quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Sobre o projeto de José Thomaz Nabuco de Araújo Filho e de Augusto Teixeira de Freitas - por Antônio Coelho Rodrigues




Notícia sobre os outros projetos:

Para completar a notícia histórica dos outros projetos do Código Civil Brasileiro, julguei bastante dar aos meus leitores as informações que, em 1878, transmitiu o Sr. Dr. Sizenando Nabuco, dando conta dos trabalhos de seu pai, ao Sr. Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira, então ministro da Justiça, que anexou-os ao seu relatório daquele ano.

Elas foram requisitadas, em 1882, ao Governo pela Câmara dos Deputados, que mandou a secretaria inseri-los numa publicação avulsa do mesmo ano sobre o Código Civil, impressa na Typographia Nacional sob as vistas do ilustre ex-diretor daquela repartição, o atual Sr. Barão de Javary.

Foi dessa publicação que as extrai


RESPOSTA DO MINISTRO À REQUISIÇÃO DA CAMARA!


2ª Seção— Rio de Janeiro. Ministério dos Negócios do Justiça, 31 de março de 1882— llm. Exmo. Sr. — Satisfazendo ao que requisitou a Câmara dos Srs. Deputados em ofício n. 132, de 21 deste mês, declaro a V. Ex. para o fazer constar a mesma Câmara, que os trabalhos relativos ao código civil contratado com o finado conselheiro José Thomaz Nabuco de Araújo, e entregues pelo filho daquele finado, o bacharel Sizenando Nabuco de Araújo, com o ofício constante da cópia junta, são os que constam do relatório, também junto, apresentado por este ministério ao corpo legislativo no ano de 1878.

—Deus guarde a V. Ex.— Manoel da Silva Mafra.- A S . Ex. o Sr. Secretario da Câmara dos Srs. Deputados.

INFORMAÇÕES


Cópia— Corte, 15 de Maio de 1878.— llm. Ex. Sr.— Encarregado por minha mãe e irmãos de examinar os manuscritos deixados por meu pai, tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex. que o projeto do código civil por ele contratado com o Governo Imperial não se acha concluído. — Entre aqueles papéis, há dois livros definitivamente redigidos contendo todas as disposições acerca da publicação, efeito e aplicação das leis do Império e a parte geral do código: o mais consta de notas, apontamentos, projetos especiais de Lei, que somente com tempo e trabalho poderão ser reunidos sistematicamente pondo-me eu para esse fim à disposição do Governo Imperial. — Quando V. Ex. tiver em seu poder essa parte definitivamente redigida, poderá avaliar o plano, modo de execução, o método de trabalho adotado por meu pai. — Permita-me porém, V. Ex. desde já antecipar a exposição dos motivos pelos quais a obra não se acha concluída, e recordar a parte que teve meu pai na tentativa de organização do código civil.

(O Sr. Teixeira de Freitas)


Em 1858 foi ele o ministro que assinou o primeiro decreto providenciando para o cumprimento da promessa da Constituição que o país teria quanto antes um código civil.

Por esse decreto Sua Majestade e Imperador autorizava o ministro da justiça a contratar o respectivo projeto com um jurisconsulto da sua escolha. — Recaindo esta no Sr. A. Teixeira de Freitas, o país viu que não se tinha só decretado a obra, mas também achado o homem.

Meu pai já no seu primeiro ministério reconhecera a aptidão jurídica do Sr. Teixeira de Freitas e contratara com ele a Consolidação das Leis Civis. — Uma vez reconhecida essa obra, não devia outrem ser o autor do código. — Não só pelos conhecimentos tanto da nossa legislação que ele consolidou, como dos melhoramentos que esta exige e que lhe eram sugeridos por sua extensa prática no foro; não só por sua memória, verdadeiro repertório de jurisprudência, pelas suas largas vistas de agrupamento e classificação, era o Sr. Teixeira de Freitas, como foi chamado por meu pai no senado, o máximo dos nossos jurisconsultos; mas ainda melhor do que ninguém podia ele criar um código, porque tinha, com a ciência, a inspiração do direito. — Preparado todavia dessa forma, nunca pôde ele terminar o Esboço, nem começar o projeto do Código Civil.

V. Exa. relevar-me-á dizer porque, visto interessarem as menores particularidades da nossa codificação a memória de meu pai, como jurisconsulto e cidadão. O Sr. Teixeira de Freitas obrigara-se a apresentar dentro de três anos, isto é, de 1859 a 1862, um projeto do código civil, segundo a divisão da Consolidação, a qual ele podia modificar, aumentando os dois livros originários de um terceiro, destinado às sucessões, concurso de credores e prescrições.

Tanto o plano como a modificação foram indicados pelo autor e aceitos pelo ministro, bem assim o prazo.

O prazo era evidentemente curto, mas o Sr. Teixeira de Freitas devia tê-lo julgado suficiente, tendo feito inserir no contrato uma cláusula que prevenia, em seu benefício, o caso de acabar ele o projeto antes do tempo marcado. O plano que ele seguiu foi esboçar primeiro o código todo, para tirar depois do esboço o projeto de lei. É ele mesmo que o diz ao Governo Imperial: “Jamais passou pela intenção do autor, nem é do seu carácter, dar por projeto de código civil o que ele só compusera como ensaio e lealmente publicara sob o título de — Esboço”. Esse esboço, de 1859, data em que o Sr. Teixeira de Freitas contratou o projeto do código, até hoje, é tudo que ele apresentou ao Governo Imperial, que desde o princípio aceitou-o, e somente pedindo ao autor que entregasse o resto dos manuscritos para ser-lhe pago o prêmio prometido.

