás tê-lo-ia regulado, pressupondo que a pessoa jurídica é criação da lei; só tem a existência que esta lhe concede, em quanto lhe concede, e sempre em relação aos bens; porque a pessoa jurídica não tem nem pode ter relações de família.

13. Na seção 1º do cap. 2º o autor trata dos casos de incapacidade das pessoas naturais, entre as quais apenas estabelece uma distinção quanto à reponsabilidade civil (art. 90) e de passagem parece abolir a distinção entre os atos nulos e os anuláveis (art. 85) assim como o benefício da restituição in integrum.

A abolição deste benefício parece razoável, mas, para ser feita sem perigo, era preciso alargar o direito de rescisão, e para isto era sobretudo preciso não confundir a nulidade de pleno direito com a dependente de ação rescisória. Esta distinção, oriunda do direito romano, têm sido geralmente admitidas pelos códigos modernos, a começar do francês (art. 1.117), apesar da redação, senão contraditória, defeituosa do seu art. 1.108.

Todos os incapazes são confundidos em pé de igualdade sem distinguir sequer, como faz o direito vigente, os púberes dos impúberes e mesmo dos nascituros, aos quais é equiparada a mulher casada (art. 81); o que é tão novo como extravagante.

14. A seção 2º deste capítulo 2º trata da família cuja definição (art. 91) exclui a mulher do chefe, ou somente a admite ao lado dos fâmulos ou pessoas igualmente dependentes (art. 92). Semelhante dureza nunca se viu nem mesmo entre os romanos do tempo clássico os quais, apesar da “manus mariti” consideravam a mulher loco filiae desde que passava um ano e um dia em companhia do marido10; mas não é tudo.

Nesta seção o autor considera “família o complexo dos indivíduos que neste código são considerados parentes” (art. 91) e considera parentes por consanguinidade os indivíduos que procedem de um tronco comum (art. 95); mas não se conclua dai que, admitida a unidade da espécie humana, todos sejamos parentes, pois lá está adiante o art. 111 a dizer-nos que os parentes ilegítimos não fazem parte da família dos parentes legítimos.

Os arts. 102 e 103 mandam contar os graus tanto da linha reta, como da colateral, pelo número das gerações, sem excluir o tronco, o que é manifestamente inexato.

15. Mas o legitimismo do projeto não se limita a considerar estranhos, em regra, todos os parentes ilegitimos sem distinguir o lado paterno do materno (art. 111), ele considera também ilegítimos os filhos de pais putativamente casados, ainda que estes se achassem na mais completa boa fé (arts. 116 e 122).

Nesta mesma seção o projeto denomina perfilhados os filhos naturais legalmente reconhecidos e legitimados os reconhecidos por casamento posterior dos pais; mas no art. 123 declara: “inteiramente estranhos aos pais e às famílias destes os filhos espúrios ou naturais não perfilhados” e por consequência também os reconhecidos por subsequente matrimônio: conclusão absurda que certamente não entrou nas vistas do autor, mas deduz-se logicamente da combinação dos arts. 116, 117 e 123.

16. O capitulo 3º trata do domicílio que define: “a residência fixa da pessoa em qualquer lugar com o ânimo de ali permanecer” de onde se conclui que a coisa definida tem apenas como elementos a residência e a intenção, excluído o tempo, o que seria uma grande novidade; ou que há uma residência móvel, contraposta à fixa, o que seria novidade ainda maior.

Aí também se confunde (art. 146) o foro do domicílio com a lei do domicílio, que são coisas distintas; posto que, em regra a competência do foro coincida com a lex loci; mas a regra não é absoluta, porque nas sucessões, por exemplo, pode o sucessor estar sujeito ao foro do defunto e todavia regular-se a sucessão pela lei de outro país, si ele era estrangeiro no do seu domicílio (art. 21).

O art. 132 dispõe: “aquele que tiver de fazer valer um direito contra mais de uma pessoa de diversos domicílios, poderá escolher qualquer destes” quando a boa doutrina estabelece como regra exatamente o contrário, isto é, que cada réu deve ser acionado no seu domicílio, e a exceção à essa regra depende de prova, que incumbe ao autor.

E tanto o projeto afastou-se da verdade naquele artigo, quanto cedeu a ela no art. 142, fazendo comum aos herdeiros (antes da partilha) o foro do de cujus, que todos representam.

17. O capítulo 5º e ultimo trata das pessoas jurídicas, cuja indicação (arts. 158 e 159) é dada de modo que ficam reduzidas às corporações de mão morta e aos estabelecimentos públicos e não compreendem as fundações, e até nem mesmo as sociedades particulares, quer civis, quer comerciais.

Além disso dá como requisitos da pessoa Jurídica:

1º, que tenha por fim a utilidade pública;

2º, que tenha patrimônio seu;

3º, que seja legalmente autorizada;

4º; que não haja pessoa alguma natural de responsabilidade ilimitada; requisitos que, se fossem verdadeiros e aplicáveis a todas as pessoas jurídicas, fariam do direito civil um leito de Procusto intolerável, sobre tudo nas relações comerciais.

Com efeito; nada impede que duas ou mais pessoas naturais se associem para um fim particular lícito, formando uma personalidade coletiva e distinta da de cada sócio, nem que uma sociedade literária ou científica se forme sem património próprio, e faça as suas despesas periódicas ou eventuais por meio de contribuições também periódicas, ou extraordinárias, dos respetivos sócios.

18. A dependência da autorização oficial para que se constitua qualquer espécie de pessoa jurídica é uma reação retrógrada contra o espírito moderno e uma contradição flagrante com a pretensão, que tem o projeto de equiparar esta espécie pessoas às naturais.

Depois não se concebe como, sendo requisito essencial para a aquisição da personalidade Jurídica a autorização legal, possa ela ser adquirida por prescrição (art. 161), porque esta supõe a posse do estado; para possuir é preciso ao menos existir e é regra de direito que o que se não prova é como se não existisse: non esse et non aparere in jure idem est.

Acresce que neste livro sobre as “pessoas em geral” elas não são classificadas sob o ponto de vista da sua nacionalidade, lacuna tanto mais censurável quando a própria Constituição mandou completar suas disposições respetivas (arg. do § 6º do art. 69 e § 8º' do art. 71) por leis ordinárias.

LIVRO 2º

DAS COISAS EM GERAL

19. Neste livro começa o projeto definindo “bens todas as coisas que podem ser objeto de propriedade” (art. 177), definição que ou confunde a propriedade com o crédito, cuja distinção é tão elementar em direito como em economia política, ou exclui o crédito do número dos bens, o que seria ainda mais extravagante.

20. À 1º seção do cap. lº define os bens imóveis, excluindo deles o crédito real (até mesmo o territorial) a que só o art. 182 faz uma referência, e esta mesma errônea, por excesso de compreensão.