O Sr. Teixeira de Freitas, porém, quase no fim da obra, quando cerca de 5.000 artigos achavam-se já impressos, só lhe faltando os artigos da hipoteca, anticrese e penhor, matérias para ele familiares, e o terceiro livro, achou-se na impossibilidade moral de conclui-la. — A carta, pela qual ele comunicou ao Governo Imperial a resolução a que chegara, de abandonar a empresa, é tão expressiva do estado do seu espírito naquele tempo, que, não por V. Ex., mas por outros que ignoram a aspereza de semelhantes trabalhos, peço licença para transcrevê-la: “Ilmo. e Exmo. Sr. — Tenho resolvido abrir mão aos trabalhos do projeto do código civil, que me foram encarregados pelo Governo Imperial. — Em um pais onde almas nobres não acham estimulo para abnegações, não posso por mais tempo resistir ao meu desalento. — Não devo pela pura e simples expectativa de uma tênue recompensa pecuniária, avultadíssima para muitos; e essa mesma, senão incerta, infalivelmente sujeita à dependências e humilhações, completar a ruína de minha saúde, nem sacrificar uma diminuta fortuna só adquirida pelo trabalho.

Correm já publicados 3.702 artigos; estão impressos na typographia de Laemraert 1.314 artigos, e, portanto, aí temos prontos, 5.016 artigos, 2.000 mais do que, excetuando o código da Prússia, contém os códigos conhecidos. — Em manuscrito acham-se em meu poder quase limpos 200 e tantos artigos sobre hipoteca, anticrese e penhor, que encerram o penúltimo folheto dos direitos reais, e carecendo ainda de aperfeiçoamento todo o restante do projeto, matéria do último folheto, contendo a legislação sobre heranças, concurso de credores e prescrição, como poderá V. Ex. verificar pela tábua sintética que seu digno antecessor, o conselheiro Nabuco, mandou imprimir ….. Entendendo-se que o trabalho feito nada vai, ou não compensa as mensalidades que recebi nos três primeiros anos de meu contrato, reconheço desde já a obrigação de restitui-las ou qualquer diferença, e para cumpri-la aí está o resto dos, digo, está á disposição do Governo, o resto dos bens que possuo.” — Havia quatro anos que o Sr. Teixeira de Freitas trabalhava sem auxílio algum, consumindo fortuna, saúde, interesses de toda a ordem, na pura pesquisa do direito, sem que o seu trabalho despertasse o menor interesse, e provavelmente a esse meio indiferente que ele se refere falando do seu desalento. — O Sr. conselheiro Martim Francisco compreendeu, estou certo, a natureza dos motivos puramente intelectuais que reduziam o ilustre jurisconsulto a ceder às causas externas, que o deprimiam. — O aviso em resposta foi conciliador e respeitoso. — O Governo Imperial, invocando a fé do contrato, pedia ao autor do código que não deixasse “arrefecer o zelo com que tão eficazmente contribuiu para o bem comum da pátria”. — O Sr. Teixeira de Freitas tentou talvez conformar-se ao desejo do Governo, tão benevolamente expresso, e durante um ano não voltou a renovar as suas queixas; mas, por fim, a independência do seu espírito quebrou as últimas péas do contrato, e ele tomou uma atitude nova, resolvendo-se a abrir todo o seu pensamento.

Quem não leu a carta, que, em 20 de setembro de 1867, o Sr. Teixeira de Freitas escreveu ao mesmo digno antecessor de V. Ex., não pode ter uma ideia verdadeira dos obstáculos que a codificação das nossas leis parece condenada a encontrar. O autor justificava-se de não poder concluir a sua obra conforme a começara, e propunha refaze-la toda, alargando-a. O plano da consolidação tinha sido seu; a modificação, proposta sua; porque não admitiriam o seu novo plano? “Se engendrei tudo isso, dizia ele, se alterei as minhas primeiras ideias, porque não poderei mais uma vez altera-las, ou antes, requinta-las, no meu ardente amor pela conquista da verdade jurídica? Se o Governo Imperial tem aceitado todo esse lidar de pensamentos; se continua a confiar no operário; se não o prende iniciativa alguma do corpo legislativo: o que pode agora impedir o acolhimento de modificações novas em crescente proveito da mais acertada execução da empresa?

O que ele não podia era acabar uma obra que lhe parecia defeituosa: “há desarmonia profunda, são suas palavras, entre o meu pensamento atual sobre tais assuntos e as vistas do Governo Imperial”; as suas faculdades todas negaram-se a fazer menos ou pior do que podiam. Suas ideias tinham-se desenvolvido; seu espírito subira, abrangendo outro horizonte, ele Julgava compreender a unidade do direito e era-lhe impossível mentir ao seu gênio, dar como resultado definitivo dos seus esforços uma obra além da qual ele tinha-se adiantado muito, e que não correspondia ao seu pensamento atual. Não creio que em toda a história das ideias haja sinceridade maior, nem resistência tão grande oposta pela aspiração à necessidade, para manter o pensamento livre e a verdade intacta. Não me compete expor, nem justificar a proposta do Sr. Teixeira de Freitas, contida nesta carta. Ele queria apresentar dois códigos — um geral e outro civil. Meu pai, ainda dessa vez, prestou-lhe todo o apoio, e como relator da seção de justiça do Conselho de Estado, insistiu com o governo para que deixasse-o realizar a sua ideia.

A seção reconhece que a codificação proposta é uma coisa nova. Mas na legislação, como na ciência, as ideias por novas não devem ser repelidas in limine, mas pensadas e estudadas. — Que inconveniente há em que o Governo ajude e facilite a grande concepção do autor? — Não pede ele aumento de despesa. — Não é de uma lei que ele está encarregado, mas de um projeto sujeito ao exame de uma comissão e que pode ser rejeitado, se não preencher o seu fim. — Haverá demora, mas uma demora compensada pela possibilidade de uma invenção que pode dar gloria ao autor e ao país.” — Assinaram esse parecer além de meu pai os Srs. Bailes Torres Homem e Visconde de Jequitinhonha. — O Governo Imperial não decidiu, porém, no sentido da consulta, e o contrato com o Sr. Teixeira de Freitas ficou ispso facto rescindido. — Quatro anos depois, escolhido por um dos antecessores de V. Ex., o Sr. conselheiro Duarte de Azevedo, meu pai foi encarregado de apresentar um novo projeto. Da história da comissão confiada ao Sr. Teixeira de Freitas quero tirar duas conclusões; - A primeira, que meu pai não só o escolheu para fazer o nosso código, como sempre animou-o e sustentou-o, para que nós tivéssemos um código civil, só tomando a si a mesma empresa, depois de tudo concluído entre o Sr. Teixeira de Freitas e o Governo Imperial. A segunda que, a feitura de um código civil é uma obra cuja dificuldade só é bem avaliada por quem a empreendeu e que, antes de começa-la, é preciso compreende-la toda, porquanto o código é uma ideia, e, uma vez mudada ou alargada essa, é preciso reformar a obra inteira.