O cit. art. 182 diz: “São imóveis pela coisa a que se aplicam:

1º O domínio direto do senhorio e o domínio útil do enfiteuta sobre os bens enfitêuticos.

2º O direito de usufruto de imóveis;

3º As servidões;

4º Os direitos de cuja realização resulta a aquisição de imóveis.”

Da redação do n. 1º poder-se-ia inferir a contrário que o domínio pleno sobre imóveis não constitui direito imobiliário, o que seria absurdo; e da redação do 4º deduz-se logicamente que toda obrigação, em cujo pagamento o credor recebesse um imóvel devia ser considerada bem imóvel; o que é ainda mais absurdo.

Pode explicar-se a omissão do n. 1º admitindo que o autor considerou o domínio pleno compreendido no próprio imóvel; mas não se explica razoavelmente a do uso e da habitação (desde que ele só considera servidões as prediais) nem a de outros direitos imobiliários, a que ele próprio se refere adiante, como a herança (tit. 4º liv. 2º da P. Especial) e o arrendamento inscrito (art. 2.706 § 2º, comb. com o art. 2.741 n. 5), et., etc.

21. Não se explica tão bem a doutrina do n. 4º do cit. art. 182 senão por uma imitação infeliz do art. 526 do Código Napoleônico, ou da última parte do art. 47 da Consolidação das Leis Civis onde são consideradas imóveis pelo objeto a que se aplicam “as ações que tendem a reivindicar algum imóvel”, o que é verdade e funda-se na regra do frag. 15 do Dig. (50,17) mas não exprime o mesmo que: “Direitos de cuja realização resulta a aquisição de imóveis” porque todos os direitos creditórios podem chegar a este resultado .

Mas ainda não é tudo. O projeto considera entre os bens imóveis e imóveis por sua natureza as correntes de água, cuja mobilidade perpétua não admite posse nem sinal, nem, por consequência, apropriação, de ninguém, senão quando represada e em quanto represada, ou retirada do seu leito e estado naturais.

É por isso que os romanos consideravam-nas coisas comuns como o ar, a luz e o mar (Inst. 2 tit. 1º § 1º).

Melo Freire, o civilista português por excelência, ensina a mesma doutrina (Inst. L., 3 tit. 1º § 8º) e o próprio Coelho da Rocha, modelo preferido pelo autor do projeto, também a consagra implicitamente no seu § 76.

22. A seção 2ª do mesmo cap. define coerentemente com a 1º o que sejam bens móveis e o cap. 2º trata das cousas fungíveis ou não fungíveis, sem oferecer nada de notável.

O cap. 3º, porém, trata das coisas principais e acessórias, incluindo entre estas, como era de razão, os frutos; mas excluindo dentre as diversas espécies deles os industriais, não sabemos porque. Entre as coisas acessórias também foram incluídas as benfeitorias, cuja classificação foi feita de acordo com as ideias do frg. 79 do Dig, de Verbor. Signif (50,16).

O cap. 4º divide os bens, quanto as pessoas a que pertencem, em nacionais e particulares, subdividindo aqueles em bens da União, dos Estados, ou das Intendências, e cada uma destas espécies em bens de uso público ou patrimoniais; de modo que, segundo o projeto, os bens dos Estados e dos municípios também são nacionais, e não ha distinção jurídica entre as coisas de uso público e as de uso comum; duas novidades que nos parecem muito grandes.

O cap. 5º trata das coisas que estão no comércio ou fora dele, sem mencionar entre estas os direitos, que nas relações de família, podem competir à uma pessoa sobre os bens de outra, nem o território nacional em relação às outras nações; consideradas como pessoas jurídicas; o que nos parece uma lacuna fácil de ser suprida, mas nem por isso menos sensível.

LIVRO III

DOS ATOS JURÍDICOS EM GERAL

23. Da epígrafe deste livro pode inferir-se que o autor reduz toda a sua matéria aos atos jurídicos como faz Coelho da Rocha, e exclui dele todos os fatos jurídicos que, no entanto, são a sua matéria própria no sentir de Savigny, representante da chamada escola alemã e muito mais autorizado do que o preferido, na hipótese, pelo projeto para seu modelo.

Parece-nos que a boa doutrina distingue perfeitamente os simples fatos dos atos jurídicos e que, portanto, o livro 3º da parte geral do projeto devia compreender, na sua epígrafe, tanto uns como outros, sob pena de ser deficiente. Se porém, tivéssemos de optar entre os dois civilistas citados, preferiríamos sem hesitação o segundo, porque, em sentido genérico, os atos jurídicos, ao menos em relação aos terceiros (e o legislador é sempre um terceiro) podem ser considerados fatos jurídicos, ao passo que seria extravagante compreender, entre os atos jurídicos, fatos tão alheios à vontade do sujeito, como a morte natural do titular do direito, ou o perecimento casual do respetivo objeto.

Felizmente a deficiência da epígrafe, posto que influísse na redação confusa e as vezes contrária à ordem natural das matérias, foi em parte suprida pela noção implícita, que tinha o autor, da diferença entre fatos e atos jurídicos, como pôde ver-se comparando os arts. 3, 216, 289, 291, 389 e 390, além de vários outros, menos positivos.

24 . Nas disposições gerais do cap. 1º deste livro o projeto parece proscrever a teoria corrente da validade putativa dos atos ilícitos praticados de boa-fé (art. 219; ) distingue nos atos jurídicos os elementos essenciais, dos naturais e acidentais e, entre os primeiros só menciona a capacidade do agente depois do consentimento (art. 224) cuja validade depende dela, e cuja menção devia ocupar neste artigo segundo lugar, como ocupa no art. 643 do código civil português que parece ter-lhe servido de fonte, se esta não foi o art. 1.108 do código Napoleão que cometeu a mesma inversão.

Em seguida dispõe o art. 239 que “a nulidade de uma disposição do ato não traz a nulidade das outras” sem distinguir sequer o caso em que a disposição nula fosse essencial ao respetivo ato, e sem atender a que ainda quando tal regra fosse correta, deveria ser transferida para o cap. 4º, que trata das nulidades.

As disposições sobre o erro, a coação e o dolo não são escoimadas de lacunas, nem de dúvidas, e a que exclui dentre os objetos dos atos jurídicos as coisas que estão fora do comércio (art. 251) prova que ele reconhece não ser o casamento um contrato, apesar do argumento a contrario, que se pode deduzir da epígrafe do cap. 2º do tit. 2º do livro 8º da Parte Especial.

25. O cap. 2º trata dos efeitos dos atos jurídicos em relação aos terceiros, antes de tratar deles em relação às partes, matéria que o projeto desterrou para o cap. 6º, depois da teoria da interpretação, da nulidade e da prova dos atos jurídicos, e da qual ainda se ocupa na seção 4º do cap. 1º do tit. 2º do liv. 8º da Parte Especial.

O capítulo 5º, tratando das provas, comete outra inversão da ordem natural, regulando o juramento, mencionado entre os meios probatórios em 4º lugar, no 2º, logo depois da confissão, e reservando para depois os documentos e as testemunhas, mencionados em 2º e 3º.

Ainda sobre o juramento nota-se que admite o decisório sem limitação de quantia (art. 828) e em alguns casos também o supletório com a mesma amplitude (art. 334) coisa que nem no domínio dos reis fidelíssimos e da legislação mixti fori foi jamais admitida (Ord. liv. 8º tit. 52). Além disso o decisório é um meio seguro de vencer o adversário cristão, que observar o preceito dos vs. 33 a 37 do cap. 5º do Ev. de S. Matheus.

Resumindo, parece-nos que há muitas disposições infelizes em matéria de prova, como, por exemplo, a presunção de validade das obrigações escritas por uma pessoa em papel assignado em branco por outra (art. 359) e que melhor fora traçar as regras gerais e deixar as especiais ao código do processo, tanto mais quando uma parte deste compete, pela Constituição Federal, às legislaturas dos Estados.

26. Sob a epígrafe - Das obrigações que nascem dos atos jurídicos - trata o cap. 6º dos seus efeitos entre as próprias partes, das modalidades da obrigação (sem todavia discriminar as respectivas fontes), assim como dos modos de extingui-la.

Entre estes menciona o projeto a compensação cujo efeito se opera, segundo ele, de pleno direito (art. 558) o que nos não parece exato, nem se concilia com o art. 564 que admite a renúncia expressa ou tácita anterior ou posterior; renúncia que poderia, quando muito, importar, no segundo caso, nova obrigação, mas nunca ressuscitar uma já extinta pela compensação consumada por força da lei e independente da vontade dos credores recíprocos.

27. Nos três últimos capítulos deste livro trata o projeto “Dos direitos e obrigações em geral daquele que recebe ou detém a coisa alheia com obrigação de a entregar ao dono, ou a outrem; Da caução ou garantia da obrigação, e Da responsabilidade civil” e consagra sobre cada uma dessas matérias minuciosas disposições, nem sempre felizes, sobretudo quando se afasta do código civil português, onde parece que foram bebidas quase todas.

Assim no cap. 7° parecem-nos contraditórios os arts. 595 e 600, no 8º está incompleto o 636 e no 9º o art. 645 exclui o quase delito dentre as causas da obrigação civil ou está em contradição com o artigo seguinte. Além disso o n. 4, do próprio art. 655 repete o erro da redação, há muito tempo retificada, do § 49 do art. 10 do código criminal do Império, e o § 8º do mesmo artigo estabelece a presunção perigosa da casualidade do incêndio das casas. Finalmente este capítulo formula, para base do cálculo da reparação civil, regras ininteligíveis ou impraticáveis, como se vê do parágrafo único do art. 657 e dos arts. 670 a 672.

28. Do exposto vê-se que a parte geral, em seu conjunto e em cada uma das suas peças, não constituí um trabalho completo; parece antes uma coleção de apontamentos, como em princípio denominou o autor toda a obra, destinados a servirem de materiais a um trabalho mais refletido, que ainda não foi levado ao cabo.

Tal foi a impressão que ele deixou à comissão de 1881 e tal é a que ainda hoje deixa-nos, depois de treze anos de reflexão.

Nossa crítica à esta parte foi um pouco detida, porque ela domina todo o projeto, e por isso mesmo seremos mais lacônicos na seguinte, apesar da sua extensão consideravelmente maior.

PARTE ESPECIAL

LIVRO PRIMEIRO

Das pessoas em particular

29. Neste livro a autor admite efeitos civis do parentesco ilegítimo (art 691) apesar da regra contrária do art. 111. E não se diga que este artigo ressalva por exceção, alguns direitos; porque o impedimento de casar-se, longe de ser um direito, é exatamente a sua negação.

Na subseção 2ª da Sec. 1º do Cap. 1º do Tit. 1º deste livro trata-se conjuntamente do matrimônio e dos seus impedimentos, e parece admitir-se a legitimidade dos filhos putativos de pais nulamente casados, de boa-fé, mas anula-se esse favor, restringindo-o aos filhos naturais em espécie, a quem não era necessário (porque tinham o remédio comum do reconhecimento pelo art. 791) e fazendo depender a legitimação dos nascidos antes do casamento de um reconhecimento especial (art. 712).

30. Nesta mesma subseção firma-se a regra : que o casamento 86 se dissolve por nulidade ou pela morte de um dos cônjuges (art. 696) ; mas admite-se a nulidade por ausência de um deles (art. 710); o que é tão novo como inconciliável com a mencionada regra.

Aí também parece consagrar-se uma distinção entre castrados e impotentes para consumar e para procriar (arts. 697 e 701) a qual funda-se em escusado e obsoleto romanismo, ou não tem razão aparente.

O que, porém, excede aos limites do verosímil é dispor o art. 699 que a nulidade do casamento do louco só possa ser requerida por ele mesmo, quando recuperar a razão; de modo que não terá lugar quando a loucura for perpétua ou incurável e for por isso mesmo mais evidente e notória a nulidade do respetivo casamento. Debalde imagina-se um erro tipográfico para explicar aquele artigo; o antecedente mostra que ele exprime de modo cabal o pensamento do autor.

Além disso o art. 755 confirma-o indiretamente, proibindo a qualquer terceiro promover o divórcio por parte do cônjuge incapaz, bem que a sua mesma incapacidade possa constitui-lo vítima indefesa da malevolência e dos maus tratos do outro.

31. O Cap. 2º começa de uma disposição que parece dizer mais do que o autor queria ibi art. 774. “O marido é o pai do filho concebido durante o casamento, ainda que a mulher o negue ou que se prove o adultério.”

E si a mulher provar que ele é impotente ou que não teve coito com ela; ou si os dois concordarem em qualquer destes fatos?

Depois, como conciliar este rigor do citado artigo, contra o marido, com a faculdade que dá-lhe o art. 777 de impugnar em qualquer tempo dadas certas condições, a legitimidade do filho de sua mulher; - faculdade perigosa pela ilimitação do tempo e, de mais a mais, transmissível aos seus herdeiros?

Na sessão 4ª deste capitulo dispõe-se que o usufruto paterno está sujeito aos encargos dos respetivos bens (art. 826); mas acrescenta que o rendimento dos bens do filho, não sujeito aquele ônus, também está sujeito às despesas de sua educação sem acrescentar, como cumpria “- na deficiência do rendimento dos bens usufruídos pelo pai -” (art. 827).