II

(MEU PAI)

Encarregado do código civil por um ministério conservador, que elevava assim, pela escolha de um adversário, o país acima do partido, meu pai começou, na forma do seu contrato, “o meditado estudo” do qual devia resultar o sistema do código. — Sem dúvida ele conhecia todos os ramos do direito, tendo dedicado toda a sua vida à jurisprudência, na magistratura, no foro, na pasta da justiça, que lhe fora três vezes confiada, no parlamento e no Conselho de Estado.

Não há assunto jurídico sobre o qual não se encontre a sua opinião, mas, apesar de tudo isso e, mais ainda, apesar de ter a paixão do direito, isto é, de nunca ter deixado de confrontar a lei positiva com a norma superior da justiça, que tinha em si, meu pai entendeu dever rever, e sistematicamente, todo o direito civil antes de começar o seu projeto.— Isso que o Sr. Teixeira de Freitas fizera e imprimira como esboço, ele também o fez, mas, em vez de redigir esse trabalho preparatório, limitou-se a dividi-lo, distribui-lo por índices alfabéticos, tomando os apontamentos necessários, comparando os diversos códigos, assentando as bases do projeto. — Esse trabalho preliminar indispensável tomou-lhe, porém, quase todo o prazo do contrato. — Para o fim meu pai receava que este findasse sem a obra estar concluída, mas, em obras, de tal natureza não há como apressar-se. — O mais que ele podia fazer, era trabalhar sempre, essa fora, desde o princípio, a sua regra. — Havia um motivo para que, mesmo sob a iminência da hora fatal, ele não pudesse terminar precipitariam ente o código, e esse era a autoridade do seu nome. Ele sentia a responsabilidade do legislador, preocupava-se da ação imediata e distante da sua lei, da repercussão do seu pensamento em toda a vida social. Sem ter, nem desejar, ditadura alguma legislativa, a sua posição, a confiança que inspirava eram tais, que ele devia fazer um código, não um projeto. A sua ambição tinha abandonado, para o fim da vida, o campo das lutas partidárias, preferindo à aparência do poder, que dá a passagem pelo Governo, essa influência política e social infinitamente maior, do homem que, cercado da confiança de todos, está encarregado de elaborar a lei geral do pais. — Não lhe era permitido nem inovar bruscamente, nem respeitar um só dos obstáculos que a lei positiva opõe ao desenvolvimento natural do direito. — Ele não podia fazer uma obra imperfeita sacrificando, para ganhar tempo, interesses econômicos do maior vulto, e interesses morais, que não se avaliam em dinheiro.

Se não me recusam, dizia o Sr. Teixeira de Freitas, a possibilidade intelectual de preparar em dois ou três meses um livro com o letreiro de — Código Civil — à feição do nosso código comercial vigente, ou do moderno código civil de Portugal; como explicar a lentidão dos meus trabalhos, o consumo de mais de oito anos sem ainda ter chegado ao fim? — Bem se vê que aí leveda um nobre sentimento, um amor de perfeição que só a consciência pode compensar.” —Essas eloquentes palavras, que o ilustre jurisconsulto dizia em sua defesa, são as que tomo para a de meu pai. — Meu pai, entretanto, teria concluído o código dentro dos cinco anos se tivesse deixado o Conselho de Estado. — Ele teve, para não dar esse passo, razões políticas importantes. — A primeira de todas é que ele sempre pensou que nos governos parlamentares a responsabilidade do chefe da oposição só é menor do que a do presidente do conselho. — Ele nunca eximiu-se, na vida pública, da sua parte de influência, não, se posso distinguir assim, sobre os homens, mas sobre os fatos. — A organização do nosso Conselho de Estado tem esta feição única; de associar diretamente a oposição ao governo.— Os ministros com quem, de 1878 a 1877, prazo do código, ele teve a honra de servir, podem dizer se haveria vantagem para a causa pública em desertar meu pai do seu posto; se ele não lhes prestou - sempre lealmente, para a melhor direção dos negócios, ou ajudando-os ou resistindo-lhes, o concurso da sua boa vontade. —Não me cabe expor os serviços prestados por meu pai, mas não esqueceu-me o interesse que ele sempre tomou era bem aconselhar ao Imperador. — É sabida a sua parte no movimento que deu em resultado a lei de 26 de setembro de 1871, e foi no Conselho de Estado que se elaborou e venceu essa grande reforma.

Durante as complicações com o Rio da Prata, provenientes dos tratados em separado com o Paraguay, meu pai não teve desde o princípio outro programa senão o que triunfou anos depois, — o arbitramento dos Estados Unidos—; e talvez as despesas de preparativos, liquidadas ainda há pouco em parte pela venda do — Independência—, fossem atualmente de guerra se meu pai não se tivesse tanto esforçado pela paz, com o Sr. Visconde de Abaete. — A abertura do Amazonas, os tratados de extradição, as convenções consulares, a questão religiosa, os casamentos católicos, a secularização dos cemitérios, extensos pareceres sobre a interpretação das leis, o exame da consolidação do processo civil do Sr. conselheiro Bibas, e os acontecimentos políticos, enchem livros escritos por letra de meu pai sob o título — Conselho de Estado. — Ele preferiu Sobrecarregar-se de trabalho a privar a minoria da sua legitima representação naquele conselho, a divorciar a oposição do governo, a diminuir a utilidade pública, tendo para si, segundo uma frase justamente célebre, que melhor serve o partido quem melhor serve o país. — O que ele supunha é que tanto trabalho estranho à codificação só acarretaria a demora de um ano, e o contrato dava-lhe o direito de contar com a prorrogação. — Antes de terminado o prazo ele pediu ao governo imperial: — “Devo participar a V. Ex., escrevia ele ao antecessor de V. Ex., o Sr. Gama Cerqueira, que não me é possível concluir o Código Civil no prazo contratado, precisando de uma prorrogação de oito meses, a qual peço ao Governo Imperial. Fiz todos os esforços que pude para concluir esse compromisso de honra, mas fui impedido por frequentes incômodos de saúde, bem próprios da minha idade, e provocados por trabalho todo árduo e difícil. — Não deve V. Ex. estranhar esse fato. — O profundo jurisconsulto Visconde de Seabra, encarregado do Código Civil, por decreto de 8 de Agosto de 1850, só deu conta dele em 1857, e sem exposição de motivos ou comentários.