Aí também se dispõe que o viúvo pai ou mãe; que goza desse usufruto, perca-o recasando-se (art. 830 § 2º) mas recupera-o se de novo enviuvar (art. 832); de modo que a segunda viuvez tem efeito retroativo, o que; em regra, nem à própria lei é permitido.

32. O título 2º trata das pessoas naturais, que estão em tutela ou curadoria, estabelecendo uma reforma infeliz na nossa tecnologia jurídica, isto é, chamando tutores aos representantes legais dos menores e interditos, e reservando o nome de curador para os representantes do pródigo, do nascituro, do ausente e da herança jacente.

Em seguida declara menores - as pessoas que não tiverem a idade de 21 anos completos “se antes não se tiverem emancipado” como se a emancipação, ato jurídico, pudesse confundir-se com a idade, fato natural, e fosse uma coisa o mesmo que a outra. Ele próprio reconhece a diferença e isto resulta da comparação do art. 859 com o art. 933.

33. Também aí se declara que nem a decrepitude, nem a invalidez perpétua, nem a embriaguez habitual dão motivo à interdição (art. 946) e que a loucura parcial apenas dá lugar a uma interdição correspondente (art. 947).

Quanto aos surdos-mudos, ainda que analfabetos, o projeto estabelece a presunção geral de capacidade (art. 972) e, ilidida esta, sujeita-os á uma interdição limitada pelo arbítrio do Juiz (arts. 978 a 974).

Há em tudo isso inovação do direito vigente sem razão plausível que a justifique.

Finalmente, tratando do ausente, e regulando a sua curadoria, não previne o caso de ter ele deixado procurador e de cessar, por qualquer motivo, o mandato deste.

LIVRO SEGUNDO

DAS COISAS EM PARTICULAR

34. Este livro tem quatro títulos, que se inscrevem: Da Propriedade; Da Posse; Da prescrição e da Sucessão, o primeiro dos quais começa tratando da propriedade, em geral, parecendo considerar a posse corno um dos direitos elementares (§ 1º do art. 10;0) daquele direito real por excelência (Marezoll § 86). Aí limita-se a inalienabilidade convencional a 30 anos, no máximo, acrescentando, porém, a restrição habitual as regras do projeto - salvos às exceções legais - (art 1046).

O capitulo 2º trata da copropriedade (ou compropriedade como está escrito), e da partilha; assim como da rescisão desta, fazendo-lhes extensivas as disposições correlatas da partilha entre herdeiros (art. 1076).

No capitulo 8º, tratando da acessão por edificação em terreno alheio, admite a possibilidade “dos materiais serem retirados sem prejuízo das construções” (art. 1088) e o art. 1100 dispõe que “Se um rio qualquer abandona o leito antigo e muda de direção, aos donos do terreno invadido pertence o alveo abandonado” imitação infeliz do art. 563, do Código de Napoleão e doutrina justamente reprovada pelo direito comum (I. L. 2 t. 1º § 23 e D. 41, 1 frg. 7 § 5); o que é muito mais prático sobre a matéria. E note-se que o art. 1102 manda aplicar o mesmo aos lagos e lagoas nos fatos análogos,

35. No capítulo 4º, tratando do usufruto, o projeto parece chamar proprietário ao titular deste “jus in re aliena” (art. 1118) e além de sujeitá-lo aos respectivos ônus e impostos (art. 1159) como é de razão, obriga-o a todas as reparações necessárias e ordinárias, considerando como tais as que não excederem de 5% do valor da coisa usufruída (art. 1154) ainda que o usufrutuário queira renunciar ao seu direito para evitar esses ônus, (art. 1155) o que é tão novo como difícil de sustentar-se.

O capitulo 5º equipara o uso e a habitação ao usufruto, na falta de declarações expressas no respectivo título (art. 1198) o que também é novo e não tem justificação; porque tanto a doutrina como o direito comum discriminam a extensão dessas três modalidades do direito real em coisa alheia, que não podem ser equiparadas.

O cap. 5º trata da servidão, que, segundo o projeto, só compreende as prediais, apesar da doutrina corrente e do direito comum (frags. 1º e 15 § 1º Dig. de Servitut. (8, 1); porque preferiu imitar o Código de Napoleão que, traduzindo a palavra servitus por services fonciers (art. 526) não podia aplica-la às servidões pessoais.11

Da mesma imitação, secundada pela ignorância das noções do direito clássico procedeu a celeuma da comissão dos jurisconsultos do Sr. Fernando Lobo contra a parte correspondente do nosso projeto.

O cap. 7º trata da ocupação que, segundo o autor, refere-se principalmente aos animais e compreende, antes de tudo, a caça e a pesca.

36. O tit. 2º trata da posse, como direito independente da propriedade, parecendo considera-lo pessoal e dando-lhe como efeito principal a presunção da propriedade (art. 1359).

Entretanto, tratando-se de imóveis, é um dos direitos que o marido não pôde alienar sem consentimento da mulher (art. 736) e a locação inscrita de cinco anos, segundo o art. 2215, ou de quatro segundo o § 5º do art. 2741, é considerada ônus real.

O autor parece na matéria um Savignista, mas nem sempre é fiel à escola; porque ora parece admitir a quase posse (art. 1358) ora parece repeli-la (art. 1364) e às vezes consagra num mesmo art. disposições inconciliáveis como as dos §§ 2º e 3º do art. 1377.

37 . O tit. 3º trata da prescrição, consagrando disposições tão novas como injustificáveis vg. - que a posse clandestina ou violenta começa a ser útil desde que cessa a violência ou a clandestinidade (art. 1398) o que é contrário à regra “quod ab initio vitiosum est” - do frg. 29 do Dig, do Reg. Jur, da qual resulta a transmissão do vício ao herdeiro (frgs. 59 e 120 Dig. Cit, e L. 11 Cod, 7, 32) consequência que o mesmo projeto consagrou expressamente no art. 1405.

O que o autor queria dizer, ou devia ter dito, na hipótese, é que aqueles vícios em relação aos terceiros era res inter alios, que não inibia o possuidor de má-fé de defender a posse contra eles, em virtude da outra regra do frg. 53 do Dig: 41,2 - Adversus extraneos vitiosa possessio prodesse solet.

Além disso não parece conciliável o art. 1378 com o art. 1402, nem se pode entender bem o que dispõe o art 1406 in fine.

38. O tit. 4º e último trata da sucessão, alterando profundamente a ordem atual da legítima, colocando o cônjuge sobrevivo acima de todos os colaterais e logo após os ascendentes (art. 1648) o que peca pelo excesso contrário ao do direito vigente; segundo o qual o cônjuge só exclue o fisco. Nem tanto, nem tão pouco: est modus in rebus.

Mantém, sem motivo plausível, a representação, constante e in infinitum na linha descendente; mesmo onde não há concurso de herdeiros de graus diferentes; porque na hipótese, não há uma razão de direito nem de moral que justifique a desigualdade dos quinhões dos netos e bisnetos que sucedam, no mesmo grau e pelo mesmo título, a um ascendente comum, com quer o art. 1476.

Apesar de inconsequente, é muito mais razoável o art. 1497, que manda distribuir in capita a sucessão do tio, entre os sobrinhos. Porque não admitir a mesma regra em favor da maioria dos descendentes?

Para favorecer os planos dos pais, que se casam para não ter filhos, ou não ter mais que um certo número, muito limitado? Seria mais do que injusto, imoral.

Dos filhos ilegítimos só os perfilhados, ou declarados judicialmente, são herdeiros do pai e da mãe (art. 1500) mas não dos parentes, quer paterno, quer maternos (art. 1506). Isto não se comenta, nem refuta no último quartel do século 19; expõe-se, e passa-se a diante.

39. Antes de passar ao livro seguinte convém ainda fazer notar, mesmo de passagem, algumas novidades do projeto.

Pelo art. 1507 a União nunca poderá suceder ao Intestado; o art. 1585 permite aos credores aceitar em nome do devedor a herança repudiada por este; o art. 1546 contém sobre o benefício de inventário uma disposição que devia ser importante, mas não pôde ser entendida; o art. 1556 remete para o Código do Processo as disposições sobre o inventário; os arts. 1556 e seguintes chamam cabeça de casal ao inventariante, quem quer que ele seja, e admite que a mesma sucessão possa ter dois cabeças de casal (art. 1558) ou mesmo três, no caso do art. 1564; o art. 1580 dá sobre o que seja questão de alta indagação uma indicação tão vaga, como inexata, e o art. 1615 manda reduzir “pro rata” as doações verificadas excessivas, na colação entre descendentes legitimários, sem atender as respetivas datas, o que constitui uma inovação, infeliz do direito atual; porque, ao menos em regra, não são as primeiras que excedem ao limite imposto pela lei ao doador.

Finalmente, este livro, que trata longamente da sucessão à qual se não referiu o livro correspondente da parte geral, remete o domínio direto e o útil, a anticrese e a hipoteca, que ali são mencionadas, bem como o penhor, para o livro seguinte, dos Atos Jurídicos em particular e embora reconheça que, às vezes, alguns destes direitos derivam diretamente da lei.

LIVRO III

DOS ATOS JURÍDICOS EM PARTICULAR

40. Este livro, destinado aos atos jurídicos em particular começa dos de última vontade, talvez porque entenda o autor que no seu projeto, do mesmo modo que no Evangelho, os últimos devem ser os primeiros. E, segundo ele, os atos de última vontade reduzem-se ao testamento, que pôde ser público, cerrado, particular, nuncupativo, militar ou marítimo; mas a identidade dos nomes das espécies vigentes não exclui divergências profundas entre o projeto e o direito atual.

Assim, por exemplo, o cerrado pode ser escrito e aprovado em língua estrangeira (arts. 1694 e 1701) e não lhe basta para valer a aprovação do oficial público; deve ser cosido e rotulado pelo mesmo oficial ou pelo próprio testador a todo o tempo (arts. 1701 e segs.) o que é quase inexplicável, como solenidade indispensável à validade do ato.

O projeto mantém a herança necessária (c. 5º) restringido ainda mais o direito de deserdar (c. 12); mantém o fideicomisso, mesmo de 2º grau em alguns casos, e trata das substituições dos herdeiros (cap. 9º) antes da instituição dos mesmos (cap. 10) o que só se poderia explicar por um descuido casual, se não fosse reproduzido em todas as edições que conhecemos do projeto.

41. O tit. 2º trata dos contratos em geral (cap. 1º,) da sua divisão e do consentimento das partes (cuja matéria podia ter sido esgotada no capitulo 1º do liv. 8º da Parte Geral) assim como do objeto, que “deve ter um valor exigível” disposição surgida provavelmente pelo § 2° do art. 671 do Cod. civ. port., que todavia é bem diversa e muito mais razoável.

Aí se dispõe que o contrato pode ter por fim alienar coisa de terceiro, contra a vontade do dono, sem que por isto deixe de valer (arts. 1947 e 1948): caso novo de expropriação forçada, sem utilidade pública aparente, e de revogação da velha máxima de direito: Quod nostrum est sine fato nostro ad alium tramferri non potest (frg. 11 Dig. de Reg, Jur, 60, 17.)

A isto seguem-se as disposições sobre os efeitos do contrato entre os contraentes (matéria que tão bem podia ter sido esgotada no 8º livro da Parte Geral) sobre a cláusula penal a garantia dos contratos e a evicção.

Finalmente trata o projeto dos vícios redibitórios e da cessão de direitos, como razão de ordem ou ponto de transição aos contratos matrimoniais, cuja ligação, entretanto, não nos parece muito perceptível.

42. O capítulo 20 trata dos contratos matrimoniais, relativamente aos bens, de onde se infere a contrário que também os há relativamente às pessoas, o que não é exato, nem o autor afirmou no livro 1º desta parte, nem se conciliaria com as disposições do projeto, segundo as quais o objeto dos contratos só pode ser coisa do comércio (art. 251) e coisa que tenha, na sua linguagem, um valor exigível (art. 1.945).

Aí se estabelece, como regra, a comunhão universal (arts. 2046, 2050 e 2058) na qual se compreendem todas as dívidas não excetuadas no art. 2062, e por consequência também as de jogo (arg. Do § 3º do cit. art.) o que sobre ser injustificável é muito perigoso, principalmente nesta atmosfera aleatória, em que há mais de cinco anos estamos vivendo.

Neste mesmo capítulo também se estabelece como facultativo, o regime da separação de bens, que para o projeto é o da comunhão restrita aos adquiridos depois do casamento (art. 2077); o que não violenta menos os princípios correntes, sobre a matéria, do que a própria gramatica, perante a qual não pode haver equivalência entre separação e comunhão, quaisquer que sejam as modalidades desta.

43. Aí se dispõe, tratando do dote, que ele pode ser perdido por prescrição (art. 2.115) o que constitui uma excepção odiosa e injustificável às regras gerais do projeto; porque, sendo o dote inalienável art. 2.108) e estando como tal fora do comércio (art. 212) devia ipso fato estar isento da prescrição (art. 1.389).

Aí tão bem se dispõe que o dote pode ser alienado para pagar as dívidas da mulher, anteriores ao casamento (§ 4. do art. 2.108) sem distinguir, como cumpria, o dote feito por ela mesma, em fraude dos credores, do constituído pelo próprio marido ou por qualquer outro terceiro, por ocasião do respectivo casamento.