“O outro grande Jurisconsulto, o Sr. Teixeira Freitas de capacidade muito superior á minha, contratou o Código Civil, por três anos, em 1859, e até 1872 não o executou, exonerando-se dele nesse ano. O Governo Imperial, outrossim, concedeu um ano de prorrogação ao ilustre conselheiro Ribas para o trabalho de consolidação do processo civil.” Meu pai pediu, ao mesmo tempo que a prorrogação de oito meses, a continuação das prestações do contrato, mas como adiantamento do prêmio, — “Se propus, dizia ele depois, que a gratificação durante a prorrogação fosse descontada afinal do prêmio prometido, não foi por que entendesse que não tinha direito a ela, mas para não se tornar o meu trabalho mais oneroso ao Estado e para não dizer-se que eu podia abusar da confiança em mim posta, percebendo gratificações, apesar de pronto o Código, ou demorado adrede” . — O antecessor de V. Ex. não teve tempo para resolver definitivamente sobre a proposta de meu pai, e coube a V. Ex. espaçar por mais um ano o prazo concedido. — Como, por não haver credito, não pôde ser abonada a meu pai a gratificação pedida, o Governo Imperial permitiu-lhe voltar aos seus trabalhos de advocacia, interrompidos durante cinco anos. — Meu pai contava com a vida, e quem não faz desta a base principal dos seus cálculos? — Mas, ainda que ele não tivesse esperança, teria sempre seguido o mesmo sistema e a obra teria ficado no mesmo ponto no dia 19 do Março. — Se ele não concluiu o seu Código dentro dos cinco anos, foi porque era impossível; se não concluiu na prorrogação, foi porque morreu. — Meu pai repetia que o Código estava pronto. — A sua imaginação, o seu método de trabalho deixam-me conciliar essa frase com o estado da obra. — Há dois momentos em que um espirito como o dele pôde ter o orgulho de ter concluído uma empresa dessa ordem: o primeiro, quando acaba de pensar; o segundo, quando acaba de escrever. — A execução só parece difícil a quem não tem a ideia criadora.

Quem tinha pensado todo o Código, tinha-o na cabeça, só lhe faltava copia-lo do pensamento e da memória para ter a obra materialmente concluída. — Ele não a escreveu, mas notou-a por palavras, referências, sinais, que infelizmente só ele mesmo poderia interpretar. — Abrangendo todo o seu plano, tendo resolvido mentalmente as grandes questões, ele podia dizer: o Código está pronto! — Infelizmente ele o levou para o túmulo. — O Governo Imperial deve lamentar, com o pais, a comunicação que ora lhe faço, mas a dor de ter achado incompleto um trabalho ao qual estava ligado o nome de meu pai, e com o qual ele se tinha identificado, pertence principalmente á sua viúva e filhos. — Nos temos, porém, uma consolação, e é que toda a sua vida dedicou-se ao aperfeiçoamento e desenvolvimento do nosso direito; que sendo ministro, ordenou a consolidação, que o o nosso código provisório, e os trabalhos do Código Civil; que a sua ação está impressa em quase todo o progresso da nossa legislação, na organização do crédito territorial, no regime hipotecário, nas reformas sociais, e criações legislativas do seu tempo; e, por último, que os livros acabados do seu Código Civil dão a medida da obra interrompida pela morte e mostram que, se ele não foi o codificador de nossas leis, era digno de sê-lo.

Deus Guarde a V. Ex. — Ilm. e Exm. Sr. Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira, Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Justiça. — Sizenando Nabuco de Araújo,



RESCISÃO DO CONTRATO DE TEIXEIRA DE FREITAS

Consulta da seção de Justiça do Conselho de Estado sobre a proposta de um novo plano para o Código Civil.

Senhor,

Mandou Vossa Majestade Imperial, por aviso de 18 de dezembro próximo passado, que a Seção de Justiça do Conselho de Estado consultasse com seu parecer sobre a inclusa proposta do Bacharel Augusto Teixeira de Freitas, relativa a organização do projeto do Código Civil.

A proposta, sobre que versa a consulta, é a seguinte:

Ilm. e Exm. Sr.

Cumpro um dever de consciência, e de cortesia para com V. Ex., não retardando por mais tempo a exposição dos motivos, que obstam ao complemento dos trabalhos do projeto do Código Civil.

Uma larga memória justificativa reservava eu para tempos calmos, receoso de não ser ouvido na extraordinária situação, que absorve nossa vitalidade; mas as longas expectativas cansam, e será talvez irreparável a incerteza provocada pela minha comunicação a V. Ex. em data de 20 de Novembro do ano passado.

Em 13 de Dezembro do mesmo ano dignou-se V. Ex. de responder à essa comunicação, não aceitando minha renúncia. Em termos, que agradeço cordialmente, invocando V. Ex. a fé do meu contrato de 10 de janeiro de 1859, excitando meus sentimentos, manifestou a satisfação do Governo Imperial para com os trabalhos até agora publicados.