Finalmente dispõe o projeto que a administração dos bens dotais pertença ao marido, “se outra coisa não tiver sido convencionada” - restrição que destoa tanto do direito comum como da própria natureza e do fim do dote, e dificilmente se concilia com a faculdade conferida, logo adiante, ao marido administrador do dote para “alienar livremente os bens móveis dotais, ainda que haja convenção em contrario” (arts. 2.103 e 2.105.)

44. O capitulo 4º trata da troca, definindo-a de modo que dela exclui expressamente a de dinheiro de uma espécie pelo de outra (art. 2.187) apesar da sua frequência habitual e da sua prática diária por todo mundo, desde o proletário até ao mais rico.

O capítulo 5º trata da locação, chamando arrendamento a de bem imóvel e aluguel a dos móveis (art. 2.194).

É uma imitação infeliz do art. 1.596 ao código civil português e contrária não só a tecnologia corrente das Ords. (L. 4, tit. 23) como à linguagem vulgar, que continua a chamar aluguel de casa como chama aluguel de móveis; muito embora distinga perfeitamente o rendeiro do inquilino e das outras espécies de locatários.

Neste capítulo são declarados aplicáveis à locação dos móveis as do arrendamento, “no que o possam ser” (art. 2.220) e sobre a empreitada consagra-se uma disposição iníqua, para não dizer absurda, - a do art. 2.267.

45. Para não alongar demais este trabalho vamos resumir nossas observações críticas sobre os capítulos restantes.

O cap. 6º trata com excessivo laconismo da sociedade, e o 7º da parceria agrícola como distinta dela e da locação, apesar da legislação vigente considerá-la uma modalidade da segunda.

O cap. 8º trata do mandato, definindo-o de modo a distingui-lo, ainda quando retribuído, da locação de serviços; preocupação que é constante nos que exercem as profissões chamadas liberais, sobretudo nos juristas, e que explica talvez a crítica mal definida dos jurisconsultos do Sr. Fernando Lobo ao art. 1.063 do nosso projeto.

A seção 4º deste mesmo cap. trata da gestão de negócios “quasi contrato geralmente gratuito” separando-o da doação (tipo do contrato gratuito) pelo cap. 9, onde se trata do contrato de renda, regularmente oneroso e bilateral, e pelo cap. 10 onde se trata do enfiteuse, que em regra também 6 oneroso e pode também ser constituído por testamento (art. 2.471).

Neste último cap. não se trata de subenfiteuse, acaba-se com o laudêmio (para o futuro provavelmente) e equipara-se a enfiteuse por tempo limitado ao arrendamento (art. 2.470) sem prevenir o caso do prazo exceder ao limite do art. 2.207 ou ser inerente à vida do titular.

O cap. 11. regula com excessiva sobriedade a doação, e nem por isso deixou de confundir o domínio resolúvel com o usufruto (art. 2.501) e de infringir no art. 2.510 a velha regra do direito (nemo liberalis , nisi liberatus (frgs. 54-D. 24, 3 e 28 D. 50, 17).

O cap. 12. trata do depósito, cuja indicação emprega as expressões “coisa idêntica” em vez da “mesma coisa” que parecem equivalentes na intenção do autor, mas, podem induzir o leitor em erro (art. 2.512).

O Cap. 13. trata do empréstimo, compreendendo nele o comodato e o mútuo, e o cap. 14 trata do empréstimo a juro, proibindo o anatocismo (art. 2.555) previamente convencionado.

O cap. 15. trata dos contratos aleatórios, reduzindo seu objeto aos eventos futuros (art. 2.562) e todavia, também podem sê-lo os presentes e passados, sob a condição única de serem incertos no momento do contrato, para as respetivas partes.

O cap. 16. trata da transação, definindo-a tão longa - como confusamente (art. 2.569) e o cap. 17 da fiança, equiparando a obrigação do fiador à do devedor solidário (art. 2 587) o que em regra, não é exato e está em contradição flagrante com o art. 2.579.

O cap. 18. trata do penhor, cuja indicação supõe algum fato ou ato anterior, a que o art. 2.605 alude sem precisar, e cujo direito de sequela foi suprimido pelo art. 2.610, apesar de ser um dos caraterísticos deste jus in re aliena. Inst, 4 t. 6 § 7º.

O cap. 19. trata da anticrese como somente sendo possível a respeito dos bens imóveis (art. 2.617) entretanto nada impede que os móveis, que dão rendimento ou prestam serviço, possam constituir objetos deste contrato L. 2 Cod. de Pagnerat. Act. (4,24).

46. O cap. 20. e último deste livro inscreve-se. - Dos privilégios e Hipotecas - exatamente como - o último título do Código de Napoleão e trata não só dos primeiros como das segundas e dos outros ônus reais, do seu registro, inscrição, cancelamento etc. sobre o que limitou-se quase a consolidar a lei de 24 de setembro de 1864 e seu regulamento, apesar de já estarem ambos muito alterados e de terem sido, mesmo em seu tempo, insuficientes para fundar o crédito real, sobre o qual todavia, ainda são menos atrasados do que o projeto.

Para este a hipoteca é quase reduzida pela indicação do art. 2646 a um título de preferência sem sequela e, se não ousa negar-lhe esta, positivamente, sobre o imóvel mesmo, anula-a quanto aos acessórios, pela posse de qualquer terceiro, ainda que furtiva ou violenta (arg. do art. 2651).

Além disso, salvo o caso de constituição da hipoteca por testamento “O código só reconhece a hipoteca convencional constituída pelo devedor de uma obrigação e pela forma no mesmo declarada” segundo o art. 2662 do projeto, o que basta para mostrar – pleonasticamente - quanto são acanhadas as tímidas as ideias do autor sobre o crédito real.

E não é tudo; é mesmo muito menos do que se poderia dizer sobre os defeitos e lacunas do projeto Felício, mas deve parecer bastante para dar uma ideia geral da inconveniência e do perigo de adotá-lo como base de um código civil, nesta última década do século XIX.

47. É' inútil procurar nele uma indicação, ainda que vaga, da sua matéria própria, pois não se pode tomar como tal o art. 17, ou uma noção precisa sobre a classificação das pessoas, das coisas, dos atos e fatos jurídicos, e dos efeitos de uns ou de outros.

O conteúdo dos três livros da parte especial não foi bem compreendido nem bem discriminado. Sem falar do primeiro, cuja matéria é em geral tratada, como faz o autor, promiscuamente, e sem distinguir-se o direito de família puro do aplicado, os próprios direitos reais foram em parte desclassificados e remetidos para o meio das obrigações, cujas espécies próprias são naturalmente mais variadas e numerosas, e cujas nuanças são por isto mesmo tão frequentes, como complicadas.

Não admira, pois, que nesse trabalho brilhem pela ausência as disposições especiais sobre o homestead, o crédito real, os títulos hipotecários, e o cadastro, ou sobre os domésticos - que são o prolongamento natural da família, ou sobre o direito dos operários se fazerem representar em pé de igualdade com os patrões na decisão das suas multiformes e cada vez mais numerosas questões.

E, todavia, isto parece um meio já experimentado e fácil de encaminhar a solução da terrível questão social, cuja última palavra não pôde ser dada pela cabeça nem pela justiça, mas pelo coração e pela caridade, como bem o tem compreendido o atual chefe do Catolicismo. Pena é que a sua intuição, se assim se pode chamar a uma sugestão do Evangelho, não tivesse sido antecipada pelos seus predecessores, ao menos, meio século, ao tempo em que o clero tinha mais autoridade e o povo ainda exuberava de fé em Deus e esperança no futuro.

CAPITULO III

DA FORMA DO PROJETO

48. A forma do projeto nos não parece melhor do que o fundo; pelo contrário a redação é em geral tão descuidada, que só em apontamentos destinados ao uso particular do autor poderia ter desculpa.

A cada passo encontram-se nele neologismos escusados, como v,g,: comuneiro (art. 1249); compropriedade (cap. 2º, L 2º, parte especial); comandatário (art. 2406); todo outro (art. 1484) etc, etc.

As vezes o autor usa da mesma palavra para exprimir ideias diversas, como do advérbio sucessivamente no art. 2000, onde é empregado a segunda vez como sinônimo de regressivamente, que, na realidade, exprime a ideia contrária.

Outras vezes usa de palavras diferentes para exprimir a mesma ideia, como alheador e alienador nos arts. 1987 e 1989, ou como “ocupar, segurar, achar e apanhar” nos arts. 1330 e seguintes; outras vezes finalmente emprega uma palavra por outra, que lhe não é equivalente, como domicílio, em vez de foro nos arts. 142 e 146; Quantitativo, em vez de quantia nos arts. 330 e seguintes12; cabeça de casal, em vez de inventariante, nos arts. 1666 e seguintes; próprio em vez de direto ou principal, no art. 1664, etc.

E não se pode explicar isso pelo desejo de evitar repetições, que prejudicam a elegância do texto; porque nada preocupa menos o autor. Logo no princípio do trabalho a palavra lei é seis vezes repetida no art. 8º, que só tem seis linhas, inclusive os claros, e quatro vezes no seguinte que só tem três linhas.

49. A cacofonia parece não ferir-lhe o ouvido, nem mesmo onde outra disposição dos termos, ou outra palavra exprimiria melhor o pensamento, como se vê nos arts. 470, 935 § lº, 979, 1213, 1323, 1788, 2010 § 2º, 2541, 2578, 2651, 2726, etc., onde os hiatos: só não, só vale, só que seja, a não, o não, etc., se encontram a cada passo, e isto sem falar de outros, ou necessários ou toleráveis, como a “hipoteca constituída ou convencional, é quando; mesmo quando,” etc, etc.

As vezes encontram-se aqui e ali locuções tão descuidadas, expressões tão vulgares, arcaicas ou bárbaras, que se não deviam encontrar em trabalhos desta ordem. Entre outras podem ser notadas como exemplos das primeiras as seguintes: só que seja (art. 935), se saiba parte (art. 995) nem que procedam (art. 1499), nem sequer (art. 1538), cujos forem (art. 1568) se haverá (art. 1656 pr.), o verá sem o ler (art. 1697) locatário que despede o locador, (art. 2237) um só que queira (art. 2490).

Como exemplos das segundas podem ser vistas as seguintes: por vida, em vez de durante a vida (art. 1116), todo outro (art. 1484), instituição de legados (art. 1684) caducidade de encargo (art. 1794), colação entre cônjuges (art. 2072), etc, etc.

50. As vezes a redação afronta a própria gramática e em pontos tão salientes que admira como puderam escapar ao autor, a começar da epígrafe do título preliminar, onde a proposição de, com o artigo feminino singular, está regendo o substantivo masculino e plural efeitos, ou do art. 1º onde nem todos os verbos falam a linguagem própria, e continuando pelo art. 5º, onde a proposição com está substituindo indevidamente a preposição por.

Exemplos semelhantes ou análogos podem ser encontrados por todo o corpo do projeto e principalmente nos arts. 80, 145, 166 n. 2, 320, 454 n. 2., 1115, 1202 § 3º, 1484, 1499, 1548, 1636, 1638, 1654, 1684, 1728 § 7º, 1740, 1794, 1864, 1970, 1973, 2000, 2016, 2038, 2264, 2383, 2397, 2503, 2687, 2694, 2764 e 2762 pr., sem falar de muitos outros, cujos defeitos de redação parecem explicáveis por erros tipográficos v. g, os arts. 1809, 2473, 2500, etc.

Outras vezes a gramática é respeitada, mas o pensamento é obscurecido por hiperbatons escusados ou por perissologia ou pelo vício contrário v.g. nos arts. 6º, 45, 106, 226, 228, 252 § 3º, 264, 301 §§ 2º e 3º, 320, 328, 331, 332, 339, 415, 423, 478, 630, 640, 655, n. 4, 735, 795, 807, 859, 888 § 2º, 935 parágrafo único, 939, 995 e mais um cento deles nas mesmas condições.

Aa vezes, finalmente o texto não incorre nas censuras que acabamos de fazer, mas repete literal ou quase literalmente outro, que o dispensava, como se pode verificar comparando o art 1677 com o 1827; o 1847 com o 1850; o 1813 com o 1814, o 1863 com o 1868, a 1988 com o 1992,o 2733 com o 2749, etc. etc.

Não ligamos grande importância a esses defeitos de pura redação, os mais fáceis de corrigir num trabalho desta espécie, nem nos daríamos a pena de mencioná-los, si o presidente da comissão do ano passado não houvesse esgotado a sua capacidade a procurar defeitos semelhantes no nosso projeto, e quase todos imaginários ou tipográficos, tais como os arguidos ao art. 18 do projeto Preliminar, e aos arts. 147, 169, 1533, 2116 e não sabemos se alguns mais do projeto do Código.

51. Como trabalho articulado não está menos defeituoso o projeto. Seus artigos são ora congestos, contendo matérias suficientes para dois ou mesmo três, como v. g., os arts. 145, 257, 358, 368, 1082, 1088, 1575, 2296, 2430, etc., ora, a matéria, apenas bastante para um simples artigo, ou para um artigo com um ou dois §§, atenta a sua conexão, é distribuída por dois, três, ou quarto artigos, como v.g. nos arts. 271 e segs. 1579, e segs. 1568 e segs. 1597 e segs. 2282 e 2283, 2328 e 2331, 2355 e 2356, 2359 e 2360, 2412 e 2414 etc. etc.