Ainda mais. No Relatório desta repartição, tratando da justiça civil, lamentou V. Ex. que tanto se tenha espaçado o termo daquele meu contrato; declarou não haver motivo para deixar de confiar no remate da empresa; e, tratando da justiça comercial, reconhece as excrecências do nosso Código do Comércio, a necessidade de revê-lo; reservando, porém, esse melhoramento para depois de apresentado e aprovado o projeto do Código Civil.

Ha desarmonia profunda, Exm. Sr., entre o meu pensamento atual sobre tais assuntos, e as vistas do Governo Imperial.

Está satisfeito o Governo com os trabalhos, de que já tem conhecimento, e o autor mal contente. Deseja o Governo a terminação do trabalho impresso, como se fora o contratado projeto do Código Civil; e jamais passou pela intenção do autor, nem é do seu caráter, dar por projeto do Código Civil, o que ele só compusera como ensaio, e lealmente publicara sob o título de— Esboço.

O Governo espera por um projeto do Código Civil no sistema desse Esboço, sistema traçado no meu contrato de 10 de janeiro de 1859, e para mim já não há possibilidade de observar tal sistema, convencido, como estou, de que a empresa quer diverso modo da execução.

O Governo quer um projeto do Código Civil para reger como subsídio ao complemento de um Código do Comércio, intenta conservar o Código Comercial existente com a revisão, que lhe destina; e hoje minhas ideias são outras, resistem invencível mente à essa calamitosa duplicação de leis civis, não distinguem no todo das leis desta classe algum ramo, que exija um Código do Comércio.

O governo só pretende de mim a redação do um projeto do Código Civil, e eu não posso dar esse Código, ainda mesmo compreendendo o que se chama Direito Comercial, sem começar por um outro Código, que domine a legislação inteira.

Justificarei sucintamente as divergências, que me afastam das vistas do Governo Imperial com a seguinte revelação.

Meus esforços na codificação empreendida lutavam constantemente com duas dificuldades de género oposto, pelas quais afinal fui vencido. Tal é o poder da verdade!

De um lado, matérias superiores a todos os ramos da legislação, forçoso foi inclui-las no Código Civil, como até agora se tem feito já que delas carecia, e não havia outra parte da legislação em que delas se tratasse.

De outro lado, matérias privativas do Código Civil forçoso foi exclui-las, ou parti-las como também até agora se tem feito, já que havia um Código do Comércio em que delas se tratava. Além disso, sem definir, sem distinguir, sem dividir, nunca me foi possível formular a parte imperativa das matérias; e sempre, ante mim erguido, o aforismo do perigo das definições acusava-me de uma falta, e com ele o preceito dos mestres, preceito, que infelizmente ainda ninguém soube guardar! Como sair de tais embaraços se o contrato de 10 de janeiro de 1859 só autorizou-me a preparar um projeto de Código Civil pelo método da Consolidação das Leis Civis, ao qual somente aditou-se um 3º livro para as disposições comuns aos direitos reais? Faltaria eu à fé desse contrato, se apresentasse trabalhos diversos dos que me foram incumbidos; e nada se me pode arguir com Justiça, se manifestei a impossibilidade de cumpri-lo, se usei do meu direito de renúncia, sujeitando-me à consequências dela.

O plano da Consolidação das Leis Civis foi obra minha, primeiro tentamem da exatíssima divisão dos direitos em pessoais e reais. Também foi minha a modificação do contrato de 10 de janeiro de 1859, que a esse privativo plano aumentou o indicado 3º livro, quando ainda envolvido em sombras aparecia-me ao espírito o chamado — direito de herança.

Se engendrei tudo isso, se alterei minhas primeiras ideias, porque não poderei mais uma vez altera-las, ou antes requintadas, no meu ardente amor pela conquista da verdade jurídica? Se o Governo Imperial tem aceito todo esse lidar de pensamentos, se continua a confiar no operário, se não o prende alguma iniciativa do Corpo Legislativo, o que pode agora impedir o acolhimento de modificações novas em crescente proveito da mais acertada execução da empresa? Quem pode fazer, pode desfazer.

Recomendam os mestres que a legislação não defina, porque as definições são da doutrina. Onde está, porém, a doutrina? Em parte nenhuma, porque nem os livros nem a escola ensinam nada mais do que uma história de opiniões, ou questões de palavras, a ponto de não estar ainda líquida nem a noção significada pela palavra— direito.

Começam todos os Códigos Civis por uma introdução ou Título Preliminar sobre as leis em geral, sua publicação e aplicação. E se tais disposições são extensivas às leis de todas as espécies, como negar que estão impropriamente em um dos Códigos? Esta verdade foi reconhecida no seio da Comissão do nosso Esboço de Código Civil, e resulta da simples leitura do título preliminar desse Esboço.

Todos os Códigos Civis tratam das pessoas e das coisas, e imitou-os o nosso Esboço com uma seção mais sobre os fatos, seguindo os escritores da escola germânica; e quem ousara dizer que não sejam estes os elementos de todos os direitos possíveis em todas as esferas da vida jurídica?

Não há tipo para essa arbitraria separação de leis, a que deu-se o nome de Direito Comercial ou Código Comercial; pois que todos os atos da vida jurídica, excetuados os benéficos, podem ser comerciais ou não comerciais, isto é, tanto podem ter por fim o lucro pecuniário, como outra satisfação da existência.

Não há mesmo alguma razão de ser para tal seleção de leis; pois que, em todo o decurso dos trabalhos de um Código Civil, aparecem raros casos, em que seja de mister distinguir o fim comercial dos atos, por motivo da diversidade nos efeitos jurídicos.

Entretanto a inércia das legislações, ao inverso do progressivo desenvolvimento das relações jurídicas, formou lentamente um grande deposito de usos, costumes e doutrinas, que passaram a ser leis de exceção, e que de leis passaram a ser códigos, com seus tribunais de jurisdição restrita e improrrogável. (1 ) Eis a história do Direito Comercial! Eis falsificada a instrução jurídica e aturdidos os espíritos com a frívola anatomia dos atos, até extrair-lhes das entranhas o delicado critério!