Ocorre ainda que, sem falar das contradições, entre artigos diversos, mais ou menos separados, as quais, posto que numerosas13, não poderiam entrar nesta parte das nossas observações; alguns há que são contraditórios consigo mesmos, como por exemplo o art. 499 com o seu parágrafo, os §§ 2º e 3º do art. 1377, etc.

Ainda mais: algumas vezes o autor faz num artigo referência a outro cujo numero não cita, v.g. nos arts. 1431 e 1492; outras vezes faz a citação positivamente errada, como por exemplo nos arts. 776, 782, 1510 § 2°, 1542, 1543, 1546, 1551, 1870, 2023, 2050, 2227, 2326, 2374, 2450, 2476 e 2762, além de outros, que porventura nos tenham escapado.

Este defeito, que veio agravar ainda mais o da falta de índice, posto que muito grande, para quem quer examinar o trabalho, tem a nosso ver, uma explicação honesta. A edição de 1891, que temos avista, contém mais 70 artigos do que tinha a de 1881. Naturalmente os artigos acrescidos foram intercalados em diversos pontos, por ocasião das edições intermédias, e a retificação das referências, feitas primitivamente na primeira, foi-se tornando mais difícil do meio para o fim do projeto, onde são de fato mais numerosas as inexatidões notadas.

Com esta advertência final, feita para ressalvar a boa-fé do autor, vamos fechar estas observações, reservando o mais que poderíamos acrescentar-lhes para as orais, que de boa mente ofereceremos à comissão, se ela não ficar satisfeita com as escritas.

CONCLUSÃO

Vou concluir, portanto, do mesmo modo que o parecer da comissão nomeada em 1881 para examinar o mesmo trabalho de que me tenho ocupado. Isto é, que ainda hoje, depois de treze anos de retoques, ele não pode ser aceito como base do nosso futuro código civil, apesar das suas diversas edições, do seu longo comentário e dos seus setenta novos artigos, que vieram, como fiz ver, aumentar-lhe a confusão e dificultar o exame.

Daquela comissão, em que servi como secretário, faziam parte o falecido conselheiro Ribas e os ilustres vivos conselheiros Lafayete, Ferreira Viana e Justino de Andrade, o último dos quais foi escolhido para redigir o parecer, não só pela sua notória competência na matéria, como pela sua confessada boa vontade ao autor, cujo bem entendido amor próprio todos desejávamos poupar.

Pela parte, que me toca, nunca lhe neguei merecimento, nem mesmo rebatendo os excessos dos seus amigos, mais zelosos do que justos, e sempre me pareceu insensato deprimir a pessoa do competidor em certames desta espécie, porque

“Na empresa grande até a queda é nobre.”

Capital Federal, 24 de setembro de 1894.

A. Coelho Rodrigues



1 Esta nomeação, estava feita pelo aviso de 4 de julho, cuja integra publicada no Diário Oficial era dirigida ao Conselheiro Lafayte, mas, apesar disto, levantou-se na comissão a ideia de elegermos presidente o Conselheiro Ribas, mestre de quase todos nós e membro da comissão que, em 1863; fora nomeada para rever o projeto Teixeira de Freitas

 Esta questão ia semeando a discórdia na comissão, quando o Conselheiro Lafayete, prevenido particularmente, a resolveu ou evitou propondo, na sessão seguinte, a escolha do relator, que devia ser ao mesmo tempo o presidente, e assignando no penúltimo lugar o parecer. Daí os termos explicites deste Aviso. A ideia da nomeação do autor dos Apontamentos para a nova comissão foi sugerida por um membro da primeira ao Ministro, que a fez com muito receio das consequências, que teve, que ele previu e para evitar as quais, mandou redigir a sua resolução em termos, que excluíssem o pressuposto de ser tomado como base da Comissão o projeto Felício 

2Conselheiro Silva Matra, ministro da justiça do Gabinete de 21 de janeiro 

3 A parte que me foi distribuída era a seguinte: “Direitos e deveres recíprocos dos cônjuges, entre si a em relação aos bens. Regime do Casamento.” 

4 A prevenção contra o Conselheiro Lafaytte era infundada, mas estes últimos motivos eram graves e verdadeiros. O Governo mandou chamar-nos, não só por avisos como por telegramas, e nem sequer mandou dar-nos ajuda de custo. Eu, que tive uma carta do ministro, pedindo pressa e avisando-me de que o trabalho podia durar longo tempo e nunca menos de um ano, e que, por isso, fechei meu escritório, desmontei minha casa em Pernambuco, e fui forçado a montar aqui outra às carreiras, por trazer doente uma pessoa da família, posso repetir com Virgilio: 

 Non ignarus mali... 

  Depois de feitos esses sacrifícios fui solicitar a minha ajuda de custo ao Ministro, que consolou-me da sua parcimônia dizendo-me que a verba estava a arrebentar e mandando pagar -me 600$000, que recusei; porque como indenização era ridícula e como esmola, mercê de Deus, eu não precisava. E note-se esse ministro era o Conselheiro Manoel Plinio de Souza Dantas, que, apesar de meu adversário político deu-me reiteradas provas de afeição particular e era acusado de pródigo! Nesse ponto, portanto, eu creio que o Dr. Felício dos Santos teve toda razão nas suas queixas. 

5À esta censura, feita em aparte, ele respondeu imediatamente e sem refletir, que só trocara o seu nome pelo título, quando viu que o primeiro já tinha um portador capaz de eleva-lo mais do que ele próprio poderia fazê-lo, referindo-se, com justificado desvanecimento, à homenagem ao seu digno filho, Dr. Afonso Celso. 

6 O estudo desta parte é muito difícil pela supressão do índice na última edição, talvez porque não chegou a ser posto na devida ordem.

7 A numeração das citações refere-se à edição de 1891.

8 Se não foi incluída entre os fâmulos e mais pessoas dependentes do chefe da família, conforme o art. 92.

9No capítulo seguinte voltaremos ao assunto.

10 Gaio Comment. 1- § 110.

11 Nos Dicionários franceses – servitude - significa escravidão, dependência e encargos, obrigação etc. (Larousse)

12 Aqui o autor imitou provavelmente o código português, mas sem razão.

13Com efeito, entre outros, parecem difíceis de conciliar-se os arts. 19 com os 32 e33, o 37 com o 40, o 111 com o § 1º do 691, o 182 com 736, o 392 com a sua epígrafe, o 459 com o seu parágrafo, o 696 com o 710, 935 com o 957, o 1202 com 1210, o 1367 com o 1381, o § 2º com o 3º do art. 1377, o art. 1373 com os 1401 e 1402, o 1787 com o 1817, o 2215 com o 2741 n. 5; o 2546 com o seu n. 1, e o 2662 como 2731 § 3º.