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  1. O Código civil e comercial é um só no Canadá. (N. do A. do P.)

O meio de sair de tais embaraços, de sanar tantos inconvenientes, de reparar os erros do passado, de fixar os conhecimentos jurídicos, de estabelecer a unidade da legislação e de extremar os verdadeiros limites da codificação civil, só o acharemos na composição de dois códigos cujas divisões capitais vêm a ser:

CÓDIGO GERAL

Livro 1º — Das causas jurídicas.

seção 1ª — Das pessoas.

seção 2ª — Dos bens.

Seção 3ª — Dos fatos.

Livro 2º — Dos efeitos jurídicos.

Código Civil

Livro 1º — Dos efeitos civis.

Livro 2º — Dos direitos pessoais.

Livro 3º — Dos direitos reais.

A ideia de um Código Geral não é nova, tem sua primeira semente nos dois últimos Títulos do Digesto “de verborum significatione” e “de diversis regulis juris antiqui,” como tão judiciosamente compreedeu Pothier nas suas “Pandectas”, quando diz: a Quasi pro totius operis coronide.

Em verdade, há uma grande massa de matérias que, por isso mesmo que entram em todos os ramos da legislação, não pertencem a algum dos ramos peculiares “quae nulli certae tractationi peculiares propria dici possunt.” Encerram noções preliminares, servem para interpretação de todas as leis, “necnon ea, quae ad previas quasdam legum notiones earumque interpretationem pertinent.”

Outra semente acharemos na “legum leges” de Bacon, nas leis, que têm por objeto todas as outras leis, e cada uma delas, “ex quibus informatio peti possit, quid in singulis legibus bene, aut perperam positum aut constitutum sit.” E alargando o intuito predominante do sábio analisador, aí temos a suprema classe de leis, que descreve as mais especiais, regula sua publicação, vulgarização interpretação e aplicação; e marca os casos de sua ab-rogação ou derrogação.

Mais um precedente mostra-nos o Código Civil da Louisiana em seu último — Título da significação das palavras — onde firma-se a inteligência dos vocábulos, que no corpo do Código não têm sido particularmente definidos.

A diferença, que vai de uma nomenclatura legislativa à dos dicionários jurídicos em uso, é a mesma que distingue uma lei e uma opinião, ou a certeza e a dúvida. Do que se carece é de força obrigatória para a significação das palavras do legislador, sobre tudo das palavras técnicas. Sem tal providência não haverá lei boa, e reinará permanente incerteza na administração da justiça.

O projetado Código Geral conterá todas as definições necessárias, assim as das matérias superiores como as das disposições de cada um dos códigos particulares, de modo que nestes últimos nada se defina.

Conciliamos dest´arte o preceito com a necessidade.

No Código Geral as leis que ensinam, nos outros códigos as leis, que mandam.

O Código Geral para os homens da ciência, os outros códigos para o povo.

O projetado Código Geral será muito mais do que um código de definições.

Compreenderá todas as matérias do 1º Livro — do nosso Esboço do Código Civil sobre — pessoas— coisas — e fatos, elevando-as, porém, à sua derradeira altura.

As — pessoas — não serão simplesmente meros sujeitos ou titulares de direitos, como ensina a melhor doutrina; por outra não serão sempre causas passivas de direitos.

Serão também causas ativas, por si, ou por seus representantes; e nem há outro criador de direitos nas relações humanas; já que os fatos do mundo não livre são traduções infalíveis de outras leis.

A teoria das — cousas — passará a ser teoria dos bens considerados estes, não unicamente como objetos de direitos, segundo ensina também a melhor doutrina; serão igualmente como causas passivas de direitos, já só por si, já por influência dos fatos.

Os — fatos — que não forem atos, serão sempre causas passivas de direitos, e causas primas, do mesmo modo que os atos não livres; mas os atos livres nunca serão causas primas, serão sempre efeitos em relação às pessoas, e só causas segundas, em relação a efeitos ulteriores. Eis a verdadeira interpretação da realidade, que assentará em seu lugar próprio a isolada doutrina da — causa das obrigações — que nenhum escritor tem satisfatoriamente explicado.

Na escala dos atos jurídicos entram as leis, que aliás se tem antolhado até o presente como assunto soberano ou preliminar; e assim as nacionais, como as estrangeiras. Atos em geral, atos voluntários, involuntários, jurídicos, probatórios, legislativos, governamentais, administrativos, judiciais, civis, comerciais, ilícitos; tal é a escala, que percorremos, e bem se vê que as leis são atos legislativos, e que acima destes estão os atos Jurídicos.

O fruto colhido desta graduação é o conhecimento exato das matérias comuns a todos os atos jurídicos, e das peculiares de cada espécie deles. Assim é, por exemplo que muitas regras de interpretação, e as providências sobre a computação dos prazos, dominam não somente os contratos e os testamentos, como as leis e os atos judiciais. Veja-se o art. 15 do Esboço do Código Civil.

O senso comum que de ordinário é o mais sábio dos jurisconsultos, bem penetra esta, e muitas outras verdades. Diz que as leis são atos legislativos, assim como diz que os contratos são leis para as partes contratantes e que os testadores são legisladores.

As leis em um grupo, e em outro grupo o resto dos atos jurídicos, são em última análise as únicas potências, à que se reduzem todas as causas jurídicas. Quando o efeito jurídico não deriva do ato jurídico de quem não é legislador, tanto quanto lhe cabe em sua esfera, tem falado necessariamente o legislador, a quem só compete entender a mudez dos outros fatos. Neste sentido é que se fala de obrigações nascidas da lei.

E os atos probatórios? Acima deles estão as provas em geral, que são os meios de mostrar a verdade de todas as alegações, em toda a parte, e perante qualquer órgão do poder público; entretanto que só fora sido encarados como — provas judiciárias— e regulados por isso nas leis do processo! Não, toda a natureza das provas pertence por sua natureza ao Código Geral.

Das causas jurídicas dimanam todos os direitos possíveis, regulados pelas leis do Direito Privado e do Direito Público; e deles em geral trata o 2° Livro do Código Geral sob a inscrição de — efeitos jurídicos — porque incontestavelmente não há direitos, que não sejam efeitos, não há direitos inatos. A liberdade é o homem. A liberdade em política jamais teria o nome de direito, se os povos não se houvessem remido das instituições opressivas; e na vida civil não teria correlativo, se não fora o abuso da escravidão.

Não se creia, porém, que na ideia dos — efeitos jurídicos entram somente os direitos.

Eles aí entram como direitos vivos, como direitos em exercício em todo o decurso de sua existência, como efeitos de direitos em todas as manifestações concebíveis. O primeiro dos efeitos jurídicos é a — aquisição dos direitos, — o último a— extinção dos direitos; e o que é uma extinção de direitos senão a negação de direitos?

Se das leis civis no sistema usado tira o Código Geral todas as disposições elementares sobre pessoas, bens e fatos; se das leis do processo, ou de quaisquer outras separa as disposições que regulam as provas; do atual Código do Comércio removerá o que concerne a estas mesmas matérias e do Código Penal apartará toda a teoria e nomenclatura dos delitos, como parte integrante da teoria dos atos ilícitos.

Desta sorte ficará limitado o projetado Código Civil às disposições do 2º' e 3º livros do Esboço já publicados e do 4º livro ainda não publicado, menos as definições. Ganhara porém, e apresentara em seus lugares próprios, todas as matérias do atual Código do Comércio, ainda que não excrescentes no sentido do último Relatório desta Repartição, que não forem de Direito Administrativo ou não pertencerem às leis do processo.

Os contratos em geral, o mandato, o comodato, a compra e venda, a troca, a locação, o mútuo, a fiança, a hipoteca, o penhor, o depósito, as sociedades, os pagamentos, a novação, a compensação, a prescrição e os seguros voltam a seus respectivos grêmios no Código Civil, onde as inscrições são as mesmas.

O mandato completar-se-á com as disposições sobre corretores, agentes de leilões e comissários.

A locação de serviços com os relativos a feitores, guarda-livros, caixeiros, comissários de transportes, capitães de navios, pilotos, contramestres e gente da tripulação.

O depósito com os concernentes a trapicheiros e administradores de armazéns.

A troca com o contrato de câmbio, e letras de câmbio.

A locação de bens com os fretamentos.

O mútuo com as contas correntes, letras de terra, notas promissórias e empréstimo à risco.

A indenização do dano completar-se-á com as avarias.

Tal é o plano, que nos permitirá erigir um monumento glorioso, plantar as verdadeiras bases da codificação, prestar á ciência um serviço assinalado. Só ele corrigirá o vício de quase todos os trabalhos legislativos, que é o de tomar a parte pelo todo, o que frequentemente se faz por tudo que se pôde fazer.

Se o Governo Imperial o aceitar, há necessidade de uma autorização nova; publicar-se-á em breve o projeto do Código Geral, completar-se-á em seguida a publicação do Esboço Já publicado em sua maior parte, e terminará o trabalho pela publicação do projeto do Código Civil.

Se o Governo Imperial não o aceitar, o mais a que posso resignar-me, é a publicação do complemento do Esboço, que não deixa de ter seu merecimento relativo, segundo o estado atual das ideias; terminando, porém, nesse ponto o meu trabalho, desonerando-se-me todas as mais obrigações do meu contrato de 10 de Janeiro de 1859.

Se não me recusam a possibilidade intelectual de preparar em dois ou três meses um livro com o letreiro de Código Civil, à feição do nosso Código Comercial vigente, ou do moderno Código Civil de Portugal; como explicar a lentidão dos meus trabalhos, o consumo de mais de oito anos, sem ainda ter chegado ao fim? Bem se vê que aí leveda por um nobre sentimento, um amor de perfeição, que só a consciência pôde recompensar.

Se me negam a possibilidade moral de arranjar códigos de rotina, que só servem para atrair recompensas exteriores, então sou réu confesso.

Rogo a V. Ex. que refletidamente medite sobre toda essa ingênua exposição; que a submeta ao critério de Sua Majestade o Imperador, e que afinal resolva como melhor parecer em sua sabedoria.

Deus guarde a V. Ex.

Rio de Janeiro, em 20 de Setembro de 1867.

Ilm, e Exmo, Sr. Conselheiro Martim Francisco Ribeiro de Andrada, “Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça”.

Augusto Teixeira de Freitas.


A Secretaria informa assim:

“Por contrato de 10 de Janeiro de 1859, o Bacharel Augusto Teixeira de Freitas foi encarregado de redigir um projeto de Código Civil, obrigando-se:

A conclui-lo dentro de três anos;

A presidir à sua impressão;

A dar os esclarecimentos a comissão incumbida de o examinar;

A passar, sem indenização, os trabalhos, se não os concluísse no prazo marcado;

E, nesta hipótese, a restituir as gratificações, que houvesse recebido.

O Governo comprometeu-se a conceder uma gratificação de 1:200$000 mensais, desde 1º de Janeiro de 1859 até 31 de Dezembro de 1861, e de um prêmio, que por decreto n. 3.188, de 1863 foi fixado em 100:000$000, sendo pagos 50:000$000 logo que o trabalho estivesse pronto, e 50:000$000, quando a comissão o adotasse, para ser submetido á discussão da Assembleia Geral Legislativa.

A imprimir os trabalhos.

O Bacharel Augusto Teixeira de Freitas recebeu todas as mensalidades na importância total de 43:200$000.

Não apresentou o projeto de Código Civil, sendo que o Governo deixou de marcar-lhe prazo para o fazer, sob as penas do contrato, mas tem oferecido um Esboço como base para aquele projeto.

O Esboço está quase concluído, e foi concebido nestes termos:

Uma parte geral, compreendendo o 1º livro, que trata dos elementos dos direitos, dividido em três seções:

Pessoas.

Bens.

Factos.

Uma parte especial, compreendendo o 2º, 3º e 4º livros, que tratam dos

Direitos pessoais.

Direitos reais.

Direitos em geral.

Estão impressos o 1º, 2º e quase todo o 3º livros, formando uma série de cadernos com 4.908 artigos.

O terceiro livro, que trata dos direitos reais, é dividido em três seções:

Dos direitos reais em geral.

Dos direitos reais em cousas próprias.

Dos direitos reais em cousas alheias.

Estão impressas a 1ª e 2ª

A 3ª é subdividida em sete títulos:

Do enfiteuse.

Do uso-fruto.

Do uso e da habitação.

Das servidões.

Da hipoteca.

Da anticrese.

Do penhor.

O que foi impresso e entregue na Secretaria chega até as servidões, título, que não saiu todo do prelo.

Não consta ainda que fosse apresentado o resto dos direitos reais em coisas alheias, nem o livro quarto, que trata dos direitos em geral das

Secessões.

Concurso de credores.

Prescrição.

Como se verá melhor da tabua sistemática, que ajunto; mas, segundo uma carta de 13 de dezembro do ano passado, parece que já foi escrito, ficando assim terminado todo o Esboço, porém ainda não começado o projeto do Código Civil.

Diretoria Geral, 5 de novembro de 1867.


O Diretor Geral, André Augusto de Paula Fleury.

A Sessão de Justiça do Conselho de Estado não pode deixar de aconselhar, como digno de toda a consideração, o novo método de codificação, proposto e justificado pelo mesmo Bacharel na sobredita representação.

Com efeito, à primeira vista d´olhos, parece de grande utilidade para facilitar a Jurisprudência, e a inteligência das leis, o Código Geral, aonde venham definições, que expliquem o sentido das disposições; aonde outrossim se estabeleçam disposições gerais, que são aplicáveis aos diversos ramos da legislação, e não peculiares a algum deles, como são as disposições, que dizem respeito à publicação das leis, aos seus efeitos em relação ao tempo e lugar, assim como as relativas às pessoas, coisas e fatos, como causas dos direitos.

A lei não deve definir, por que supõe a existência da doutrina preestabelecida; mas com razão pergunta o autor aonde está a doutrina?

Certo, quando em vez da doutrina, se há dúvida, a falta das definições legais arrisca as leis à controvérsia, e à contradição na execução.

A lei não deve definir; é um princípio meramente abstrato violado por todos os Legisladores.

O Código Civil Francês, tipo de muito códigos, definiu e definiu muito: definiu a hipoteca, a prescrição, a propriedade, o usufruto, a venda, a servidão, etc.

No estado de ceticismo que domina entre nós, e quando os princípios fundamentais do direito são muitas vezes objeto de controvérsia, a nova codificação deve concorrer muito para a regeneração da Jurisprudência e por consequência para a certeza do império da lei.

A censura, que geralmente se faz ao Código Civil Francês por causa dos seis primeiros artigos dele, cujas disposições gerais não pertencem exclusivamente ao direito civil, mostra a necessidade de um Código Geral, aonde essas disposições, aliás essenciais, sejam próprias e cabíveis.

A outra ideia da refusão do Código Comercial no Código Civil, trazendo a exceção a par da regra, e fazendo cessar as jurisdições excepcionais, e por consequência as questões de competência, que multiplicam e eternizam as demandas, é também de manifesta utilidade; está sobejamente sustentada pelo autor e homens eminente s como são Bivière, Courtois, etc.. já propugnam pela mesma ideia.

A Seção reconhece que a codificação proposta é uma coisa nova.

Mas na Legislação como na ciência, as ideias por novas não devem ser repelidas in limine, mas pensadas e estudadas.

A nova ideia é de difícil execução, mas não deve ser por isso repelida in limine, quando quem se propõe a executa-la é o Bacharel Augusto Teixeira de Freitas, que tantos abonos tem dado de sua alta capacidade.

Que inconveniente há em que o governo ajude e facilite a grande concepção do autor? Não pede ele aumento de despesa. Não é de uma lei, de que ele está encarregado, mas de um projeto sujeito ao exame de uma comissão, e que pode ser rejeitado, se não preencher seu fim.

Haverá demora, mas uma demora compensada pela possibilidade de uma invenção, que pôde dar gloria ao autor, e ao pais.

A Seção de Justiça é portanto de parecer que seja aceita a proposta, a qual importa somente a novação do método da codificação e a prorrogação do tempo.

Vossa Majestade Imperial decidirá o que for melhor.

Sala das conferências da seção de Justiça do Conselho de Estado, em 1º de Julho de 1868.

José Thomaz Nabuco de Araújo

Francisco de Sales Torres Homem.

Visconde de Jequitinhonha.


Ministério dos Negócios da Justiça — Rio de Janeiro, em 18 de novembro de 1872.

Não podendo o governo imperial aceitar o plano proposto por V. S., e em sua representação de 20 de Setembro de 1867 para a organização de dois códigos, um geral e outro especial, tem considerado rescindido, como também a V. S. parece em sua declaração de 8 do corrente, o contrato de 10 de Janeiro de 1859, que com V. S. celebrara para a redação do projeto do Código Civil do Império, já pelo tempo decorrido, já porque V. S. declarou, na sua mencionada representação, que, pela desarmonia profunda entre o seu pensamento e as vistas do Governo imperial, julga-se inabilitado para redigir aquele projeto.

Isto posto, e para que fique exonerado das obrigações de seu contrato, queira V. S. entregar a esta secretaria de Estado os manuscritos, que tiver, para complemento do esboço do projeto do Código Civil, aos quais V. S. se refere em suas comunicações de 20 de Novembro de 1866 e 20 de Setembro de 1867.

Cabe-me a satisfação de agradecer e louvar a V. S., em nome do Governo Imperial, pelo serviço prestado com o Esboço do Código Civil, que, se não é ainda projeto do código, é trabalho de incontestável utilidade e merecimento.

Deus guarde a V. S.

Manoel António Duarte de Azevedo.

Sr. Bacharel Augusto Teixeira de Freitas.

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